©tom cornish
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

eye of the tiger

 

 

                   com Edson Valente, clinchando

 

"Float like a butterfly, sting like a bee".

(Muhammad Ali)

 

sobre abelhas e borboletas

 

jab direto

jab direto

 

nada

 

jab jab sai

suave pra esquerda

 

fatal

 

o soco e o outro

vez ou outra abdicar da esquiva

ir de encontro

quebra o que é dente

jorra o que é sangue

dói o que é corpo

 

 

 

 

 

 

estamira por ela mesma

 

 

um

 

 

quem é deus

que é deus

que deus

eu sou

deus ninguém é

deus

no meio dessa confusão toda

com jesus

não tenho nada

contra o homem

que nasceu

 

 

 

dois

 

 

você viu o toró ontem

você sabe o que que é um toró

era eu discutindo

com meu pai

astral

 

 

 

três

 

 

olhar o coqueiro

e saber

isso é que é o real

isso é que é o poder

 

 

 

quatro

 

 

estamira tá longe estamira

tá em todo lugar

eu podia ser filha

ser irmã

até esposar espaço

 

podia ser verso humanitário

mas não

na mão de homem

aterro sanitário

 

 

 

 

 

 

a soprano invisível

 

 

                   com Djanira, mãe de mãe

 

 

"Duas fortes mulheres

Na sua dura hora".

(Da morte. Odes mínimas – Hilda Hilst)

 

 

e disse

 

são seus ouvidos

 

como quem diz

são seus olhos

fechando-os

como bemol invade as posses

de sustenido

 

e dissipa e permanece

 

 

 

 

 

 

stay

 

 

"It's not just something you take

it's given"

(Unapologetic, Rihanna, 2012)

 

sobre margens desbordadas

 

mergulho num sono

lento navegado

 

falar contra fronteiras

dizer sua boca

pela matéria que é a minha

deixar escorrer seu nome

dá na mesma

 

não me assustam mais naufrágios

não quero mais vestir coletes

à prova de últimos abraços

o sonho

 

fica

 

dito assim

será que é algo

pedido ou confessado

ou na mesma medida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

the thrill is here

 

 

                   with Riley Ben, riding with the King

 

sobre o fio da história

 

 

encontro

da tua mão

na minha

em carne ou imagem

digitação duma

penta blues com dedos

duma mão que nem

 

é minha

 

história extensiva

em carne ou imagem

facada

cravada numa possibilidade

e num feitiço

qualquer

duma existência pouca

e fria

 

 

 

 

 

 

miguel ângelo

 

 

deitar fora da pedra

tudo o que não é necessário

esculpir por subtração

domar

 

não

 

mutilar o mármore

desbrutá-lo

cuspir um construto

corpo portátil

e poder não carregá-lo

 

 

 

 

 

 

a mão que perfura verso

 

 

                   com Camila Braga

 

 

memória encravada

palpável

sente na pele em tempo

real o perecer da carne

não há dor

que tinta e derme não enfrentem

a mão que rasga e o couro ciente

implacáveis

agulha e vinil

e umas canções deslaceradas

dizem

 

vai pro corpo que te carregue

 

tatuagem

 

 

 

 

 

 

strange fruit revisitada

 

 

em uma capa da Revista Mortal

 

 

no pé de feira

só frutas pisoteadas

refugadas

no meio fio refugiadas

 

meio

fio de calçada

meio

fio de vida

 

há fio

apesar

 

que não aguenta

esses muitos frutos agarrados

e não rebenta

sustenta estranhamente

frutas outras pendendo

enforcadas

numa abolição inacabada

 

que é que vão pensar se re pousarem

aqui os afronautas

 

 

 

 

 

 

cenobitas

 

 

"The box. You opened it, we came.

 [...] Explorers in the further regions of experience.

Demons to some, angels to others".

(Pinhead/Captain Elliot Spencer)

 

 

ai minha nossa irmã

você viu o que fala naquele comercial

 

não irmã qual

 

eita irmã

aquele da churrascaria

sei lá

do restaurante

um aí que passava na band

 

vi não irmã que que é

 

fala assim oh

venha saborear os prazeres da carne

 

crendeuspai

 

eh

e a gente aqui com fome

e medo

 

 

 

 

 

 

orgasmatron

 

 

"Your bones will build my palaces

Your eyes will stud my crown

For I am Mars the god of war

And I will cut you down".

(Motörhead)

 

 

os templos dos pais

as cinzas dos deuses

 

edificações mortais

 

na guerra tudo vale

e vai por

 

do pó ao pó

 

terra fica

 

as capacidades bélicas nos diferenciam

das outras feras

 

 

 

 

 

 

blues de quando a vó e o cão quase

 

 

"And I guess that's why they call it

the blues".

("Too Low For Zero", Elton John, 1983)

 

sobre e entre sombras

 

 

nunca

muito dado ao

 

eu choro

 

quando muito um quase pranto

e sempre a desculpa

e sempre o

 

nada não é só um incômodo

 

naquele cômodo lá no fundo

luz desacesa

só dela via o rosto

canção que chegava sem

terem composto

pauta

que um no outro desvendava

voz

dela vinha como soprassem

uma gaita de fôlego

consolante no tom sobreposto

 

vai desaba sem culpa

 

entreolhavam

no escuro dedilhavam

mão

dada ou no ombro

tremia aquela de escorrer

de desenhar lágrimas dos outros

 

encontrava enfim

resquício de encanto

morria

por fim o cisco no olho

 

 

 

 

 

 

metonímia

 

 

"Ballerina, you must've seen her".

(Tiny Dancer – Elton John)

 

 

tem uma pequena dançarina

sob os pés

de quem a pista

de dança vai maior

que chão da terra

ballerina

 

 

 

 

dezembro, 2015

 

 

 

Ricardo Escudeiro (Santo André/SP, 1984). É autor do livro de poemas tempo espaço re tratos (Editora Patuá, 2014). Graduado em Letras na USP. Possui publicações em mídias digitais e impressas: site da Revista CULT, Mallarmargens — Revista de Poesia e Arte Contemporânea, Revista Nefelibata, Revista Gente de Palavra, Revista SAMIZDAT, 7faces caderno-revista de poesia, Revista Soletras (Moçambique). Participou do Espaço Literatura da 13ª Feira Cultural Preta. Publica poemas mensalmente na Revista Soletras, de Moçambique. Participa da antologia 29 de abril: o verso da violência (Patuá, 2015). Foi poeta convidado no Espaço Literatura da 13ª Feira Cultural Preta, em 2014.

 

Mais Ricardo Escudeiro na Germina

> Poemas