©joe iurato
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

AOS QUE CHEGAM...

 

 

Com um choro viemos ao mundo

Mas todos, ao redor, sorriam

 

Que sabe da nascente dessas lágrimas

Tantos ouvidos maravilhados?

E o que saberão depois?

 

(Tua voz que anuncia teu íntimo ao mundo

É só um murmúrio

A errar nos ermos desertos dos corações dos homens)

 

Ilhados e distantes, eis os homens

O Mundo é um mar turbulento onde, opostas,

As vagas-paixões se colidem, incessantes

E nas estreitas horas da existência

Um lamento coincide

Com mil risos, gargalhadas!

(Ó, polifonia da vida!)

 

Então tu, penhasco entre as ondas,

Vela vacilante ao sopro do vento,

Aguarda com paciência teu sorriso

E que a compaixão nele resida

Pelos milhões que ao mesmo instante choram.

 

 

 

 

 

 

ACEITA, DESSE MUNDO, A SOLIDÃO

 

 

Aceita, deste mundo, a solidão

A que todo ser está destinado;

Que importa a alguém o que há em teu coração?

Teus anseios, quem os terá escutado?

 

Estarás sempre só na multidão

Carregando em ti teu eu ignorado

(Só Deus entende tua imensidão,

Mas é imenso o ermo em que estás exilado);

 

Fecha teus olhos (podes fazê-lo ainda)

E então, explorador, mergulhe fundo

No obscuro mar onde a busca se finda...

 

Súb'to verás, no pélago profundo,

De Cristais mil uma Atlântida infinda:

Teu único refúgio ao mal do mundo.

 

 

 

 

 

 

O POETA DO GUETO

 

 

Nas cidades, subúrbios, ruas e becos

O poeta do gueto encontra matéria bruta para sua Poesia

O poeta do gueto caminha normalmente dissimulando sua errante Poesia

E cada esquina, uma parada diferente

Os bares, as casas, as favelas, tudo sussurra o seu nome

O poeta do gueto senta em qualquer sarjeta de qualquer lugar

E observa...

Nas crianças

Nos velhos, jovens, fábricas, carros, concreto...

Em tudo ele escuta uma sinfonia uniforme e dissonante

E como Orfeu, ele sabe que seu trabalho é lhe dar Ordem, Forma

Porque apesar de uniforme, é a sinfonia do caos

Nos garotos sussurrando, sorrateiros

Nos bares e seus fracassados

Nas janelas, os choros sentidos

Nos mendigos entoando pedidos

Nos vapores cinzas ao redor

Em tudo o poeta do gueto encontra inspiração

Sua musa na esquina ou dentro das quatro paredes do desejo

Sua pena está em seus olhos

E o papel já não dá mais

O poeta do gueto em seu corpo de dezoito segue essa sua epopeia

E continuará a ser tentado pela sinfonia

Que já o acolheu na escala melódica.

 

 

 

 

 

 

CANTIGA DE AMIGO

 

 

Sonhos! Sonhos que há tempos carrego e protejo

Só por meu amor vivem, por seu prazer e desejo

Mas meu Deus! onde ele está?

 

Ele que foi de todos meu maior pecado

Pois dele fiz meu Deus único, idolatrado

Ó meu Deus! onde ele está?

 

Ódio tenho ao que em mim não é ele

Nem mesmo sou, se ser é não ser dele

Mas meu Deus! onde ele está?

 

Ele, o todo minha parte, que se amputou

Depois de jurar que à outra jamais amou

Ó meu Deus! onde ele está?

 

Não tinha meu corpo e alma? Não se deliciava

Ao tingir meu rosto — tão doce! — enquanto gozava?

Então Deus! onde ele está?

 

Não me tinha de joelhos frente a seu corpo e vontade?

Não se servia de mim com tamanha liberdade?

Então Deus! onde ele está?

 

Ele era meu futuro, minha família, minha vida!

Meu mundo deixei, ao espaço dele rendida.

Vivê-lo era existir, e o resto, pra mim, nada é

Como pra ele fui... apenas mais uma qualquer

E quanto mais seu capricho me modelava

Mais longe de seu peito e de mim própria estava

Longe de mim... o que mais restará?

