Itapecuru
a pedra na garganta do rio não dói
no silêncio dos meninos de piscina.
Gritapecuru!
passa o rio como um cachorro magro...
tudo que bebe são os assobios de socós
e a seca indiferença dos bocós.
Sobrevivência
a cidade caga no rio e ele resiste
lavando a pele no cuspe dos peixes.
Raios X
eis o que revela uma radiografia do tórax da cidade:
silhueta cardíaca aumentada de omissões e abandonos.
Taça de absinto
a solidão é uma taça de absinto
em goles tomados do avesso.
Os folclóricos azedinhos
o poeta do toba meigo perguntou ao poeta do furico guarda-chuva de mel que arguiu o poeta do rob scoff manteiga de amendoim qual era o poeta mais cu doce do que o poeta do fiofó de café arripunante. todos os poetas de algodão-doce no rodela seguiram com as línguas travadas, com semblantes de amargura, chupando pastilhas açucaradas.
Na língua do luar
na arapuca do teu sexo,
cavalgo entre unhas-de-gato.
a pele rasga, explode e grita!
os espinhos me adentram o corpo,
batizam com sangue, suor e uivos
— na língua do luar —
esse desejo inflamado e intamanhável.
na travessia dos maranhões de silêncios,
com os pés assentados
sobre a grama invisível do abismo,
meu cavalo bebe em teu umbigo
o mergulho ígneo-musical-dançante
no rio do delírio e do gozo.
Bolsa pele de serpente bárbara
tua máquina de germinar gemidos
me pulsa os músculos animais
sedentos por fricções de afetos.
tua bolsa pele de serpente bárbara
tem o batom peçonha do meu verso.
no mundo só me interessam
— agora —
estas labaredas:
a tua vagina aberta,
única galáxia
onde cabem/encaixam
todos os meus medos de menino.
O nariz da minha mãe sangra...
enquanto o político derrocado
posa de moralista na estação de rádio,
o nariz da minha mãe sangra.
enquanto jogam peteca a cidade e o caos
nas fendas da ladeira vermelha do sono,
o nariz da minha mãe sangra.
enquanto o trânsito segue áspero
e a delicadeza murcha
nas hortas e palavras (dos homens?),
o nariz da minha mãe sangra.
enquanto as filas não diminuem
no número de desrespeito
e o farmacêutico vende pílulas antiamor,
o nariz da minha mãe sangra.
Como se falasse com Deus,
toda vez que me toma nos braços
e me embala com o curioso cântico
— tingadonga-donga-donga/
tingandanga-danga-danga —
o nariz da minha mãe
morre o sangue e vive o sonho.
A lira
curva perigosa:
pés descalços,
sob um sol vespertino,
[nua] numa via
de paralelepípedos explosivos,
a lira me espera a 500 metros.
Mapa da leveza
como se penteassem
as ondas de energias
líquido-líricas da manhã,
leve fluem os fios d'água
[[[do riacho]]]
entre os mapas
dos teus cabelos.
é como se eu reconstruísse
e me reatravessasse
as pontes desabadas
enquanto nossos corpos
descansam na areia
e nosso amor baila,
> peixinholeia >
entre as pedras.
Tábua de madeira
nas contexturas do corpo,
o sabão de coco me desliza,
me bate e enxágua as trouxas
enodoadas de caju e mágoas.
no fluir tênue da lágrima,
o aparelho reprodutor de soluços
lava a cabeça em regatos de silêncio.
sou uma tábua de madeira
sobre os caminhos d'água do Itapecuru.
setembro, 2016
Carvalho Junior é a assinatura literária do professor/versicultor, Francisco de Assis Carvalho da Silva Junior, natural de Caxias/MA, autor de três livros de poemas, o mais recente, Dança dos dísticos (Patuá, 2014). Vencedor do Troféu Nauro Machado de Poesia no I Festival de Conto e Poesia (FESTMACPO) promovido pela Universidade Estadual do Maranhão.
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