"As polêmicas são inúteis, estar de antemão de um lado ou do outro é um erro, sobretudo se ouvirmos a conversa como uma polêmica, se a virmos como um jogo em que alguém ganha e alguém perde. O diálogo tem que ser uma pesquisa e pouco importa que a verdade saia da boca de um ou da de outro. Tratei de pensar, ao conversar, que é indiferente que eu tenha razão ou que tenha razão o senhor; o importante é chegar a uma conclusão, e de que lado da mesa vem isso, ou de que boca, ou de que rosto, ou a partir de que nome, é o de menos". — Jorge Luis Borges

 

 

Buscando ater-me à lição sugerida por esta bela e exata epígrafe, retirada de um diálogo entretido por Borges e Osvaldo Ferrari, outro escritor argentino, gostaria de problematizar a tríade otimismo/pessimismo/realismo.

Em Grande Sertão: Veredas é possível verificar duas visões de mundo curiosas: a de Riobaldo, traduzida por seu indefectível bordão: "Viver é muito perigoso"; e a de Diadorim, mediante a sua emblemática exortação: "Carece de ter coragem".

Tais frases, obsessivamente repetidas ao longo da obra maior do escritor mineiro Guimarães Rosa, traduzem-se, de forma adensada, em duas atitudes possíveis do ser humano encarar sua existência no mundo: de maneira antitética, ou seja, tendo o mundo como adversário, o que implica a assunção de certo heroísmo, um certo pôr-se em armas para o enfrentamento da difícil tarefa de viver. Ou de maneira sintética: não tomando o mundo como inimigo, mas como uma condição inescapável, inelutável, de cujo necessário encontro resultam alegrias e/ou tristezas, a felicidade e/ou a miséria.

Pergunto-me: quem é o pessimista e o otimista: Riobaldo com seu "viver é perigoso" ou Diadorim com seu "carece de ter coragem"?

Inegavelmente, a atitude belicista de Riobaldo implica num constante, necessário, porém cansativo, exercício de certa hermenêutica da suspeita sobre o mundo. Em outras palavras, a atitude riobaldiana em relação à mundanidade é sempre crítica, desconfiada, iconoclasta, conforme orientam os grandes mestres desta linhagem: Nietzsche, Freud e Marx.

Já Diadorim é adepta de uma certa hermenêutica da afirmação ou do acolhimento. Ou seja, do desarmar-se diante da equivocidade de como a existência mundana se nos apresenta, para que ouçamos o que ela tem a nos dizer e, dessa forma, aquiescer em sua inexata compreensão. Para tanto, ao invés de tão-somente ficarmos abrigados em indevassável (e inútil) fortaleza a lançar dardos sobre os perigos do mundo, exercitar também a coragem de ir ao seu (des) encontro, transbordante, trágico, imponderável.

Nesse sentido, otimismo e pessimismo, a meu ver, não são os outros da realidade ou do realismo. Ser otimista ou ser pessimista são modos de encarar determinada realidade ou realismo. Ambos, o otimista e o pessimista têm uma visão realista do mundo, a diferença está na maneira como cada um deles encara a realidade ou o realismo do mundo: sendo otimista ou pessimista e colhendo os sabores e os dissabores daí decorrentes.

 

 

 

abril, 2013