©alicia savage
 
 
 
 
 
 
 

E depois da revolução sexual...

 

 

— Ah, quando cheguei já tava todo mundo daquele jeito, caindo pelos cantos.

— E por que você não foi embora de lá? Tá cansada  de saber como são essas festas.

— Mas é que tinha muito homem bonito!

— E você não pode ver um pau que quer logo pendurar, como é que pode?

— E você? Nem vem com lição de moral. Em mim não cola!

— Mas pra ficar plantada aqui nessa sala de espera com você, eu presto. Pra te falar umas verdades, não.

— Ah, e a Pity, que pegou cinco caras? Saiu de lá com três!

— Tomara que não fique grávida também.

— Não fala assim... Também, não. Eu não estou. Pensamento positivo. Vamos lá... Pensamento positivo!

— Olha a moça aí.

— Abre logo essa coisa e tira esse sorriso da cara!

— Espera, vamos rezar.

— Que rezar o quê! Você não aprontou? Agora deixe Deus em paz.

— Tá bom. Vamos lá... Ai, Ai, Ai... Putaquepariu! Putaquepariu!

— Minha nossa, você tá ferrada, nega!

— Ai, Ai, Ai!

— Liga pro cara! Vamos contar pra ele.

— Mas ainda não te contei o pior.

— Nossa, até arrepiei.

— Tinha tanta luz forte e colorida que eu não consegui ver a cara dele!

— Como assim? Não sabe quem é? E agora vai pedir pensão pra quem?

— Ah, vou processar o dono da festa!

— Como é que é?

— Ué, eu podia ter ficado cega, cara!

 

 

 

 

 

Nem pra reza que se preza

 

 

— Menina, depois do psicólogo, psiquiatra e da ioga, eu achei uma solução definitiva pro meu problema.

— Puxa, que bom, Claudinha. E o que é que você anda fazendo agora?

— Uma benzedeira excelente!

— Benzedeira? Mas, Claudia, seu problema é gênio ruim. O que é que benzedeira tem a ver com isso?

— Um tratamento semanal, querida. Resolve qualquer problema. Se eu te falar que já não discuto com mais ninguém nessa vida.

— Nem por política?

— Nem. Aprendi a ser tolerante.

— Ah, aprendeu é?

— Sou uma nova mulher.

— E as últimas notícias sobre religião, feminismo e futebol?

— O que tem? Cada um tem sua opinião sobre as coisas, Simone.

— E o divórcio?

— Simone, vou tratar tudo com calma. O Mário é adulto e sabe o que quer para a própria vida.

— E tudo isso por conta de uma reza?

— Sim.

— Ah, Claudia, eu não acredito nisso. Isso é psicológico. Ninguém muda de personalidade por conta de uma benzedeira.

— E por que não?

— Sei lá! É praticamente metafísico! Você nunca foi de acreditar nisso.

— E o que tem acreditar agora, Simone?

— Você não acha esquisito? Sarar assim, com tratamento de benzedeira?

— NÃÃÃO, PÔ! Quero dizer, não, Simone, não acho.

— Ah, mas eu acho! Alguém vai lá, põe a mão na sua testa, repete um mundaréu de mantras, rezas ou sei lá o quê e você tá mudada? Pra cima de mim, não.

— VOCÊ É UMA IGNORANTE, SIMONE!

— Por quê? Só porque não acredito?

— Isso mesmo! A COISA TÁ NA SUA FRENTE, AQUI, e ainda assim você fica teimando.

— Eu não sou teimosa, Claudia. Quem tem problema aqui é você.

— PROBLEMA, EU? Eu tenho problema, Simone? EU, CARA? AH, me poupe!

— Não me faça essa cara de arrogante, Claudia.

— Você precisa ter outra visão das coisas. Tem que deixar de ser tapada. A problemática aqui é você, que não sabe se posicionar nem expor suas ideias!

— Nossa, como você está realmente tolerante com as pessoas, Claudia! Você apela! Incrível isso!

— VOCÊ É UMA IGNORANTE, SIMONE!

— Por que você tá gritando?

— PORQUE NÃO AGUENTO GENTE BURRA! NÃO AGUENTO GENTE QUE NÃO SE ABRE PRA NOVAS EXPERIÊNCIAS, QUE NÃO VÊ ALÉM DO PRÓPRIO NARIZ!

— Tá falando de mim, sua louca?

— E DE QUEM MAIS, SIMONE?

— Ok, Claudia. Essa bosta de reza não prestou pra nada! Quem sabe se eu sentar a mão na sua cara...

— AAAAAAHHHHH!

 

 

 

 

 

Por um eunuco inofensivo

 

 

— Eu tenho uma proposta pra te fazer, Alzira.

Ficou em silêncio, esperando que ela esquecesse o assunto.

— Alzira, tenho uma proposta.

— Já entendi. Mas vamos falar disso outra hora?

— Você é bem cachorra. Quando você tem ideias, eu escuto, incentivo e até te ajudo.

— Mas eu não peço pra você roubar maquiagem nas Americanas, não peço pra você seduzir o guardador de carro, não peço pra você...

— Para com isso. Se vai ficar jogando na cara...

— Fala logo o que é dessa vez.

— Você vai gostar. Vai gostar. Vamos dividir um namorado?

— O quê? Do que você tá falando agora? Meu Deus!

— Alzira, me escuta. Há quanto tempo você tá sem namorado? Há quanto tempo não tem um homem? Há quanto

tempo...

— Faz tempo. Bastante tempo. Temo por mal saber fazer de novo.

— Então, tá vendo? Antigamente as mulheres viviam em haréns, usavam seu homem uma vez por mês e ainda eram felizes com suas amigas. É como dizem: antes pouco do que nada.

— Sei. E eu e você seríamos as mulheres do harém de quem?

— Jura que não vai rir?

— Hahahahahaa.

— Do Armando.

— Hahahahahahahaaa. Topo!

— Assim tão rápido?

— É que tenho absoluta certeza de que ele não oferece perigo.

— Por quê?

— O cara é gay, Consuelo!

— É mesmo? Isso é muito sério, Alzira! Você tem mania de falar essas coisas sem ter certeza.

— Eu tenho certeza. Confie em mim.

— Hum, vocês já...

— Não, ele não conseguiu. Disse que eu tinha muito pouco pelo no corpo.

— Pouco pelo? Ele gosta de mulher peluda?

— Não, ele gosta de homem peludo. Disse, com lágrimas nos olhos, que tem tesão no Tony Ramos.

— Hahahahahaahaha.

— Mas se você ainda quiser, a gente para de sofrer com depilação e ainda ganha mais uma amiga.

— Uhull, topamos!

 

 

dezembro, 2016

 

 

Samantha Abreu já foi publicada em antologias e revistas, além de participar de debates, projetos e eventos literários. Lançou o livro de poemas Fantasias para quando vier a chuva (Orpheu, 2011) e o livro de contos Mulheres sob Descontrole (Atrito Arte, 2015). Integrou as antologias O Fio de Ariadne (Atrito Arte, 2014) e 29 de abril: o verso da violência (Patuá, 2015) junto com autores contemporâneos de todo o país. Seus textos poéticos foram adaptados para o teatro na montagem Trouxe a chave para libertar sua tristeza, da Cia. AARPA.

 

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