*
Este sol
redondo
Que bate no rosto
Me molha de paz
Correndo eu dizia
Em sua ilha
No meu partido
Já sou velho amigo
Este sol
redondo
De bandas passadas
Queimando alvoradas
Nos pactos-peles
Náuseas rosadas
Um
segredo desdito
O sol
redondo
Medonho espelho
Em fevereiro
Ao gosto de deus
Eu, alta saudade
Na terra boa
Esfreguei vontades
O sol no
céu
O céu meu pão
Milhares de réus
Espalhados no mel
Em rotação
Mordo
faminto
O meu vulcão
O sol me
lava
Escorre dizendo
Em intuição
Eu sou anúncio
De rompimento
Na tarde de outono
Do teu porão
O sol
mar de tantos
A sombra de todos
Respeita meus cactos
Grudados na pele
Nos cantos do peito
Lá, sobram momentos
De transição
Manifesto
Vou
deslizar as mãos sobre suas vértebras
Aradas, prontas para vestir de mansinho
Meu manifesto atlântico
Vou assoprar os vários anos no canto da boca
Lamber devagar qualquer felicidade
Que deixas derramar
Por entre os tapetes
Dias
Versos estacionados na esquina
Essa sua mão
Um novo manifesto
Suado, em uma carta de amor
No sinal amarelo
Por um instante parecia dar certo
Era deserto?
A cidade e o caos?
Veja esse nosso manifesto
Um difícil momento final
Para dar partida
Teus olhos-pacatos-vazios-um-desvio
Para a marginal
Que já somos
Uns tantos anos
Perigosos
Passionais?
Tatuado no corpo
Suado, uma carta de amor
*
Preciso
da intensidade rubra dos fios de telefone
Dos emaranhados
Cruzando satélites-lágrimas
Amanhecendo em outros aeroportos
Preciso do seu perfume no meu vaso
Sua pele sob minha cama-coberta-de-teu-sexo
Dos balões vermelhos estourados na frente do espelho
Paixões caídas pelo chão do banheiro
Eu deixei uma mensagem pra você rabiscada no bidê azul:
Hoje-quero-teu-sorriso-para-o-nosso-almoço
Vou fotografar bem pertinho dos seus olhos
Nossas imperfeições de alma
Quero sexodoer em você
Ser um blues-lilás
Com um batom vermelho borrando suas palavras-de-Cecilia-Meireles
Depois manchando o meu corpo
Testando minha paciência afogada
Transbordando em cada canto da alma
Uma lenda nossa
Para marcar nossos dias em seu peito.
Que me aconchego, apelo, e sou todos os romances.
Dos trágicos aos sublimes
Vou vestir você todas as manhãs
Para sentir na minha pele aquele seu gosto irresistível de sal
*
Ela me
dizia coisas sobre Fellini
Em Roma
Satyros com ternura e fitas carnavalescas no pescoço
Que deslizavam na acrópole
Oferecendo olhos-de-filme para os passantes
Que pulavam naquela vontade de monopolizar
A alegria
Ela dizia com um charme dos anos 30
Que não sambava na Bahia
Jogava confetes na sala de cinema para eternizar seu carnaval
Eram bocas de rouge-batom, espelho virado na tela, um cigarro a meio
tom.
Na cama
Depois daquela velha cena sacana
Espalhava suas cinzas
No banheiro, cortina, parapeito, janela.
Dentro do peito escola de samba de verdade
Foliões na barriga, sombra nos olhos e aquele gozo nos pés.
Que mentiam para as câmeras
Vendendo harmonia
Na tela de cinema vazia
Seus olhos-redondos-verdes-filmes
Cantarolando marchinhas putanescas
Para seu amante
Em desalinho
Colombina bonita no seu vestido
Era descolorido
Em preto e branco
Seu mágico pranto, em close apelativo.
Para conquistar a grande Academia
Aplaudindo aquela velha liturgia
Das serpentinas nos becos
Da maquiagem borrada
Da purpurina perdida
Das quartas-feiras quebradas
No calendário
Repleto de cinzas
*
Se não
existem palavras
Meios olhares
Pretos avisos
Maus presságios
Profecias morais
Revelias
Se não existe poesia
More em outra cidade
Se não existem amores
Outras possibilidades
Se a cabeça anda torta
Os passos aguados
Os olhos murchos, parcos, rastros, mantos.
