AOS QUE CHEGAM...
Com um choro viemos ao mundo
Mas todos, ao redor, sorriam
Que sabe da nascente dessas lágrimas
Tantos ouvidos maravilhados?
E o que saberão depois?
(Tua voz que anuncia teu íntimo ao mundo
É só um murmúrio
A errar nos ermos desertos dos corações dos homens)
Ilhados e distantes, eis os homens
O Mundo é um mar turbulento onde, opostas,
As vagas-paixões se colidem, incessantes
E nas estreitas horas da existência
Um lamento coincide
Com mil risos, gargalhadas!
(Ó, polifonia da vida!)
Então tu, penhasco entre as ondas,
Vela vacilante ao sopro do vento,
Aguarda com paciência teu sorriso
E que a compaixão nele resida
Pelos milhões que ao mesmo instante choram.
ACEITA, DESSE MUNDO, A SOLIDÃO
Aceita, deste mundo, a solidão
A que todo ser está destinado;
Que importa a alguém o que há em teu coração?
Teus anseios, quem os terá escutado?
Estarás sempre só na multidão
Carregando em ti teu eu ignorado
(Só Deus entende tua imensidão,
Mas é imenso o ermo em que estás exilado);
Fecha teus olhos (podes fazê-lo ainda)
E então, explorador, mergulhe fundo
No obscuro mar onde a busca se finda...
Súb'to verás, no pélago profundo,
De Cristais mil uma Atlântida infinda:
Teu único refúgio ao mal do mundo.
O POETA DO GUETO
Nas cidades, subúrbios, ruas e becos
O poeta do gueto encontra matéria bruta para sua Poesia
O poeta do gueto caminha normalmente dissimulando sua errante Poesia
E cada esquina, uma parada diferente
Os bares, as casas, as favelas, tudo sussurra o seu nome
O poeta do gueto senta em qualquer sarjeta de qualquer lugar
E observa...
Nas crianças
Nos velhos, jovens, fábricas, carros, concreto...
Em tudo ele escuta uma sinfonia uniforme e dissonante
E como Orfeu, ele sabe que seu trabalho é lhe dar Ordem, Forma
Porque apesar de uniforme, é a sinfonia do caos
Nos garotos sussurrando, sorrateiros
Nos bares e seus fracassados
Nas janelas, os choros sentidos
Nos mendigos entoando pedidos
Nos vapores cinzas ao redor
Em tudo o poeta do gueto encontra inspiração
Sua musa na esquina ou dentro das quatro paredes do desejo
Sua pena está em seus olhos
E o papel já não dá mais
O poeta do gueto em seu corpo de dezoito segue essa sua epopeia
E continuará a ser tentado pela sinfonia
Que já o acolheu na escala melódica.
CANTIGA DE AMIGO
Sonhos! Sonhos que há tempos carrego e protejo
Só por meu amor vivem, por seu prazer e desejo
Mas meu Deus! onde ele está?
Ele que foi de todos meu maior pecado
Pois dele fiz meu Deus único, idolatrado
Ó meu Deus! onde ele está?
Ódio tenho ao que em mim não é ele
Nem mesmo sou, se ser é não ser dele
Mas meu Deus! onde ele está?
Ele, o todo minha parte, que se amputou
Depois de jurar que à outra jamais amou
Ó meu Deus! onde ele está?
Não tinha meu corpo e alma? Não se deliciava
Ao tingir meu rosto — tão doce! — enquanto gozava?
Então Deus! onde ele está?
Não me tinha de joelhos frente a seu corpo e vontade?
Não se servia de mim com tamanha liberdade?
Então Deus! onde ele está?
Ele era meu futuro, minha família, minha vida!
Meu mundo deixei, ao espaço dele rendida.
Vivê-lo era existir, e o resto, pra mim, nada é
Como pra ele fui... apenas mais uma qualquer
E quanto mais seu capricho me modelava
Mais longe de seu peito e de mim própria estava
Longe de mim... o que mais restará?
