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Ultraviolenta
, estou em processo
de troca de corpo
readequando unhas,
pelos e músculos
tirando esse outro
que habitava
há um tempo por aqui…
estou trocando a lente
o sapato que já não cabe
estou trocando a pele
o pólen, a prole, o vazio
estou trocando as palavras
estou voando para…
me partir no chão
mudar o sangue,
as gravatas obsoletas,
as desculpas vis,
os caminhos sem volta
estou mudando de endereço
de andar, de bicicleta,
estou mudando de genealogia
porque eu gostava mais
quando eu me entendia menos
=
cinco furos
no braço
formam
constelação
por baixo
da carne
da terra
do verme
do verso
doía.
=
em todo verme
existe saudade
=
pontos pretos
bolorentos,
gordurosos
e babados
a boca
de tanto
morna
e apodrecida
não segurava
as salivadas
flutuando
entre nojo
e agonia
a travessia
mal acabada
subindo
nas pernas,
barriga
e vagina
o beijo
então roubado.
=
tateou
o peito
nu
: carne
sangue
vento
mordeu
a ferida
arrancou
as tripas
limpou
o dente
com
a pena
virou
a página
=
, dividi o corpo
em partes:
a cabeça, congelei
as pernas, enviei por correio
as mãos, guardei na cabeceira
o resto, joguei fora.
=
escrevo pra você
essa catarse
coisas que saem
dos poros
até o umbigo
porque as feridas
nunca sararam
de verdade
à espreita
procurando
um deslize
espremendo
entre as costelas
o que sobrou
do último combate
=
pendurou
as vísceras na soleira
arranhou
as paredes
quebrou
unhas e ossos
perdeu
o medo
venceu
a odisseia do amor
=
agora
depois da
queda
tudo, tudo
me parece
infantil
as cores
as porcelanas
as cortinas
o modo
de você
se vestir
agora,
depois da
queda
tudo, tudo
parece que
nunca existiu
=
ainda que a boca
não te dê o deleite
dos lábios
toma essa palavra
entorpecida de sangue
pica com as mãos
e come.
[imagens ©noell oszvald]
Pilar Bu nasceu no Rio de Janeiro, em 1983, mas acredita que a estrada é grande demais para não se jogar. Poeta de poemas curtos e ácidos, faz parte da coletânea Maus Escritores (Demônio Negro, 2009) e da edição "Mulheres" da revista Parênteses (2015). É catlover, beerlover, triplo-fogo do zodíaco e feminista. Em 2015, publica seu livro de estreia, Ultraviolenta, pela Patuá.
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