Em Passos partidos (2012), a poeta mineira Regina Mello sintetiza em versos instigantes a apresentação de duas posições aparentemente antagônicas — o determinismo e a liberdade incondicional: "condicionados/ a rótulos/ bulas/ guias/ mapas/ cadastros/ etiquetas/ manuais/ listas/ regras/ gráficos/ catálogos/ leis/ instruções.../ onde fica nossa liberdade de pensamento?". Regina Mello enumera uma série de indicadores que exemplificam manifestações da corrente determinista que tem como máxima o seguinte lema: tudo que existe tem uma causa. O mundo explicado pelo princípio do determinismo é o mundo da necessidade, e não o da liberdade. Necessário significa tudo aquilo que tem de ser e não pode deixar de ser. Nesse sentido, a necessidade é o oposto de contingência, que significa "o que pode ser de um jeito ou de outro".

O pressuposto do determinismo viabiliza o estabelecimento das leis, isto é, das normas organizacionais, capazes de sistematizar dados, informações e conhecimentos que auxiliam na explicação dos atos humanos como simples elos de uma cadeia causal universal. Acatando o viés determinista, a escolha livre se configura como mera ilusão. Contrapondo-se ao determinismo, o eu-poético luta pela expressão do livre-arbítrio, segundo o qual o sujeito tem o poder de escolher um ato ou não, independentemente das forças que o constrangem. Segundo essa perspectiva, ser livre é decidir e agir como se quer, sem qualquer determinação causal. Pela poética elaborada por Regina Mello, mesmo admitindo que tais forças existam, o ato livre pertence a uma esfera independente em que se perfaz a liberdade humana. Ser livre é, portanto, ser incausado.

Afinal, "o homem é livre ou é determinado?". A questão assim colocada gera um falso problema. Na verdade, o homem é determinado e é livre. É preciso considerar os dois pólos contraditórios, superando o materialismo mecanicista, segundo o qual o homem é determinado bem como a tese da liberdade incondicional. Segundo a concepção dialética, embora os pólos determinismo-liberdade se oponham, na verdade estão ligados. O indivíduo é um ser consciente, capaz de conhecer esses determinismos; tal conhecimento permitirá a ação transformadora que, a partir da consciência das causas (e não à revelia delas), pode construir um projeto de ação.

Regina Mello apresenta outro poema que revela muito bem a consciência do determinismo: "corro/avanço um obstáculo/continuo/e outro obstáculo/tento/e mais obstáculos/paro/penso/é só obstáculo/vivo obstáculo". A consciência que o sujeito tem das causas se transforma, por sua vez, em outra causa, capaz de alterar a ordem das coisas. Com isso, não se rompe o nexo causal, mas introduz-se uma outra causa — a consciência do determinismo — que transforma o sujeito em ser atuante, e não simples efeito passivo das causas que agem sobre ele.

Percebe-se, nos poemas em destaque, que a liberdade não é uma dádiva, algo que é dado, nem é um ponto de partida, mas é o resultado de uma árdua tarefa, alguma coisa que o homem deve conquistar. A liberdade não é a ausência de obstáculos, mas o desenvolvimento da capacidade de dominá-los e superá-los. Agindo assim, compreendemos a matemática mirabolante sugerida por Regina Mello, equacionando criativamente os impactos comportamentais provenientes do "sim" da liberdade e do "não" do determinismo. O "sim", além de expressão facilitadora de aceitabilidade, se coloca também como agente problematizador, ao elaborar recusas com aprendizados bem assimilados frente às lições trazidas por elas: "três nãos,/quatro sins/e três nãos/somando nãos,/são seis/somando sins,/são dez".

No auto-retrato, o eu-poético expresso por Regina Mello se manifesta como sujeito marcado tanto pelo determinismo (ilustrado pelo recipiente de contenção chamado "pote") como pela liberdade (sinalizada pela expansividade do rio). Eis os versos em questão: "sem tampa e sem tramela/sem porta e sem janela,/sou pote e sou rio/deságuo sobre o telhado de vidro/do olhar/jabuticaba". A poeta mineira, em seus versos, sabe expor que a humanidade do homem 'vem à luz' somente se ele arrisca a sua vida por causa do seu desejo humano. O sujeito deseja algo que vai além da realidade dada. Ora, a única coisa que vai além da realidade dada (determinismo) é o próprio desejo (liberdade).

Ousadamente, a voz poética de Regina Mello também sinaliza para a existência de uma manifestação humana de liberdade voltada para validar o Outro afetivamente: "a você/entorno todo o meu olhar líquido de saudade/e morro afogada no encontro do teu rosto à procura do meu/a você/entrego minha ressurreição/e humildemente agradeço a vida". O amor se torna uma afirmação, um ato de vontade, um desejo de viver entrelaçado, pois a autossuficiência não basta para atingir a felicidade. O que nos mobiliza é o princípio do prazer. Um reconhecimento próprio de estima mútua. A dedicação emotiva, ou o amor, refere-se àquele reconhecimento advindo das relações primárias, na medida em que elas consistam em ligações emotivas fortes entre poucas pessoas. O amor representa a primeira forma do reconhecimento recíproco, tornando possível a validação de si e do outro como "ser-si-mesmo-no-outro", conforme sentencia Axel Honneth, em Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais (2013). Ou, para ficarmos com a poética de Walter Queiroz, em sua canção Feijãozinho com torresmo (1972), imortalizada na voz de Maria Creuza: no amor, "eu quero nos teus braços ser eu mesmo".

 
 

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O livro: Regina Mello. Passos Partidos.

Belo Horizonte: Anome Livros, 2012, 96 págs.

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agosto, 2014
 

 

 

 
Marcos Fabrício Lopes da Silva. Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela UFMG.