©natalia baras

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Prólogo

 

 

Me urgiu fazer

poemas dessa geração

com o poder das imagens

de estilo já gasto,

ao contrário das metáforas.

 

Fazer, da ilha do poeta,

de edição de estrofes

rápidas.

 

Quem sabe um clipe ou música

no papel-banda-larga,

efeitos curiosos talvez humor.

 

Enfim, clamou-se a mim

tal batimento difuso,

o novo de novo,

de novo o novo.

Qual será a semente de hoje?

Que galinha dará ovos de ouro?

 

Vejo um mundo que é de paradoxos, relativismos,

mas toda interpretação já envelheceu.

Talvez por isso tal impulso me tenha nascido

enquanto eu lia um cânone no trânsito engarrafado,

e me engravidava a poesia.

 

Nada grave,

só mais uma obra,

só mais um veículo,

só mais uma via.

 

Não grave nada,

só mais um poema,

só mais um poeta,

só mais um dia.

 

 

 

 

 

 

O peota

 

 

Eu tenho escrito peomas,

debruçado-me em porsas

e parcas cançeõs

alheias;

 

tenho buscado o torto, o novo,

o alterado

desses sentimentos

iguais;

 

tenho encontrado no erro

outro efeito:

um certo

prazer em conhecê-lo.

 

Mas sigo o mesmo

poeta, peota, cantor

que-versa-o-riso-revela-a-dor,

que-rima-o-lido-rumina-o.

 

 

 

 

 

 

No meu pé 

 

 

pisa pisa pisa

que eu danço com você em cima

uma valsa

 

mas calma

não me segure pela alça

ou cai a calça

 

dança

comigo, sem tocar o chão

como criança

 

que a música

se acaba eu faço outra

e canto

 

agora um tango, um tango

que a deixe solta

e puxe eu então a sua roupa

 

 

 

 

 

 

Diálogo e narrativa (ou A história de uma catarse) 

 

 

Estava eu pensando

nos sinais do cosmos

como um louco, como um

megalômano,

quando senti que já ia

 — se a tarde em fuga:

 

covarde crepúsculo

abrindo-me o corpo e a cidade

ao redor do instante

em que (nunca e como antes)

eu me sinto no rumo

certo, embora não saiba

(e talvez até por isso)

onde chego no fim!

 

 — exclamei ao transeunte

desavisado e inconsequente

que me interrompia a perguntar

as horas em vão.

 

 

 

 

 

 

Espirituoso & clássico

 

 

subestimando-me o espírito

e a ordem dos fatores

pensou que minh'alma

fosse alminha

 

 

 

 

 

 

De época

 

 

Eu poderia tornar drama

épico o meu passado,

tão simples e prosaico,

tão contemporâneo.

 

Eu poderia erguer pirâmides egípcias

de complexos de Édipo, palavras

à sombra do império paterno,

dourar o meu caderno.

 

Mas meu cotidiano foi mais

humano, e não menos

poético por isso:

ser mundano hoje é mais propício.

 

 

 

 

 

 

Produção independente

 

euvou

terqueser

muitobom

praalguém

lermeou

verme

 

 

 

 

 

 

Um possível último alexandrino

 

 

O farfalhar do ego em dúvida constrange

o estômago — chamado alma ou coração.

E o sentimento, carvão corado, se abrange

e nos fazemos, vemos, lemos emoção.

 

São esses lemes entre o somos e o queremos,

suaves sopros em velas ou frágeis flâmulas,

que luzem fardo e vias sobre o que não temos,

onde as auroras frias e as noites sonâmbulas.

 

Assim, fora toda metáfora, que nata

desfaz a natureza em sua destragédia,

o mais é um certo tipo de nada repleto.

 

E nós um certo tipo repleto de nada,

mistificando agoras e enciclopédias

sobre o que foi. Sobra o que sou de indireto.

 

 

 

 

 

 

Menino n'ovo

 

 

O mundo é um ovo, menino

Mas não porque seja pequeno

O mundo é um ovo, menino

E nem porque estejamos chocados 

Mas o mundo, menino, é um ovo

A despeito das novidades que gera

(E como a barriga da sua mãe)

Esse mundo, ou ovo, menino

Tão branco e amarelo quanto azul

Guarda esconde brota

O futuro, menino, o futuro-menino

Meu seu nosso, do seu

Pai, eu, ou da sua mãe 

Cuja barriga, menino, é um ovo

Não que seja oval seu formato

(ainda) ou pequenino (o é)

É um ovo porque a gente o quer

Assim, como é novo, ou parte

Da vida gente povo

Numa forma de poema ou arte

Do que se quer e quis e fez e é

Um ovo, menino, bem ovo

Ovinho ovão ovaço ovo-ovo

Porque daqui, menino, desde já 

Nasceremos todos.

 

 

 

 

 

 

Bosques de Palermo

 

 

a moça caminha

em meio as árvores

da praça próxima

ao centro

da cidade

ao redor dela

seus pensamentos:

os meus.

 

 

 

 

 

 

Las Ruinas

 

 

São boas as ruínas,

nos dão certezas

também evanescentes:

há lua muito antes

do sol poente.

 

 

 

 

 

 

Epílogo

 

 

Por agora vou desistindo

de pertencer à geração,

de lecionar antigas réguas

e de muita pretensão.

 

São como malas

atiradas de um balão,

em que agora me avisto

e que — uma vez  nu — o visto

a voar por onde o são

(ou ainda serão)

salas... de estar,

valas... do errar,

cortes, tombos e talas,

desejos e outras estrelas.

 

Até onde não atinei. Cantá-las!

Mas  me sei mais leve, as entoo.

E quero mesmo é algo que me carregue

à margem de outra viagem

sem ancoragem desde já necessária,

mas de beleza, beleza sim, e forma vária,

ou algo dessa natureza.

 

 

junho, 2015

 

 

 

 

Leandro Jardim é escritor de poesia, prosa e letra de canção. Seus livros mais recentes são Peomas (poesia, Oito e Meio, 2014) e Rubores (contos, Oito e Meio, 2012). Possui contos publicados em antologias como Para Copacabana, com amor (Oito e meio, 2013) e Porto do Rio — do início ao fim (Rovelle, 2012). Em parceria com Rafael Gryner, lançou dois EP's de canções: O Sonhador (2014) e Sementes musicais para um mundo cibernético (2011). Também possui parcerias musicais com compositores como Diogo Cadaval (banda Mocambo), Clara Valente e Matheus Von Kruger. Mantém o blogleandrojardim.blogspot.com, onde estão disponíveis links para esses e outros trabalhos.

 

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