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Posfácio de Susana Paiva às imagens de Ozias Filho publicadas no livro Ar de Arestas

(com poemas de Iacyr Anderson Freitas). São Paulo: Escrituras Editora, 2013. Essas fotos foram

objeto de uma exposição no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, em Juiz de Fora/MG.

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De todas as qualidades da imagem fotográfica a que atualmente mais me fascina é a sua fragilidade, a sua capacidade de nos revelar universos com a consistência dos sonhos, e de os fixar na nossa memória coletiva, por mais negros que nos (a)pareçam.

 

Há na fotografia, como em todas as belas linguagens da arte, a fascinante possibilidade de materialização do imaginário dos seus criadores, essa transposição, aparentemente mágica e sensível, dos nossos mais profundos medos e desejos, numa imagética partilhável com os outros. Duane Michals, pródigo fotógrafo americano, cedo compreendeu que um dos poderes da fotografia reside na sua circularidade discursiva — falamos de nós aos outros para que estes nos devolvam a imagem de que nos alimentamos — e na sua intrínseca capacidade narrativa, nascida da sequenciação de múltiplas imagens que constituem as suas séries fotográficas.

 

No trabalho de Michals tudo é sensível e inerentemente frágil, tudo converge para uma fotografia que ao invés de tentar mimetizar o mundo parece ser feita à medida humana do seu criador, espelhando as suas angústias e dores.

 

No trabalho fotográfico de Ozias Filho há claros pontos de contato com essa fragilidade, tornada força, de que nos fala Michals nas suas imagens. Há tanto de O grito, de Munch nos rostos velados de Ozias Filho como no rosto, tornado máscara, da mãe de Duane Michals, em Letter to my father. Há tanto de dor nos corpos, adivinhados disformes, através das texturas das imagens de Ozias, como no corpo, primeiro perfeitamente desenhado e depois vaporizado — simbolizando a transição para a morte, da avó de Michals.

 

Michals e Ozias unidos por essa qualidade intrinsecamente humana — a capacidade de sofrimento e de sublimação da dor em imagens capazes de se inscrever no nosso imaginário, marcando a ferro e fogo a nossa memória. Michals e Ozias narradores de histórias imaginárias, tão verosímeis que fazem oscilar as nossas fronteiras da ficção.

 

Fiel a Fontcuberta, entendo hoje a fotografia como um território de criação ficcional, pleno de pequenas subtilezas que nos conduzem no embriagante labirinto da procura de uma inexistente verdade. E se necessidade de uma moral houvesse, faltaria dizer que as fotografias de Ozias Filho que aqui são publicadas, criando novas e inequívocas realidades perceptíveis, mais ocultam do que revelam. É essa, naturalmente, a sua maior força.

 

 

 

 

 

Susana Paiva (Moçambique, 1970). Fotógrafa de teatro desde 1990. Fundadora da plataforma The Portfolio Project, onde coordena um conjunto de atividades nas áreas da criação, produção e divulgação fotográfica. Coordenadora da revista eletrônica Flânerie e editora da Coleção Reflex, dedicada à publicação de ensaios sobre fotografia.

 

 

 

 
 
[ imagens do livro Ar de Arestas. São Paulo: Escrituras Editora, 2013 ]