À intriga labiríntica de "O Trovador", romance policial escrito pelo poeta e tradutor Rodrigo Garcia Lopes, associa-se um episódio real pouco lembrado: a colonização do norte do Paraná, a partir de Londrina, nome inspirado em Londres. Aí está a deixa fundamental para que o autor criasse uma trama complexa, interessante e original na clave do multiculturalismo. Estão envolvidos no imbróglio desde o rei da Inglaterra e outros nobres, até nazistas atuantes no sul do Brasil, tramoias bancárias, assassinatos, adultérios, o japonês, o italiano, um russo, espionagem, refugiados judeus, prostituição, assuntos literários, paixões, tolices etc. Mesmo abundantes e díspares os ingredientes se integram à narrativa, enriquecendo-a de nuances destinadas a surpreender e a manter o suspense no ar. O escritor tinha a clara consciência de que estava diante de um jogo de regras conhecidas e perigosas, basta qualquer deslize e a estrutura interna se desfaz.  Enfim, um romance policial precisa ser montado como uma máquina irretocável, um jogo de arte literária pura, em seus modelos ideais. E há outros aspectos a serem considerados.

Ninguém poderá acusar o autor de negligente. Observa-se o cuidado que dedicou a "O Trovador", apoiado em pesquisa atenta e apurando a técnica ficcional presente nos mestres do gênero. O início, porém, que tem por cenário a Londres dos nobres, é um tanto pesado, com excesso de palavras, e pode afastar leitores que não estejam dispostos a apostar pelo menos até a página 80, quando a ação dispara. O excesso de palavras anuncia uma opção contrária à moda de seguir Rubem Fonseca, um mestre da linguagem, e a novela policial norte-americana, algo saudável, no entanto a pergunta é urgente: será que a escolha foi acertada na medida? Porque o descrito pede mais rapidez, menos detalhamento, daí a tensão durante a leitura, afetada pelo descompasso entre o ritmo da "história" reduzida aos fatos e a calibragem com a narrativa, que não deve prendê-la e sim acompanhá-la em sua dinâmica potencialmente eletrizante. O desajuste do tom tende a se diluir rumo ao final do livro, mas já pode ser tarde demais.

Nesse jogo, desta vez, o fabulador parece vencer o escritor. Entre equívocos e acertos, destaque-se a criação de uma personagem dominadora pela ausência e a abertura do final. Engana-se quem pensar que uma solução sirva para desfazer todo o mistério. Há dicas de que algumas histórias podem ter prosseguimento, enquanto outras ficarão nas sombras. Adam Blake, o "detetive" improvisado, na verdade um tradutor meio trapalhão que às vezes exagera no uísque, no vinho ou na cachaça, e sofre com as culpas, mostra-se, no entanto, bastante romântico e simpático para se apaixonar por uma prostituta inconformada e não desistir do futuro, sem esquecer os pequenos desastres e as hecatombes sempre à espera nestes tempos azarões.

 

 

 

[ Texto publicado no Estado de S.Paulo, Caderno 2 ]

 

 

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O Livro: Rofrigo Garcia Lopes. O Trovador. São Paulo: Record, 2014, 406 págs.

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dezembro, 2014