beatriz helena ramos amaral e haroldo de campos | lançamento do livro primeira lua, de beatriz h. ramos amaral e
elza ramos amaral | museu da imagem e do som | são paulo, sp | foto roberto vilela
 
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

raiz de palavra

luz-fogo-brasa

lâmina em agosto

galáctico

o poeta

ele-haroldo

piloto em nau verbal

transintática

sintética

sincrônica


no xadrez de estrelas

ele-signantia pura

quase coelum

semente transemântica

metassilábica

em cinco plenos sentidos

ele-múltiplo, áureo

em transcriados campos

recortando essências


em mar pós-mallarmaico

e lances de acaso  

e gomos de grafemas

um sol-noigandres

na concretude

translumina      

cantos e cantos

em viagem poundiana

audaz navega

e ultrapassa

o finismundo


reinventando a máquina:

travessia reinscrita

de um todo —

ele-transcriado

em cósmica matriz

a poliforma

se transfigura

crisantemos

crisantemas

crisantempo

além do tempo


no arco-íris branco

ele-farol

sobre jade

sua bere'shit

no horizonte

transblanco

transprovável

no homérico antevoo

de sua polifônica

transpoesia

 

 

 

Razão

 

 

Transignantia para Haroldo de Campos, poema que escrevi em outubro de 2003, é uma homenagem ao grande e incomparável artista e suas várias faces — de poeta, crítico, ensaísta, tradutor e mestre extraordinário, um dos nomes centrais da poesia e da literatura brasileira e internacional do século XX, que tive o privilégio e a alegria de conhecer desde a adolescência. Ainda sob o impacto de seu desaparecimento — poucos dias depois —  em agosto de 2003, eu caminhava pela Rua Monte Alegre (onde o poeta morava e onde também moro há anos) em direção à PUC, para uma das minhas aulas de mestrado. Pensava nele, no aprendizado inesgotável gerado pela leitura de suas obras e pelas suas conferências, relembrava ensinamentos e conselhos individuais que dele recebi, pensava no manancial inesgotável de seu pensamento crítico, quando senti que esse meu poema começava a brotar naturalmente. As primeiras palavras vieram logo, e, em torno delas, busquei construir, em cinco estrofes, uma espécie de viagem pelos princípios da poesia de Haroldo de Campos e pelos títulos de muitos de seus livros. À concisão e ao sincronismo, por exemplo, faço alusão na primeira estrofe. Refiro-me às suas transcriações de obras de Octavio Paz. Faço alusão a autores de sua preferência, como Stéphane Mallarmé, Ezra Pound, Homero, entre vários outros que analisou e transcriou/traduziu. Refiro-me a seus livros Xadrez de estrelas, Signantia — quasi coelum, Galáxias, Finismundo, A máquina do mundo repensada, Crisantempo, A educação dos cinco sentidos, O arco-íris branco, Transblanco, Escritos sobre Jade, Bere’shit, A arte no horizonte do provável, entre outros, lembrando-me das suas noites de autógrafos a que compareci — quase todas, a partir de meados dos anos oitenta — e cujas leituras enriqueceram imensamente meu pensamento poético. Lembrei-me da presença especial de Haroldo e Carmen de Campos em vários dos lançamentos de meus livros e da alegria que esta presença me trouxe. Construí o poema com linhas curtas buscando realçar a polifonia, a polissemia, a transcriação e valorizando a concisão e a melopeia tão presentes em sua obra. Ao construir o poema, também pensei nas traduções feitas por Haroldo de haicais de Bashô e na valorização das pausas e silêncios. Por meio da musicalidade, busquei ressaltar a alta inventividade da obra de Haroldo e traçar uma conexão poética entre vários momentos de sua produção estética. O poema foi escrito à mão, nos bancos da PUC. Depois, foi trabalhado em casa, num caderno manuscrito. Naquela ocasião, o meu livro Alquimia dos Círculos (Escrituras Ed.) estava prestes a ser lançado e ainda houve tempo para incluir o poema. Lá está ele, nas páginas 41, 42 e 43. Posteriormente, gravei-o no CD Ressonâncias (2010), que lancei em parceria com o extraordinário músico Alberto Marsicano (falecido recentemente), que, aliás, me fora apresentado pelo próprio Haroldo, nos anos oitenta, e que veio a se tornar um amigo muito especial.

 
março, 2014
 
 

 

Beatriz H. Ramos Amaral. Escritora, poeta, ensaísta, musicista, autora de dez livros, entre eles, A Transmutação Metalinguística na Poética de Edgard Braga (Ateliê Editorial, 2013), Luas de Júpiter (Anome Livros, 2007), Alquimia dos Círculos (Escrituras, 2003), Planagem (Massao Ohno, 1998), Poema sine praevia lege (1993, finalista do Prêmio Jabuti). Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC/SP, é formada em Direito (USP, 1983) e em Música (FASM, 1985). É membro do Ministério Público de São Paulo desde 1986. Coordenou projetos de arte e literatura entre 1994 e 1997, na Secretaria Municipal de Cultura. Recebeu em  2006 o Premio Internazionale Francesco di Michele de Poesia (Caserta, Itália). Foi Secretária-geral da UBE/SP e diretora da entidade entre 1996/2005). Participa de diversas antologias no Brasil e no exterior. Gravou com o músico Alberto Marsicano o CD Ressonâncias (poesia), lançado em 2010. Site: http://www.beatrizhramaral.com.br.
 
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