Poesia mineira
Eu só quero
Um dedinho
De prosa.
Inútil unção dos enfermos
O poeta não vai para o Céu
Já cometeu todos os
Pecados capitais
E mais uns
Que ele inventou
Não espere a correção do poeta
O poeta é torto, empenado
E, de verdade
Nunca obedece a ninguém
Jogue água benta no poeta
E verá
Onde há fumaça
E fogo.
Prozac é na farmácia
Enquanto eu me preocupava
Com as palavras amenas
Para impedir os suicidas
Minha poesia
Se jogava da escada.
Entrevista com a cafetina
Para brincar de messalina
Já passei da idade
Cato minhas meninas
E dirijo ao vigor da
Experiência
Hora de vestir
Vestir
Hora de tirar
Tirar
(O carinho nas
Palavras
Tem que ter
Medida)
Se o cliente gosta
Se deve mesmo à
Firmeza
Ou sai um poema frouxo.
Pântano
A minha casa está vazia
O lar se apagou
Anteontem
Como dizem os da Grécia
E os das Minas
Antigas
Ninguém ganha a poesia
À toa
É aquele sinal na testa
Com que você sai
Na rua
Se acham aquele objeto
Caro
Precisam ver o que é viver
Com essa coisa
Que não se vende
Por dentro o poeta é verde
Musgo
Dele escorrem algas
Se reparar bem
São úmidos
Não chame um para a sua
Casa
Verá que eles molham
Os tapetes.
João
Quando eu cheguei na boca
Da baía banguela
E vi o cheiro
Dos peixes mortos
Eu anunciei o fim da vida
Enquanto um enorme
Gafanhoto
Parado no ar procurava
O autor da bala perdida
Encontrada no corpo do
Pequenino
Vendedor de biscoito de
Polvilho
Tudo isso eu vi
E cheirei
E uma placa dizia
Linha Vermelha em letras
Pretas
Uma multidão se ajuntava
Na praia
Onde fungos descontrolados
Comiam células
Sob a bola de fogo
Chorei
Porque poetas não ficam em riste
Feito os profetas
E tombam ante o fim do mundo
E choram.
Acima da manada
O poeta sobe no
Monte das Oliveiras
Quer silêncio e
Não tem discípulos
(Se os tivesse
Decerto
Subiria mais vezes)
Ainda há oliveiras no Monte
Mas o bom azeite foi só o
Extra virgem
O resto é como este
Poeta:
Últimas prensas
É com este óleo que desce
Na ilusão de ainda
Ungir as testas.
E é por isso que os vivos dormem
Escrever sobre o silêncio
Esse incômodo torniquete na garganta
O poeta que agora só consegue
Pensar sobre
Os cães que latem
Espaçados mas por todo o breu
Intacto
Acordarem-me a manhã
Antes mesmo de amanhecer
A impressão de que sequer nasci
E a de que os cães latem
Atrapalhando o ensaio
Porque ao contrário do que pensamos
Os cães são muito mais sábios
Do que os gatos
Que se arrepiam e fogem
Quando avistam fantasmas
Os cães enfileiram-se nas grades
Dos portões
Avisam (e dói)
Que nunca estrearemos.
Luta antimanicomial
Fechado o manicômio
Mandaram-na morar
Comigo
(é poeta)
Brigo com ela
Todos os dias
(louca nua pela rua).
Vaca ritmada
O poeta não ganhará o pão
Estornado desta pedra
E o leite desta pedra
Será o maná do poeta
Decerto uma vaca gorda
Uma vaca magra
Decerto tetas murchas
Tetas fartas
A depender da fome
De quem olha.
Distração
O mundo e seus assuntos
Mundanos
A beleza da xícara trincada
Ficando despercebida
Entre os gritos dos socos
Na mesa
Todos resolveram parar
O trabalho e os dias
Para gritar
Truco!
Ganha quem engana melhor
Ganha a perspicácia
O poeta perdendo
Palavras como
Acácia
Uma feiura de implorar
Música
A Beleza (coitada)
Desarrumadinha
Do lado
Esperando vez.
Nua
Poesia, meu cansaço tu
Carregas e causas
Não tenho as nuvens de
Calças
Nem a calma para olhar as
Vidas bestas
Das janelas
Não
Ninguém trouxe meu peixe
Para o jantar
Menos ainda
Levantou-me a saia
Na cozinha
Meu lirismo não é comedido
Nem é lirismo!
Quando eu nasci
Faltou Malaquias
Torto nenhum
Não tinha anjo
Nem pai
Era como hoje
Eu e eu
O berro que eu dei
Eras tu
Poesia.
junho, 2015
Adriane Garcia. (Belo Horizonte/MG, 1973). Poeta, historiadora, funcionária pública, arte-educadora, atriz. Escreve poesia, infantojuvenis, contos e dramaturgia. Foi a vencedora do Prêmio Paraná de Literatura 2013 (Prêmio Helena Kolody, poesia) com o livro Fábulas para Adulto Perder o Sono, publicado em 2014 (edição da Biblioteca do Paraná). Publicou também O Nome do Mundo (Armazém da Cultura, 2014).
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