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I

 

 

Eles

vivos. No limite ainda vivos. Sem poder sair. Eu condenada, eles vivos. Todo dia eles ainda. Eles ainda vivos. Todo o dia eu menos eles. Todo dia eles sempre. Todo o dia eles que fecham. Todo dia eles fecham. O mesmo limite. Eu mesma. Eles dizem que ainda vivo. O espaço, o mesmo tempo parado. O espaÇo fechado, sem saída. Nesse espaço eu, fora eles. Foram eles que sempre riscaram o limite. Eles dizem que vivo. Eles põem e tiram coisas. Trilos sempre. Estalidos sempre se pronunciam. Plantam a mesma sombra diária e lá vêm trilos. Quem me diz que posso? Oferta-se inacessível o peso e a água da vida sob estalidos e trilos. Como posso? Eles sempre riscaram o limite. A ação possível. Eu não arrisquei nada. Ainda estou viva? Eles querem me fazer crer. Eles querem me fazer crer que estou viva. Que estou viva e a permanência, ou mesmo o retorno, é sempre possível.

 

 

 

 

 

 

 

II

 

 

Ana Lis

sente. A vida invisível ressoa na tranquila ignorância. Não sabe, mas sente no útero múltiplo o germe. Germes secretam naturalmente vida, Ana Liz sente. Sente e sabe que os germes — como uma estranha doença de vida — agora estão a seu alcance como uma legião de vozes (talvez pensasse em estalidos e trilos), antes invisíveis e inaudíveis, e agora seus filhos com alegria. Ana Liz sabe e sente que germes dilaceram vidas com os recursos de que dispõem. Todo germe cresce até a errância que o leva a tornar-se arremesso e combate. Ana Liz sente e sabe tudo isso. Lembra-te, Ana Liz, de que és mortal até seres esquecida, como uma voz inaudível e perdida, dentro do próprio tempo. Trilos, grilos. estalidos. Ana Liz talvez ceda, floresça e desabroche diante de uma plateia de insetos e roseiras ou macas e perfumes à base de iodo. Ana Liz, ouça: germes sim secretam naturalmente a vida ainda que a carne — só ela — convide a outros tremores. Talvez em teu último arremesso, escorra no aço a esperança e o sangue e, em teu útero, haverá ainda germes sonhando alguma inesperada forma.

 

 

 

 

[Postscriptum do livro Germes entre dias brancos. No prelo, Patuá]

 

 

 

 

dezembro, 2015

 

 

 

 

Marco Aqueiva. Autor do romance Sob os próprios pelos: seres extraordinários (coedição Patuá/Dobra, 2014) e dos livros de poesia O azul versus o cinza e o cinza versus o azul (Patuá, 2012) e Neste embrulho de nós (Scortecci, 2005). Integra o coletivo Quatati, de produção e difusão literária.

 

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