noturno
o rio que molhava
meus pés trazia de
longe a memória acre
das árvores os sonhos
íntimos das
pedras
transbordava a vastidão
das areias
ancestrais
o rio que atravessava
meu corpo levava
pra longe a angústia
muda dos peixes o vigor
das
matas
saciava os desejos
das margens
desmedidas
o rio da minha
meninice revolve se
na lama escura sufoca
na aridez mineral
o rio da minha
vida arrasta a
morte para todos
os lados agoniza
a terra
o horizonte
a esperança
cerrado
o remoer escuro
da noite povoa este
silêncio indiferente
o rumor das ondas
aproxima o mar deste
vazio
sombras caladas infiltram se
pelas grandes janelas
fechadas
impassível o corpo
assiste espalharem se
as dores
um homem desce
a rua olha o tempo
todo pra
baixo
houvesse algo a
encontrar talvez
olhasse em
mim
solidão
um rio que não
se cruza mais
uma aurora
indecifrável
uma noite sem
eco um
horizonte
que se
nega
tardes incontornáveis
ventos sem direção
um poema que
se
repete
desalinho
o que me afasta este
areal invencível que range
sob o sol
desassossegado
a linha azul
indecifrável este horizonte
enfadonho
o rugir do vendaval
outonal o silêncio das escassas
aves o que me
distancia as
águas deste mar
inumerável
aurora
meus
olhos descobrem indícios
enluarados na
manhã
uma brecha morna
de luz inventa
memórias inadiáveis de teu
corpo
minhas mãos surpreendem
alvuras nas
sombras íngremes
de tuas pernas
na janela o sol
inflama teu pescoço
vulnerável em meus
lábios
o dia espreita
o encontro de nossos
abismos a rendição
de nossos
tremores
dorme em mim
o sabor do teu
cio
jabuticabeiras
para Júlia
soberanas na claridade
dos dias indiferentes
à serventia das nuvens
ao rumor
das cachoeiras
debruçadas sobre as corredeiras
indiferentes ao rumo
das águas à austeridade
das pedras
cingidas ao silêncio
dos quintais indiferentes
ao fado das horas confiam
troncos folhas frutas
aos sorrisos
das meninices
verbo
chama-se mar a líquida
imensidão de teus
olhos sol a
incandescência de tua
voz nos
meus
vazios
chama-se brisa a carícia
branda de tua
boca fogo a
ardência de teu
corpo longe
do
meu
ignoro o nome desta ausência
que me preenche os dias
promessa
o desejo inaugura a
manhã ensaia nos
cachos dos cabelos
soltos
aconchega se nas
sinuosidades do
corpo irradia se tarde
afora
circunda os olhos adentra
abismos arromba
impossibilidades atropela
se
e tomba sobre si
mesmo
bordas
o poema que
procurava escreveu
se inteiro nas suas
costas na
agonia da sua
boca
nos largos ombros da
noite no cheiro dos seus
atormentados
vãos enquanto
sussurrava em seus
olhos abria suas
pernas
desenhou se na
lua abandonada entre
as estrelas perdidas no
silêncio miúdo do seu
choro
e descobriu
horizontes onde antes
precipícios
infiel
no meio da noite fulgura
inteiro o sol
no teu
corpo
não há lua
que perdoe tamanho
desejo
furtivo
testamento
se eu fosse
morrer escolheria um
dia de chuva
fina e céu
claro
e uma varanda aberta
pro poente
andaria o dia
inteiro num caminho
de terra fresca iluminado
pelo sol que se
comprime entre as árvores
se eu tivesse que
morrer andaria toda
a noite num caminho
banhado de
rio escolheria
uma árvore de tronco
robusto e abundante
copa
e me deitaria
no seu abrigo úmido
junto de meus cães
encoberto
decerto eram felizes
aquelas casas brancas
e azuis de janelas
aos pares por onde
entram manhãs e altas
montanhas
eram felizes aqueles
quintais com meninos
pelados correndo
atrás de galinhas
decerto eram felizes
aquelas casas pequenas
que se espalham
entre árvores sobem
nos morros atrás
dos animais
felizes aquelas águas
que fartam os cães
e fazem verdes
os horizontes
decerto eram felizes
aquelas casas acesas
onde queima o fogo
das tardes frias
aqueles homens crus
de pele puída
que trabalham sol
a sol
e apenas esperam
a noite chegar
dezembro, 2015
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