Traços
Se não existem certezas
Bailados mecânicos
Semáforos-portos
Meninas piscinas
Prantos pacatos
Lisos problemas
Dance grudado no seu amado
Se não existem navalhas
Memórias de cana
Estradas falantes
Se não existem mirantes
Profecias declaradas
Encontros partidos
Junte tudo
Em um
grito
*
Você
não veste apenas as roupas que levas pesadas sob o corpo, você leva nos
cabelos a leveza das tuas dúvidas, a historia das tuas vísceras está
impresso em teu sangue, sob a pele os dias já vividos, nos olhos a
procissão do que ainda não passou. Você tem em sua boca palavras
mofadas, poemas guardados, amores não beijados e a prosa de todo dia. O
que te cobre e falam que é sua alma, se trata das suas escolhas
feitas levadas sob o céu das suas omoplatas. Suas bifurcações e
caminhos escolhidos moram sob o seu pulmão, a respiração nada mais é
que uma via de mão dupla. As transas, os amores feitos, as sacanagens
escondidas sob o diário de tua historia mora na região côncava,
geralmente úmida de vastos desejos. Teus vícios, erros, amores não
correspondidos, amores desfeitos, empregos perdidos, enganos, delírios
martírios, se comprimem no ardor do teu fígado. Sob os pés as ruas por
onde não passou, abaixo deles as pedras já comidas. Sua mão teu
manifesto, sua mão teu teto, teu tato, deserto, mão rasante em voos
destemidos, mão que entrega, denuncia, mão que aperta e que deixa ir
embora, mão, de ser(tão) é tanto quanto hermética. Sob tua testa as
preocupações tomadas na cara desde a infância, perigos eminentes desde
o doce maternal. No teu intestino tudo o que já foi engolido, até mesmo
alguns cacos de vidro. Teus peitos são como cata-ventos, fazem girar
como rosa dos ventos os lírios de alguns momentos. Suas pernas são como
duas ruas paralelas, conhecidas, mas que nunca se encontram em um
cruzamento. E o que faz você cobrir teu corpo do teu nome próprio é o
conjunto dessa sinfonia. Uma forma de te desnudar, uma maneira de te
ter todo em frente ao espelho, é te olhar feito um continente e abrir
uma frente de grande silêncio.
[Poemas
do livro Corpo Partido. 2014]
pequeno
diário de epifanias
Isso
que não se sabe
que
infla feito balão de gás
e
asfixia desejos
isso
que tem em ruas desconhecidas
em
bocas anônimas
em
lastros
em
duvidas
em
tormentos
isso
que não é preenchido
pois
é oco feito o vácuo
que
não tem pressa feito um artesanato
o
que não é moldado
o
que tem nome próprio
e
alimenta rebanhos
pelo
mundo afora
isso
que anda nos calendários dos humanos
que
habita os corpos
o
sangue
isso
que é em demasia
o
que é o homem?
o
que é a emoção se não uma procissão?
uma devoção
uma
parede de lamentos
uma
torre de ferro
uma
paisagem
um
museu para recordar
um
bazar
com emoções mofadas
para
se leiloar
o
que é a experiência humana
se
não o silêncio de todos que tombam
de
todos que amam
de
todos que lutam por corpos vivos
menos
obsoletos em suas rotinas
o
que é essa vontade de ir além do verbo?
de
experimentar na pele os rituais da vida
o
que é a filosofia se não um quebra-cabeça
uma
forca
um
lastro
um
resto coerente de poesia
do
que não se sabe apenas sei do que tive em meu corpo
por
isso danço, danço, danço, danço
danço
a minha poesia
minha
ira
meu
deus
meu
altar
meus
anseios
meu
corpo vivo
todos
os dias
*
São as
teias
Desse
coração
Feito
folha branca
Imaculada
e sedutora
Vertigem
arrebatadora
Baby,
toda confissão
Vem
recheada
De certo
tesão
E tudo
se embaralha
Com a
marolinha
De
nossos desejos
Caindo
pela tardezinha
Iluminando
nossas peles
Permeadas
De
delírios
Atlânticos
*
Não
deixe vazar
O desejo
Pela
fresta do tempo
Acariciando
o vento
Para
amanhecer
Em
paisagem
Azul e
íntima
Desses
teus
Segredos
Submersos
Avessos
Versos
Sem o teu
Pretexto
Que
palpita
Na ilha
Dos meus
Pensamentos
Prêt-à-Porter
Depois
do flash
Capturei
Teu beijo
Com
certo azul
No corpo
Vesti
avenidas
Destravando
Aquela
mania
De
impossibilidades
Que
tateiam
A alma
Na curva
Do poema
Bati
De frente
A imagem
Daquela
Polaroid
Borrada
Dos anos
80
A memória
É feito
moda
Que
desfila
Com a
coleção
Dos
fotogramas
De
qualquer
Estação
Alfândega
Tirei
das dobras
De mim
Essa
valsa
Gris
Que na
memória
Cria uma
bolha
E estoura
A
melancolia
E então
Negociei
Comigo
mesmo
O que
vinha
Ou ia
Tinha
agora
Visto
Selo
oficial
Delírio
Vasto
Com
poesia
Carta de
alforria
Busco
certo
Nexo
Em tudo
No fundo
Nada é
Tão
Absoluto
Ocupo
Um copo
Com gin
E de
festim
Visto
Minhas
escolhas
Uma ânsia
De
estrada
Vasta
Manifesta
Através
das
Frestas
Que essa
dor
Liberta
[Poemas
do livro Delírios Atlânticos, inédito]