*

 

 

se calvino vivo fosse

dividiria comigo o peso da mala

que carregamos

por entre canais e venezas e pontes de estanho

espingueladas no precipício

 

se fosse vivo italo calvino

nos vastos paços do grande cã

encontraria

minha chamada meu grito e canto

encontraria o nascer do dia que observo

pela janela

por entre as grades

nos grandes paços do grande cã em seu jardim

em suas tardes

 

estivesse calvino aqui

estivesse kublai, o cã

marco polo estivesse em si

nicolau e mafeu em sã

parceria e em consciência

fosse a noite de inverno, enfim

um lembrete a dizer de mim

viajante que se que foi

 

estivesse-me em palomar

vendo as fibras de uma maçã

amorando dificilmente

a viola a nascer na chã ou então

por sobre

os arbustos e galhos tudo

se erguesse no infinito

 

cavaleiro fendido grito

se calvino a mim pudesse

se calvino a mim tivesse

escrito

 

 

 

 

 

 

*

 

 

o mundo cairá

no pé de cada raio o mundo cairá

pisoteando bumbos trovões e tudo cairá

o mundo cairá cairá o céu cairão os impulsos elétricos da madrugada

a cortina de fumaça

no pé dos raios do vento inúmero do barulho

o mundo desabará em absurdo

 

 

 

 

 

 

*

 

 

tenho uma estrada no coração

y os pés

no coração a estrada se escarafuncha

pelos caminhos y sentidos pela vida

no meio do peito tenho a colina que ladrilha

as alvoradas

 

no peito, uma estrada

nos pés, uma estrada

 

 

 

 

 

 

*

 

 

quero te olhar de novo, antes de dormir

por nada, só porque sim

porque não faço ideia onde estarei

onde estarás

quando acordar quando acordarmos quando

sequer dormirmos

porque não faço ideia sobre nada

nada disso

quero te olhar de novo, antes de irmos

 

 

 

 

 

 

*

 

 

chegue!

ela disse não, não

ela disse chegue, exclamação

por minha conta e risco ela disse

chegue

ela disse

e eu pus o pé na estrada

e eu pus mochila às costa

e eu persegui estrela

e eu fui dançando a bossa e ela dizendo

chegue

e ela e eu chegando

e eu no caminho andando

e ela dizendo chegue

 

 

 

 

 

 

*

 

 

o mundo

u'a caixa suspensa no éter

vazio

 

o mundo

 

boneca

de louça

cerâmica

russa

 

boneca

matrúsca

 

e a gente rodando

sozinho

 

uns louco

na valsa

de burca

 

 

 

 

 

 

*

 

 

ela é mais bonita que a beleza

e se desdobra em uma noite como fazem os amantes

o orvalho as flores o constante rutilar da madrugada

ela é mais tranquila que a leveza

é alma do mar, doce e salgada no que leva e no que traz

é fortaleza de emissários e de aves

ela é mais séria que o tocar mais grave de um bordão

é a entrada de uma portão para a certeza

 

 

 

 

 

 

*

 

 

fazer dos poemas bolas de papel

tacar as bolas de papel de uns nos outros

fazer bullying com as bolas de papel

com os poemas

ser expulso da sala mandado pra diretoria

um poema todo dia apanha de cinta

por ter sido repreendido na escola

um poema

todo dia

 

 

 

 

 

 

*

 

 

eu te amo é uma estrela cadente

procurando pouso

esbarrando em gente acertando todo canto de entulho

maleita e sorte

uma estrela cadente se atirando à morte

 

 

 

 

 

 

*

 

 

tu é um pedaço da minha mente

eu te chamo imaginação, nesses dias

não te chamo inspiração, não te dou nomes nem esperanças

não deixo de olhar dentro de ti, nenhum momento em todo o tempo

desde acordar até o eterno

eu te chamo de imaginação e afagamento

de imagem venturada

de companhia pros meus pés já desgastados

que não param

tu é um pedaço da minha mente nesses dias quentes cheios de areia e sol

de mar de praia de corrida em volta do samba que costura o universo

tu é minha imaginação do avesso

 

 

 

 

[imagens ©yoakim bélanger]

 

 

 

 
 
Leandro Durazzo. Tradutor e escritor. Autor de terra húmyda (ficção, Ed. Patuá, 2014, no prelo) e Gestação de Orfeu: profecia e transcendência na poesia de Jorge de Lima (ensaio, Ed. Multifoco, 2013). Nesse momento, viaja traduzindo poesia latinoamericana ao português, a ser publicada em coletânea sob o título estrella errante: poesía traduzida de latinamérica (Ed. Medita, 2014-15). Escreve em mísera mesa e traduz em transcriação. [Dedica esses poemas, se de dedicação se trata, a juan gelman e maria luíza chacon.]