Ó meu Deus! onde ele está?

 

Ó Deus! onde ele estará?

 

 

 

 

 

 

 

["Procuro a margem do mar"]

 

Procuro a margem do mar

Em algum lugar:

Miragem perdida.

 

No oceano azul infindo

Vejo o céu tão lindo

Refletindo a imagem

 

De uma paisagem dorida,

Que deixa a vista aturdida:

Longe de alcançar...

 

Sou ilha no ar sem vida

Ave interrompida,

Tentando voar.

 

Aonde vou encontrar?

Como navegar

Sem vela estendida?

 

À deriva, estou perdido

Não vejo o sentido

Nem desta mensagem:

 

Poesia traduzida,

Engarrafada e embebida

No sal secular.

 

Sou ilha no ar sem vida

Ave interrompida

Tentando voar.

 

Por isso, sei que não minto

Dizendo que sinto

Com toda coragem:

 

Sou ave, sou ilha e mar

Sou céu, sou asa perdida,

À margem de algum lugar

Sem limites ou medida.

 

 

 

 

 

 

O VATE DA VIDA

 

 

Ampara-te

Antes que te mate,

Antes que te ataque este vate

Vate, sina, dor,

Vaticinador da morte

Como fugir da triste sorte?

Como escapar do fim da parte?

Como morrer altivo e forte?

Como morrer, enfim, com arte?

Ampara-te

Antes já que é tarde

Antes que este covarde em alarde

Venha exibir eternidade

Na flor da tua mocidade...

Levar-te em plena meninice

Levar-te com tenacidade

Levar-te no fim da velhice.

Ampara-te

Que este covarde

Que ostenta eternidade

É o vate da vida

Vaticinador da morte

Quem no silêncio grita baixinho:

Tic-morte

Vida-tac

Tic-morte

Vida-tac

 

 

 

 

 

 

ATEMPORAL

 

 

No cais

 

Aporto

Ou

Parto

 

Nada mais

 

Sem suspiros

Ou

Ais

De minha parte

 

Sem gotejo de sais torrenciais

A inundarem o Tejo em

Tempestade

 

De um jeito

Ou de outro

Sem olhar para trás

Cônscio que destes mares o

Deus Marte

Quando invejou Netuno, em seus

Jograis

Cantou perigo e guerra e chamou

Arte

 

Navego pois, sem medo, nos

Corais

Dos mares e de Marte, à novidade

Desta jornada de reles mortais

 

Se aporto ou parto, importa à

Humanidade?

Pra mim, essa questão é morta (e

Jaz!)

Nascer, morrer... Viver: esta é a

Verdade!

 

 

 

 

 

 

O CHORO DOS EXILADOS

 

 

— Minha terra tem palmeiras?

— Nem mais terra cá não há.

— Mas os pássaros gorjeiam?

— Se não podem nem voar?!

 

— Mas o céu não tem estrelas?

     Mas a várzea não tem flores?

— Sumiram de tanta tristeza,

     Morreram de tantas dores.

 

     O sono do desespero

     De quem não consegue sonhar

     Tanta terra pra colher

     Tanta terra pra plantar

     Essa terra não é minha!

     Eu não tenho o meu lugar!

 

     Essa terra é dos horrores

     Do dinheiro que comprar

     Do senhor mais mentiroso

     A mentira que ganhar

     Oh! Meu Deus, que seja logo!

     Oh! Meu Deus, que eu morra já!

 

 

[Poemas do livro Versos de imprecação contra o mundo. Inédito. Lançamento em 2016]

 

 

 

junho, 2016

 

 

 

Clayton de Souza é escritor, autor do livro Contos Juvenistas (Patuá, 2013) e colaborador do Jornal Rascunho.

 

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Wítalo Lopes Moreira nasceu em São Paulo, em 20 de agosto de 1983. Licenciado em Pedagogia das Séries Iniciais e Administração Escolar, também cursou a Academia de Polícia Militar. Seu contato com a Literatura surgiu na infância, com leituras como Tonico e Carniça e Pai, me compra um amigo, tornando-se mais forte na adolescência, quando participou de projetos de Teatro. Amante da literatura brasileira e admirador de autores como Dostoiévski e Franz Kafka.