barrigas famintas
na estrada do corpo
tem uma casa
guarda fiações
e sentimentos
quando o terremoto
alcançar-me
alguém inventará com palavras
pontes
aquilo que aos olhos do sol
será húmus
alimentado
barrigas famintas de árvores
novo destino
o abismo não se dissipa
a cólera mata tristonhas rosas
um céu diz notícia
de um pássaro defunto na gaiola
quem disse alguma coisa
hoje já não tem no corpo
hospedaria
sequer um dente na boca
ei abismo
que me tranca no infinito
inescapável lugar do nada
um cometa me atinge sozinho
eu aqui em minha imaginação
em devoção ao pergaminho
com um palito de fósforo
acendo um novo destino
punhado de ossos
estou parado diante do guarda-roupa
das artes, letras e ciências
a respiração se faz mecânica
um punhado de ossos
em sua casa grande
indaga a si mesmo
e zomba da possibilidade
da cútis preta
engendrar gênios
fora do perímetro
do carnaval, futebol e samba
despensa
que graça ver
a sua beleza dançarina
ver os teus passos apressados
furando fronteiras provisórias
feitas por esculturas anímicas
imaginei
do anoitecer-ao-raiar-do-sol
a sua voz
alimentando com grãos
uma revoada lânguida
de pássaros místicos
estava absorto
ao ouvir a sua flauta compor com os lírios
inundando de primavera
a parte em mim
antes recheada de vazios
canteiro
com a lua rindo
no cosmo do meu coração
sinto um leviatã emergindo na lagoa
grande terror e lapso
invadem a mão trêmula
a agente postal
em tarde etílica
não despacha
para os domicílios terráqueos
a flor-telegrama
plantada no canteiro da imaginação
itinerário completo
o carrinho de madeira
sem rugas
assiste o itinerário completo
de todo um álbum de família
abanar
abanar o incêndio diário
o gosto
pelo infinito
iluminado pela visão
de voar
nas asas de um louva-a-deus
nelsonrodriguianos
estou diante
da beleza fardada
os meus olhos
nelsonrodriguianos
despi a cada passo
de cima a baixo
a luxúria oculta
na antessala
dos teus olhos
termômetro
colidir em seu esponjoso corpo
até que em ti
um sapo-boi nasça
sangrar de branco
as suas fendas
em grau excelso
que o termômetro
rompa o teto
de tanta febre
peso oval
mal começou o dia
já estou exausto
o lombo carrega
um peso oval
pareço arriar
os dias gotejam
na pele como ácido
dói demais assistir
a minha dramaturgia
há uma vontade intempestiva
de dormir
em outras camas
outros mundos
talvez-certo granjeie
um chão-dormitório
de ateus e místicos
lá do alto
as garças
riem como hienas
diante de deus
estranha fugacidade
bilhões de anos
escorrem da natureza
se eu com ela compito
o meu desproporcional
tempo de pilha
será fração ou fagulha
carpem diem
entrar no céu de corpo inteiro
sem canonizar o olhar erótico
que mesmo biblicamente sabatinado
enxerga a sedução da minissaia
com a precisão de um binóculo
sucinto descrevo, meu deus,
a minha desfiliação do paraíso
dezembro, 2017
Jean Narciso Bispo Moura nasceu em 31 de outubro de 1980. Poeta, professor, natural de São Félix/BA, reside atualmente em Suzano/SP. Estreou em livro no início dos anos 2000, com o título A lupa e a sensibilidade. Também é autor de 75 ossos para um esqueleto poético (2005), Excursão incógnita (2008), Memórias secas de um aqualouco e outros poemas (2011) e Psicologia do efêmero (2013). Tem poemas publicados em revistas e sites literários como Mallarmargens, Blecaute, Antonio Miranda, Canal Subversa, Blog do Noblat, Revista Cinosargo (Chile), Palavras que me tocam (Portugal), Antología Latinoamericana Un Canto a Iberoamérica (Chile), entre outros.
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