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a língua portuguesa

a paz

o português

cê viu

o que que faz — já fez

refez

o paraíso

virou

burguês

 

a missão

dos irmão

com a cruz

na mão

na mente

não

travesti

— da de fêmea

assassina

suinamente

a jaci

 

o pudor

só esconde

a beleza

que a natureza

tratou

de existir

 

a fé

a língua

ensina

 

[que o o

do macho

domina]

 

e deturpa

a visão feminina

 

a ilusão

se confunde

ensina

 

a verdade

é saber ouvir

 

o poder

é macho

egoísta

que a alma

dispensa

arisca

 

daí ele brocha

 

toda tóxica

retórica

deixa o rei

nu

 

mas num confunda nessa historia

tanto os as

tanto os os

são disfarce

 

onde a alma

se encontra

não é noite

nem dia

 

nada disso nos move

o que surge

e nos guia

 

"não se põe

no real

se põe

na travessia"

 

 

 

 

 

 

Tempo V

 

 

Minas morreu em mim

Meu trato é feito sem papel

Contrato assinado nos olhos

Minha prece é feita sem padre

Com a pressa da vida que segue

Meu pranto é feito sem água

Cumprimento de obrigação mundana

Meu grito é feito sem som

As montanhas ecoam por mim

Minha volta é feita sem rumo

O caminho eu já me esqueci

Minas morreu em mim

 

 

 

 

 

 

A menina que aprendeu a voar

 

 

Sapecou um vinho

E foi ver seu destino

Em arranha-céus.

Saltou um por um,

Como se nenhum,

Fosse escarcéu.

 

 

 

 

 

 

As mina pira no curupira

 

 

Venho da mata, protegido por Curupira,

Em missão de paz, sou voz que ilumina

E sou iluminado pela voz que da rua ensina

Então bote fé no que vier do cumpadi, Zé!

O caipira é São Thomé

Mas tem a paciência de um monge do Tibet

Voadora de saci, pra acordar ao que não vi

O moderno pra elevar o homem, não subtrair

Tudo que consome, tudo que disforme

É mero informe de um tempo que vai ruir

 

Venho da mata, protegido por Curupira,

Em missão de paz, não de chacina

Se de repente te bateu aquela culpa,

Opa, não me venha com desculpa,

Aos cumpadi da cidade,

São milhões em processo de liberdade

Só olhar pra além da tela da novela,

Pra ver que o seu plinplin não é mais aquela primavera

 

É tempo de cultivar a sua própria vida

E não se avexe de ser bicho homi

Os erros que escrevemos é da mesma fonte que constrói

O avexe é não honrar ser o ser que pensa, mas apenas o que destrói

 

E quem agora escutar esse trato

Trate a paz com dedo em riste

Apontado pro seu próprio espelho

Não adianta enrubrecer seu moço,

O verde que cê fez vermelho

Já escancara na sua face e no meu cabelo

 

 

 

 

 

 

Aos Pés

 

 

Já morderam a isca

Sua luz, pisca-pisca

Não ilumina,

Só arrisca conservar uma conquista

Que nem sua é

 

Já perderam a vista

Desde que se cobiça

Rezar toda a missa

Sem praticar a "liça"

De olhar quem se é

 

Já deitaram e rolaram

Mas palhaço que se preze

Rompe o cerco do cordão

Pede aos pés da Conceição

Que o perdão pro nosso povo

Venha do 'arto' do morro

Na estrela que anuncia

Novo mundo, novo amor

 

 

 

 

Reles régio

 

 

Acorde... amigo... acorde

O soberano foi jogado a lama

Junto com a grana e seus deuses irados

Somos senhores do nada

Nessa terra de ninguém

 

Somos barro nesses dias

Em que o caboclo inconformado

Larga a enxada pelo lavrado

Pra chorar com a viola

Por não saber vencer a escória

 

Se há violência nos olhos

O ato vem antes do mito

No espaço entre os átomos

"Eu somos" o infinito

 

A terra sofre

Quando se suja a poesia

Há muito tempo não se vê o pescador

Indagando porque foi embora seu amor

 

A terra dá

A terra tem dó

Do rei que nasceu em nós

 

 

 

 

 

 

O Trem Moderno

 

 

Misturam-se as bagagens, saudades que ainda virão

E as muitas promessas jogadas na pressa de se despedir

Vagões carregam, lotados, remessas de um mundo que protegi

O trilho me leva aos tronos que construí e que meu ego tratou de ruir

 

Quando não mais for cego

Verá a serpente do vale,

Guardando com o zelo dos anos

Livre dos enganos que ousamos fingir

 

Ouço pios de um homem

Bicando a grade, querendo voar

Procuro o bem desse homem

O guia que o leva ao vento

No conhecimento

Sairemos vivo nesse novo tempo

 

Há um mundo novo por aí

Já sabe quem está vivendo

"Muntado" nas costas do vento

Rumando o seu rumo lento

Destoa do que está morrendo

Parado, sufoca o vento

Correndo, atropela a si

 

 

 

 

 

 

Vale a pena ver de novo?

