Prólogo
Me urgiu fazer
poemas dessa geração
com o poder das imagens
de estilo já gasto,
ao contrário das metáforas.
Fazer, da ilha do poeta,
de edição de estrofes
rápidas.
Quem sabe um clipe ou música
no papel-banda-larga,
efeitos curiosos talvez humor.
Enfim, clamou-se a mim
tal batimento difuso,
o novo de novo,
de novo o novo.
Qual será a semente de hoje?
Que galinha dará ovos de ouro?
Vejo um mundo que é de paradoxos, relativismos,
mas toda interpretação já envelheceu.
Talvez por isso tal impulso me tenha nascido
enquanto eu lia um cânone no trânsito engarrafado,
e me engravidava a poesia.
Nada grave,
só mais uma obra,
só mais um veículo,
só mais uma via.
Não grave nada,
só mais um poema,
só mais um poeta,
só mais um dia.
O peota
Eu tenho escrito peomas,
debruçado-me em porsas
e parcas cançeõs
alheias;
tenho buscado o torto, o novo,
o alterado
desses sentimentos
iguais;
tenho encontrado no erro
outro efeito:
um certo
prazer em conhecê-lo.
Mas sigo o mesmo
poeta, peota, cantor
que-versa-o-riso-revela-a-dor,
que-rima-o-lido-rumina-o.
No meu pé
pisa pisa pisa
que eu danço com você em cima
uma valsa
mas calma
não me segure pela alça
ou cai a calça
dança
comigo, sem tocar o chão
como criança
que a música
se acaba eu faço outra
e canto
agora um tango, um tango
que a deixe solta
e puxe eu então a sua roupa
Diálogo e narrativa (ou A história de uma catarse)
Estava eu pensando
nos sinais do cosmos
como um louco, como um
megalômano,
quando senti que já ia
— se a tarde em fuga:
covarde crepúsculo
abrindo-me o corpo e a cidade
ao redor do instante
em que (nunca e como antes)
eu me sinto no rumo
certo, embora não saiba
(e talvez até por isso)
onde chego no fim!
— exclamei ao transeunte
desavisado e inconsequente
que me interrompia a perguntar
as horas em vão.
Espirituoso & clássico
subestimando-me o espírito
e a ordem dos fatores
pensou que minh'alma
fosse alminha
De época
Eu poderia tornar drama
épico o meu passado,
tão simples e prosaico,
tão contemporâneo.
Eu poderia erguer pirâmides egípcias
de complexos de Édipo, palavras
à sombra do império paterno,
dourar o meu caderno.
Mas meu cotidiano foi mais
humano, e não menos
poético por isso:
ser mundano hoje é mais propício.
Produção independente
euvou
terqueser
muitobom
praalguém
lermeou
verme
Um possível último alexandrino
O farfalhar do ego em dúvida constrange
o estômago — chamado alma ou coração.
E o sentimento, carvão corado, se abrange
e nos fazemos, vemos, lemos emoção.
São esses lemes entre o somos e o queremos,
suaves sopros em velas ou frágeis flâmulas,
que luzem fardo e vias sobre o que não temos,
onde as auroras frias e as noites sonâmbulas.
Assim, fora toda metáfora, que nata
desfaz a natureza em sua destragédia,
o mais é um certo tipo de nada repleto.
E nós um certo tipo repleto de nada,
mistificando agoras e enciclopédias
sobre o que foi. Sobra o que sou de indireto.
Menino n'ovo
O mundo é um ovo, menino
Mas não porque seja pequeno
O mundo é um ovo, menino
E nem porque estejamos chocados
Mas o mundo, menino, é um ovo
A despeito das novidades que gera
(E como a barriga da sua mãe)
Esse mundo, ou ovo, menino
Tão branco e amarelo quanto azul
Guarda esconde brota
O futuro, menino, o futuro-menino
Meu seu nosso, do seu
Pai, eu, ou da sua mãe
Cuja barriga, menino, é um ovo
Não que seja oval seu formato
(ainda) ou pequenino (o é)
É um ovo porque a gente o quer
Assim, como é novo, ou parte
Da vida gente povo
Numa forma de poema ou arte
Do que se quer e quis e fez e é
Um ovo, menino, bem ovo
Ovinho ovão ovaço ovo-ovo
Porque daqui, menino, desde já
Nasceremos todos.
Bosques de Palermo
a moça caminha
em meio as árvores
da praça próxima
ao centro
da cidade
ao redor dela
seus pensamentos:
os meus.
Las Ruinas
São boas as ruínas,
nos dão certezas
também evanescentes:
há lua muito antes
do sol poente.
Epílogo
Por agora vou desistindo
de pertencer à geração,
de lecionar antigas réguas
e de muita pretensão.
São como malas
atiradas de um balão,
em que agora me avisto
e que — uma vez nu — o visto
a voar por onde o são
(ou ainda serão)
salas... de estar,
valas... do errar,
cortes, tombos e talas,
desejos e outras estrelas.
Até onde não atinei. Cantá-las!
Mas me sei mais leve, as entoo.
E quero mesmo é algo que me carregue
à margem de outra viagem
sem ancoragem desde já necessária,
mas de beleza, beleza sim, e forma vária,
ou algo dessa natureza.
junho, 2015
Leandro Jardim é escritor de poesia, prosa e letra de canção. Seus livros mais recentes são Peomas (poesia, Oito e Meio, 2014) e Rubores (contos, Oito e Meio, 2012). Possui contos publicados em antologias como Para Copacabana, com amor (Oito e meio, 2013) e Porto do Rio — do início ao fim (Rovelle, 2012). Em parceria com Rafael Gryner, lançou dois EP's de canções: O Sonhador (2014) e Sementes musicais para um mundo cibernético (2011). Também possui parcerias musicais com compositores como Diogo Cadaval (banda Mocambo), Clara Valente e Matheus Von Kruger. Mantém o blogleandrojardim.blogspot.com, onde estão disponíveis links para esses e outros trabalhos.
Mais Leandro Jardim na Germina
> Poesia