CATFIGHT

 

 

Cá estamos nós novamente,
Esperança.
Sorrindo, frente a frente.
Sei bem quem você é
(a puta de vestido verde).
Sei teu método, teu preço,
Terei eu a manha, a grana?
Cá está tua libra de carne.
To bait fish withal, piranha.

 

 

 

 

 

 

TAO DA MADRUGADA

 

 

Pergunte ao fogo

O quanto dói queimar

O fôlego.

Pergunte ao sono

O que impede de vingar

O sonho.

Pergunte ao galho

Quão breve é o bálsamo

Do orvalho.

Pergunte ao espelho

Que horrores veem nessa imagem

Os outros olhos.

 

 

 

 

 

 

RENDA PORTUGUESA

 

 

Atávica, farejando a cria,
Experimentando os limites do abraço,
Desdenhando das leis do espaço,
Espaço-tempo.
É um espelho enfeitiçado,
Desce queimando, feito conhaque.

 

All souls but the livin' —
Os carros fazem fila
No cemitério.
Eu não sei onde você está,
Onde devo visitá-lo.
É sacrilégio
Te buscar na morte, na pedra
Fria
Quando o que vive ainda
É quente e respira?

 

 

 

 

 

 

RONDÓ

 

 

Um coração dado assim não pode ser recuperado sem estrago, não pode ser devolvido, mas que tormento é um coração dado assim. Vai precisar ser treinado de novo, feito filhote, vai dar trabalho.

 

 

 

 

 

 

ARTIFÍCIO

 

 

Híbrido planta-bicho,
Me misturo às algas
Procurando meu espaço
Nesse sargaço
De mágoas
Feridas tão velhas
Que viraram pérolas.

Eu me finjo de planta para fugir do animal
Da fome, do frio, da alma manifesta.
A raiz humana eu cubro com terra,
Sufoco o amor, o ódio bruto.
Viraram tubérculos, sustentam
O tronco, o galho que deita frutos.

 

 

 

 

 

 

EM CRISE

 

 

O fácil virou um fóssil.
Agora tudo dói & demora,
leva mais de uma hora.
Sou tigre indócil
Aviltado pelas grades,
Sonhando com um dentes-de-sabre
Que corre livre, que mata humanos.

 

 

 

 

 

 

CASO CLÍNICO

 

 

Essa solidão eu herdei de meu pai,
Mas ele já morreu.
Essa urgência herdei de um rapaz,
Que já me esqueceu
Pensando bem os dois se parecem
Electra chorando no escuro

 

 

 

 

 

 

O INFERNO

 

 

Você me mandou pro inferno sem uma palavra.
E eu fui. Sem uma palavra.
Para onde eu iria, diga? Já era meio caminho andado, e um amor jogado fora não é mesmo coisa do diabo?
Você me deu o inferno, então o inferno é meu.
E no inferno a gente nunca dorme — revira noite afora no calor sufocante. Não olhe pra trás que você vira sal, aqui o tempo tem seu tempo próprio, como as dores e os tédios. O inferno é meu e abro as janelas, convidando gente. O inferno é meu e você precisa pedir pra entrar.

 

 

 

 

 

 

MINGUANTE

 

 

A lua segue sua rota elíptica,
Alheia,
Madura de cheia,
Arrastando oceanos,
Regendo úteros.
Seu rastro poderoso
Marca meu rosto noite após noite.
Já não tenho vidas para dar
À sua luz pálida
Já não sangro ao ritmo
De sua procissão noturna.
Eu me tornei menos lua,
Menos espelho daquele brilho,
De seus sumiços.
Perdi a lua, perdi a luz, perdi o viço.

 

 

[imagem ©txema yeste] 

 

 

 

 

 
 
Marina Della Valle (1976) é tradutora e jornalista. Vive em São Paulo/SP.