 

 

(É pra sair do ovo, heim?)

Ouço pios de uma geração

Bicando as grades, querendo voar

 

Ouça o que ensinaram

Ouça o que escutaram

Ouça o que sabotaram

Ouça o que disponibilizaram

 

Aqui na terra, muito contamina sua mente

Toxicamente, classe que se acha inteligente,

Acha que o sem terra é o que emperra o Brasil de ir pra frente

Mas não me surpreende

De repente tanto morto vivo por aí,

Como filme de zoombie,

Devorando hectares,

"Trans" formando a certeza que o santo é do pau oco,

Que esse mundo é muito louco

E o que paga de bom moço é o poço desse fundo

Mas o espírito sempre funga o cangote

Delatando o seu norte,

Foco nos olhares.

Tô cansado desse filme que o cenário não é novo,

Sempre a casca de ovo,

Em que sou dublado, mal interpretado,

Seguindo um enredo enlatado

VALE A PENA VER DENOVO?

 

Voadora de saci, pra acordar o que não vi

O moderno para elevar, não para subtrair

Só a ponta do cartel,

vem com um tanto de promessa que progresso é o caminho

Mas já caiu o teu véu

Eu não tiro o chapéu,

Vou preferir o verde,

que tem o gosto de mel,

Pra destruir o anel,

Só estar com os meus

chegados, discos e livros

Mais um Zé achando o céu...

 

Sigo dissecando o meu parco vocabulário,

Tipo Badan Palhares,

Incidente em Antares,

Que vem incendiário como um vírus de PC,

o que faria?

Sobre a mira de um sistema que nunca sacia?

O que fará?

Se sua vontade vazia misturada a azia não te deixa pensar...

O que plantamos, colhemos...

Não dá mais pra fugir, oremos?

Aqui na terra muito contamina sua mente e de repente

É frente a frente com a morte

Boa sorte. Pra mim já deu.

 

 

 

 

 

 

II ou XVI?

 

 

de santo,

nem tanto.

ou melhor,

nada.

viva a picada de fumo,

a luz do puteiro,

a falta de prumo.

viva a vida sem rumo.

e olha que isso é de tanto ver santo.

encheu!

prefiro encher a cara

a esperar por milagre.

haja saco!

o saco cresce

cheio de moedinhas.

o sino chama à missa.

rezo pra que minha cova não seja rasa,

ou não me queimem na santa inquisição

com aguarrás.

 

 

 

 

 

 

MATUTO MODERNO

 

 

Vende-se alegria nos guetos,

É de boa...

o mano é mano, humano que nem nós

A voz que saliva por baixo dos panos

É mero engano, que se apaga veloz

O tempo é outro, quem manda é a voz

Que queima no pé do indivíduo

Que levanta e vê que o perigo não é o mendigo

É o cara falido de princípios, ideias e nós

 

Troca-se liberdade no mato,

É tranqüilo...

Cumpadi é cumpadi, mutirão pra enfrentar os sóis

A ordem que parte de algum leviano

É puro desmando, que num se ademora de ir

O tempo é o mesmo, o silêncio é a foz

Que brisa no calo do erro

Que ergue e enfrenta o medo

É matuto benzido de princípios, ideias e nós

 

 

 

 

 

 

Ensaio sobre a impermanência

 

 

Segue-me com os olhos

Que eu te cego também.

 

 

 

 

 

 

Trato a Paz

 

 

É preciso falar das montanhas, pois são elas que guardam o nosso valor

Pacientes, nos assistem mudos, esperando nossos olhos captarem os desmandos

Os valentes estão aí, sentados, calados, sedados

Que brote no rubro da face

O enlace que perdemos com a harmonia da vida

 

Trato a paz com o tambor                

Tanta dor, tanta dor

 

Trato a paz pelo som                          

Pelo amor, pelo amor de deus

E dessa serra que entrega sua filha

Sua cria, sua via natural

 

Trato a paz pela palma                       

Pau madeira, pau, madeireira

 

Rio virou represa                                

Virou riqueza

Virou empresa

 

Ninguém viu, ninguém vivo                 

 

Trato a paz com dedo em riste

Apontado em desaforo pra sua cara

Não adianta enrubrecer seu moço,

O verde que cê fez vermelho

Já escancara na sua face...

 

Quem agora ouve esse trato

E desaforado romper o contrato

Relato que o futuro é só consequência de todo passado

Enfeitiçado está pelo brilho falso da gana dos dias

Que se enfeita pra te sugar a vida...

A vida, meu amigo!

 

 

 

 

 

[imagem ©cleber pavão]

 

 

 
 
Thiago Hausner de Macêdo (28/8/1984). Sul mineiro da grande Pedralva, nascido em Itajubá, mestre em História Social pela PUC-SP, autor dos livros Ivan Viola — memórias de um violeiro e Sá, Rodrix & Guarabyra — os parceiros da música bonita. Caipira pop com tendência a pomba gira. Poeta de trincheira. Feira livre da nova era. Traduzindo pro caipirês versos da Babilônia.