APENAS UM ECO
Ao cabo de um
Lavor.
Não nos livraremos de deus.
Do sinal das carnes mortas, a promiscuidade
Na luz sólida hialina;
Fervendo no sangue, a música réproba brotada do punhal.
O tarso deslocado na fronte
Como um volume de flor e letra.
Ali, à sombra branca cediça, a coragem é uma espuma
Singular e parada
Com a pólvora e a perturbação do fotograma.
A sanha do poema que logo escapa,
Arrostando o despudor
Do último suor — ainda assim não há pulso.
Mas é preciso sulcar o tronco convertido.
O inverno encorajando a vivisseção:
Deus está silente, contudo o vitral como um peito empalma
A fibra e jamais se assumirá que há apenas um eco. Sempiternamente.
E então se diz a lágrima, faz-se um convite, recolhem-se os
Restos.
O sinal furta-cor das carnes mortas nas lentes
Como um occipício quebrado;
A saturação comove.
A viuvez nos bolsos da tosse. Os bancos vazios
Como que se solviam
Com o sino por cima e um riso gris.
Há um cachorro bonito
E quando pensamos que ele é já um contorno,
Nada mais que um contorno,
Cobrimos com as mesmas patas nossa única face de sepultura.
Ainda acreditamos na gramática.
Com o peso do início virá o aplauso, a súplica,
O entendimento —
Ainda assim não haverá pulso.
UM CÍRCULO
O cheiro pesado do ventrículo na pedra e
Morrer era dizer
A cor que passava entretecida de —
Duramente — vincos nos nomes,
Da ablução e óleos nas plumas às verdades comburentes
Na eclosão do ventre;
Nesta refração,
Um modo de número tênue eletrificado concavamente;
E erigia-se um círculo.
É das mãos parturientes o mistério; mas um brando,
Morto no meio,
Um arcano desentranhado sempre e paliativamente,
Que não arremete.
Morrer era uma pluma e o cheiro dos vincos.
Um modo de filho e fibra nos lugares,
Viver era satisfazer uma diurese e um círculo.
A face canhestra do solo,
Um lóbulo na claridade rara dizia o nome das mãos,
Uma interrogação ardia nos bicos —
Eram um orgasmo e uma ablactação os olhos concavamente.
Língua e lã por sobre as letras deitadas onde.
Urdir o pulso quando se não caminha mais,
Lavrar o caminho quando se não pulsa mais?
É do poema parturiente:
O poeta
Desmaia o vermelho
E constrói de vida e vidro um pássaro na fronte, bem miserável,
E um suicídio leve e amadeirado dia após dia,
Até ao finalmente solo.
E constrói de impasse um sol, mas um brando, morto no meio,
Um nove azul por sobre o automaticamente réquiem, Covardemente.
DEMASIADAMENTE O MUNDO
Eu era a ave fantasmática
Por cima de Zagreb e de Bucareste,
O peixe bruto no ventre de Artêmis,
O medo, a peste — quer dizer, o látex transcendental
Das frutas lavradas
Nas inesgotáveis mãos aracnídeas do cristal e do cancro —
Eu era o cervo heráldico no frio sólido da História ou
A luz hiperbórea na boca mefítica de Ares;
E o meu corpo jazia em algum lugar remoto da Moldávia
Sob o aroma ósseo do monolítico mar Negro;
Meus olhos aglutinavam a chuva e o tigre por cima
Da vetustez e da empáfia da Anatólia, onde nada acontece,
Como se pode ver na película sem nome;
Meu umbigo estendia-se
Do Bósforo a Lisboa
Qual um olho marrom de cão ou puta;
O mar Egeu elaborava o fermento cardíaco
No busto subliminar —
E o pavor subia em forma de uma menorá decaída e vazia,
Batido pelo grunhido ingente do tilacino
E pela tauromaquia cinzenta na Ibéria imemorial.
Eu era a ave fantasmática
Que refulgia em ambos os olhos de Camões,
Que girava frenética na nuca de Pessoa,
Eu era o sonho felino
Nas inesgotáveis mãos aracnídeas de Lorca,
No silêncio vulcânico
De T. S. Eliot despenhado no Mar do Norte,
Eu era o peixe sanguíneo no ventre de Clarice,
O medo, a peste — quer dizer, a omoplata transcendental
Nas frutas lavradas, que se estendia de Kiev a Itabira —,
A taxidermia célere nas entranhas do Atlântico,
As mil faces irrefreáveis de Max von Sydow
Em um corisco esquipático que engolfava em sonho
Todos os úteros mendicantes
Na porção de espaço que ia de Estocolmo até o Rio de Janeiro;
Eu era cada campanário erigido em êxtase bélico —
Apolo diurético, sempiterna e irrevogavelmente amputado —,
No púbis emasculado e horrendo do Ocidente,
O esquecimento hediondo dos arcanos asiáticos,
Do karaokê voraz das raposas e dos sapos,
Um grito mestiço no veludo recôndito das Américas;
Eu era a barriga cósmica adormecida do tapir,
A abelha alfabética no copo de água do engenheiro,
Um punhado de cinzas lançado no Mar Argentino.
Eu era a ave fantasmática
Feita dessa matéria pura que Drummond não soube figurar,
Dos sonhos uterinos, dos sonhos
De pelúcia metafísica no arrebol felino —
Eu covardemente dizia sim pela manhã afora
E solvia a pedra transfiguradora da vida.
Eu dizia sim e erigia o mundo. Demasiadamente o mundo.
BUSTO É O LUGAR ONDE SE ENTERRA UM CADÁVER
A alva carnificina no busto é
A iniciação total; voz de cavalo
Cantando a geometria desoladora,
Isto é, férreo regresso, e combusto.