Ó meu Deus! onde ele está?
Ó Deus! onde ele estará?
["Procuro a margem do mar"]
Procuro a margem do mar
Em algum lugar:
Miragem perdida.
No oceano azul infindo
Vejo o céu tão lindo
Refletindo a imagem
De uma paisagem dorida,
Que deixa a vista aturdida:
Longe de alcançar...
Sou ilha no ar sem vida
Ave interrompida,
Tentando voar.
Aonde vou encontrar?
Como navegar
Sem vela estendida?
À deriva, estou perdido
Não vejo o sentido
Nem desta mensagem:
Poesia traduzida,
Engarrafada e embebida
No sal secular.
Sou ilha no ar sem vida
Ave interrompida
Tentando voar.
Por isso, sei que não minto
Dizendo que sinto
Com toda coragem:
Sou ave, sou ilha e mar
Sou céu, sou asa perdida,
À margem de algum lugar
Sem limites ou medida.
O VATE DA VIDA
Ampara-te
Antes que te mate,
Antes que te ataque este vate
Vate, sina, dor,
Vaticinador da morte
Como fugir da triste sorte?
Como escapar do fim da parte?
Como morrer altivo e forte?
Como morrer, enfim, com arte?
Ampara-te
Antes já que é tarde
Antes que este covarde em alarde
Venha exibir eternidade
Na flor da tua mocidade...
Levar-te em plena meninice
Levar-te com tenacidade
Levar-te no fim da velhice.
Ampara-te
Que este covarde
Que ostenta eternidade
É o vate da vida
Vaticinador da morte
Quem no silêncio grita baixinho:
Tic-morte
Vida-tac
Tic-morte
Vida-tac
ATEMPORAL
No cais
Aporto
Ou
Parto
Nada mais
Sem suspiros
Ou
Ais
De minha parte
Sem gotejo de sais torrenciais
A inundarem o Tejo em
Tempestade
De um jeito
Ou de outro
Sem olhar para trás
Cônscio que destes mares o
Deus Marte
Quando invejou Netuno, em seus
Jograis
Cantou perigo e guerra e chamou
Arte
Navego pois, sem medo, nos
Corais
Dos mares e de Marte, à novidade
Desta jornada de reles mortais
Se aporto ou parto, importa à
Humanidade?
Pra mim, essa questão é morta (e
Jaz!)
Nascer, morrer... Viver: esta é a
Verdade!
O CHORO DOS EXILADOS
— Minha terra tem palmeiras?
— Nem mais terra cá não há.
— Mas os pássaros gorjeiam?
— Se não podem nem voar?!
— Mas o céu não tem estrelas?
Mas a várzea não tem flores?
— Sumiram de tanta tristeza,
Morreram de tantas dores.
O sono do desespero
De quem não consegue sonhar
Tanta terra pra colher
Tanta terra pra plantar
Essa terra não é minha!
Eu não tenho o meu lugar!
Essa terra é dos horrores
Do dinheiro que comprar
Do senhor mais mentiroso
A mentira que ganhar
Oh! Meu Deus, que seja logo!
Oh! Meu Deus, que eu morra já!
[Poemas do livro Versos de imprecação contra o mundo. Inédito. Lançamento em 2016]
junho, 2016
Clayton de Souza é escritor, autor do livro Contos Juvenistas (Patuá, 2013) e colaborador do Jornal Rascunho.
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Wítalo Lopes Moreira nasceu em São Paulo, em 20 de agosto de 1983. Licenciado em Pedagogia das Séries Iniciais e Administração Escolar, também cursou a Academia de Polícia Militar. Seu contato com a Literatura surgiu na infância, com leituras como Tonico e Carniça e Pai, me compra um amigo, tornando-se mais forte na adolescência, quando participou de projetos de Teatro. Amante da literatura brasileira e admirador de autores como Dostoiévski e Franz Kafka.