E depois da revolução sexual...
— Ah, quando cheguei já tava todo mundo daquele jeito, caindo pelos cantos.
— E por que você não foi embora de lá? Tá cansada de saber como são essas festas.
— Mas é que tinha muito homem bonito!
— E você não pode ver um pau que quer logo pendurar, como é que pode?
— E você? Nem vem com lição de moral. Em mim não cola!
— Mas pra ficar plantada aqui nessa sala de espera com você, eu presto. Pra te falar umas verdades, não.
— Ah, e a Pity, que pegou cinco caras? Saiu de lá com três!
— Tomara que não fique grávida também.
— Não fala assim... Também, não. Eu não estou. Pensamento positivo. Vamos lá... Pensamento positivo!
— Olha a moça aí.
— Abre logo essa coisa e tira esse sorriso da cara!
— Espera, vamos rezar.
— Que rezar o quê! Você não aprontou? Agora deixe Deus em paz.
— Tá bom. Vamos lá... Ai, Ai, Ai... Putaquepariu! Putaquepariu!
— Minha nossa, você tá ferrada, nega!
— Ai, Ai, Ai!
— Liga pro cara! Vamos contar pra ele.
— Mas ainda não te contei o pior.
— Nossa, até arrepiei.
— Tinha tanta luz forte e colorida que eu não consegui ver a cara dele!
— Como assim? Não sabe quem é? E agora vai pedir pensão pra quem?
— Ah, vou processar o dono da festa!
— Como é que é?
— Ué, eu podia ter ficado cega, cara!
Nem pra reza que se preza
— Menina, depois do psicólogo, psiquiatra e da ioga, eu achei uma solução definitiva pro meu problema.
— Puxa, que bom, Claudinha. E o que é que você anda fazendo agora?
— Uma benzedeira excelente!
— Benzedeira? Mas, Claudia, seu problema é gênio ruim. O que é que benzedeira tem a ver com isso?
— Um tratamento semanal, querida. Resolve qualquer problema. Se eu te falar que já não discuto com mais ninguém nessa vida.
— Nem por política?
— Nem. Aprendi a ser tolerante.
— Ah, aprendeu é?
— Sou uma nova mulher.
— E as últimas notícias sobre religião, feminismo e futebol?
— O que tem? Cada um tem sua opinião sobre as coisas, Simone.
— E o divórcio?
— Simone, vou tratar tudo com calma. O Mário é adulto e sabe o que quer para a própria vida.
— E tudo isso por conta de uma reza?
— Sim.
— Ah, Claudia, eu não acredito nisso. Isso é psicológico. Ninguém muda de personalidade por conta de uma benzedeira.
— E por que não?
— Sei lá! É praticamente metafísico! Você nunca foi de acreditar nisso.
— E o que tem acreditar agora, Simone?
— Você não acha esquisito? Sarar assim, com tratamento de benzedeira?
— NÃÃÃO, PÔ! Quero dizer, não, Simone, não acho.
— Ah, mas eu acho! Alguém vai lá, põe a mão na sua testa, repete um mundaréu de mantras, rezas ou sei lá o quê e você tá mudada? Pra cima de mim, não.
— VOCÊ É UMA IGNORANTE, SIMONE!
— Por quê? Só porque não acredito?
— Isso mesmo! A COISA TÁ NA SUA FRENTE, AQUI, e ainda assim você fica teimando.
— Eu não sou teimosa, Claudia. Quem tem problema aqui é você.
— PROBLEMA, EU? Eu tenho problema, Simone? EU, CARA? AH, me poupe!
— Não me faça essa cara de arrogante, Claudia.
— Você precisa ter outra visão das coisas. Tem que deixar de ser tapada. A problemática aqui é você, que não sabe se posicionar nem expor suas ideias!
— Nossa, como você está realmente tolerante com as pessoas, Claudia! Você apela! Incrível isso!
— VOCÊ É UMA IGNORANTE, SIMONE!
— Por que você tá gritando?
— PORQUE NÃO AGUENTO GENTE BURRA! NÃO AGUENTO GENTE QUE NÃO SE ABRE PRA NOVAS EXPERIÊNCIAS, QUE NÃO VÊ ALÉM DO PRÓPRIO NARIZ!
— Tá falando de mim, sua louca?
— E DE QUEM MAIS, SIMONE?
— Ok, Claudia. Essa bosta de reza não prestou pra nada! Quem sabe se eu sentar a mão na sua cara...
— AAAAAAHHHHH!
Por um eunuco inofensivo
— Eu tenho uma proposta pra te fazer, Alzira.
Ficou em silêncio, esperando que ela esquecesse o assunto.
— Alzira, tenho uma proposta.
— Já entendi. Mas vamos falar disso outra hora?
— Você é bem cachorra. Quando você tem ideias, eu escuto, incentivo e até te ajudo.
— Mas eu não peço pra você roubar maquiagem nas Americanas, não peço pra você seduzir o guardador de carro, não peço pra você...
— Para com isso. Se vai ficar jogando na cara...
— Fala logo o que é dessa vez.
— Você vai gostar. Vai gostar. Vamos dividir um namorado?
— O quê? Do que você tá falando agora? Meu Deus!
— Alzira, me escuta. Há quanto tempo você tá sem namorado? Há quanto tempo não tem um homem? Há quanto
tempo...
— Faz tempo. Bastante tempo. Temo por mal saber fazer de novo.
— Então, tá vendo? Antigamente as mulheres viviam em haréns, usavam seu homem uma vez por mês e ainda eram felizes com suas amigas. É como dizem: antes pouco do que nada.
— Sei. E eu e você seríamos as mulheres do harém de quem?
— Jura que não vai rir?
— Hahahahahaa.
— Do Armando.
— Hahahahahahahaaa. Topo!
— Assim tão rápido?
— É que tenho absoluta certeza de que ele não oferece perigo.
— Por quê?
— O cara é gay, Consuelo!
— É mesmo? Isso é muito sério, Alzira! Você tem mania de falar essas coisas sem ter certeza.
— Eu tenho certeza. Confie em mim.
— Hum, vocês já...
— Não, ele não conseguiu. Disse que eu tinha muito pouco pelo no corpo.
— Pouco pelo? Ele gosta de mulher peluda?
— Não, ele gosta de homem peludo. Disse, com lágrimas nos olhos, que tem tesão no Tony Ramos.
— Hahahahahaahaha.
— Mas se você ainda quiser, a gente para de sofrer com depilação e ainda ganha mais uma amiga.
— Uhull, topamos!
dezembro, 2016
Samantha Abreu já foi publicada em antologias e revistas, além de participar de debates, projetos e eventos literários. Lançou o livro de poemas Fantasias para quando vier a chuva (Orpheu, 2011) e o livro de contos Mulheres sob Descontrole (Atrito Arte, 2015). Integrou as antologias O Fio de Ariadne (Atrito Arte, 2014) e 29 de abril: o verso da violência (Patuá, 2015) junto com autores contemporâneos de todo o país. Seus textos poéticos foram adaptados para o teatro na montagem Trouxe a chave para libertar sua tristeza, da Cia. AARPA.
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