E eu ígneo te chamo mãe. Com a boca cheia
De sangue, tu me ensinas um regresso
Hialino e truculento. O hierofante,
Tu ordenas que levante o ancião bem alto
E que morra sereno nos elétricos
Braços do pai. O medo reluz qual
Um gástrico besouro, um cadáver.
E a alva carnificina no busto é
Um espelho somente, ou a cabeça
Divina na canção sombria do equídeo.
A vida é uma imensurável vaidade
Pênis cristalográfico contra o hímen da maçã nos ouvidos porque o mundo é um crânio podre por sobre o meu sempre meu pescoço de vidro anátema mesmo que teus olhos se abismem a esmo na idade ardente do arrebol porque tudo o que existe é triturado pelo poema fecal recrudescendo sempiterno no núcleo cárneo da estrela extrema que funde os sexos posto que viver seja uma falácia exemplar e incessante tal qual um anjo que grita dentro no pulmão felino do fogo e se compraz em abrir a supernova no mijo de um travesti hierático enforcado no próprio intestino grosso uma vez que a bicicleta apocalíptica do verbo erige as paisagens barbitúricas que sobem das omoplatas às nádegas do tempo já que obviamente a vigília dos abutres mastiga os passos perdidos e não deve ser confundida jamais com as latrinas elétricas dos sonhos molhados.
BOI DORMINDO
Campa, vagido, veleidade.
Certa vez a cara preta da mãe perfez um círculo longínquo
Como aclarasse um urutau nas falanges absurdas do grito,
Porque um homem que eleva o coração
Apenas devora as casas mais suspensas,
Ao passo que o pai, no brejo das cabeças, sara os sabres
E cura os cedros fincados nos seios do tempo.
Porque um homem que eleva o hálux é apenas um pai
Apodrecendo no sangue oco dos outonos,
Pois a saracura-do-brejo alcança a memória ofídica nos outeiros,
Ou, quando o nome corrompe a pedra, a saracura-três-potes
Fixa uma lágrima no panorama da marcenaria calva.
Com a alva, certa vez, veio uma mulher de água alta
E cintura renitente, e com voz rutilante
Dispôs por sobre a terra três potes:
Em um, depositou as veias da lua; em outro, o mênstruo
Da vaca. Quando o pai, despenhado nas brancas bronquites,
Elevou os lábios do menino imemorial, soube-se que
Um metal muito baixo se desfizera no país das pitangas,
Na cara preta do boi, com as jabuticabas descendo.
Porque o homem que cria o instrumento devora apenas
As mães vermelhas, as fêmeas vermelhas que sobem
Do pescoço ao campanário. Campa, vagido, vagina —
Soube-se que o mar é uma mentira, uma menina.
As crianças perguntavam se o mar é um círculo longínquo,
E a mãe respondia que só o pai pode elevar o fogo e as amoras.
Certa vez um curiango cantou os sabres, os cortes e as sortes:
A noite enlouqueceu então, e o urutau era o pai das crianças.
O curiango, os telhados, o terreiro.
Certa vez um homem morreu dentro em um menino, mais fino
Que o sino que soa na loa da garoa magneticamente —
E as crianças perguntavam
Se um menino que morre dentro em um homem é nume ou lume.
Fanfarra
A cimitarra penetra
A terra no sonho — sangue —
E acirra o anseio de término,
De desforra contra um sonho
Que urra, tigre tornado
Nada. O corte sussurra
Dentro — e que assim escorra
O homem, a palavra e a mirra
Pela igual boca que berra —;
Mênstruo. (Finde-se a fanfarra.)
MÁQUINA II
Como eu te poderia ser útil?
Angst vor etwas.
Assassínio: isto é o sonho primordial.
O sonho.
A voz
É um maquinismo
Ou uma cidade — é indiferente.
Já se está; toda busca resulta improfícua.
O estômago do sol:
(Conundrum. Nun, drum.)
Conúbio.
Eu que. Eu que ria.
Eu queria dizer: a integridade,
Isto é impossível.
Cadela: o rosto e o torso recobertos de laca.
Espostejar a carne do nome:
Já que lá cã —
Um homem,
Isto não é outra coisa senão
Um significante.
O corpo aberto
Implora figuração,
Já quer. (Quididade.) La Caïn —
Omem:
Isto não; é outra coisa: senão.
Insignificante,
Um homem,
Uma imagem perfeita
No espelho aberto.
Teu corpo aberto
É o meu desejo de ser lido — ele
Queria dizer.
Um homem, um significante.
As cãs dizem: a morte.
Um homem: insignificante.
Já que lá cantam:
Lacking bodies.
Eu gostaria de dizer:
A vida é um pequeno exagero.
¡Jaque! La cantidad —
E ler uma máquina.
Mas a máquina pode ler?
A porta emperrada.
Perra.
Errada.
Toda busca resulta improfícua —
Qualquer lugar, um lugar, o estômago do sol.
Teu corpo aberto é o meu desejo
De ser máquina
Ou porta.
Amar a máquina. Ser-te útil,
Com a boca cheia de petróleo.
SACRIFÍCIO
Sob o langor desta lâmina,
Pão é o nome da pedra
Suspensa na carne aérea,
Fundo fungo que medra,
No pífio occipício réprobo,
A refulgente imagem argêntea
Da estátua que caminha
Minguante por entre as gentes —
E os mares se avêm com as
Cabeças deslavadas sem outra
Luz nos olhos, para que, cegos,
Os cavalos vinguem a fruta.
[imagens
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