pergunta
o sábio
que sabe
o que sabe
e sabe
o que não sabe,
sabe que sabe
o que sabe
e sabe
que não sabe
o que não sabe,
disse suposto
sábio, mas
visto o saber
e o não saber
excitarem
ainda
mais saber
e não saber,
entre suas
sabenças
saberia que
não se sabe
o que se sabe
antes de
exercer
na prática
a suposta
sabedoria,
nem se sabe
o que não
se sabe
antes da
tentativa
de fazer
o que não
se sabia,
ou tal sábio
não saberia
que o povo
do sabiá
bem sabe
que o sabiá
sabe assobiar
um baita
assovio
sem saber
que sabe
nem que
não sabe?
in/suficiência
quem sabe tudo
é bobo, marido
propenso a corno,
espia o celular
do par co’o curvo
bico de corvo:
não pode indagar
um ovo, morre
mudo a gritar
socorro, receia
um transtorno,
acha que não,
mas é o supertolo.
evitação do rio
a arte de ficar à parte,
à margem da corrente
tumultuosa, sem botar,
sequer, o pé na água,
é a arte de naufragar
no seco, de se deixar
levar por um rio outro,
que não o da multidão
em luta contra as vagas,
é a arte de dizer sim
achando que disse não.
a arte de ficar à parte,
jamais é arte verdade,
sem remos, sem rumo,
sem esforço ou emoção
real, ao ficar de lado,
o lado que se escolheu,
é lodo de quem não sai
nem a nado do lugar
fixo e cerceante a que
foi predestinado; entrar
no rio, arriscar morrer,
é melhor que se render ao fado.
muito dela
vi que gostava do meu braço,
a parte pelo todo, metonímia,
chamava-o de seu entre beijos
de despedida e, após o amor,
estendia-o na cava dos peitos,
a mão-ancinho sobre os pelos:
tanto ela amava aquele braço,
que eu quase morri de ciúmes.
per una amica
não vou dormir
sem
do recanto lábil
da
tua fala dizer
pelo
menos um discer-
nir
avesso de todo
favo:
me gusta hablar
con
tigo sin labios
função da arte
¹
casal no auge da liberdade:
não havia ar o suficiente
para tanto abrir de enlatados,
a voz do homem lutava
espada
com a voz da mulher,
plantas queriam sumir
dos vasos,
tensa, na parede,
a reprodução
de um desses
deuses vesgos
de picasso, tensa
mas plana e quieta.
²
a noite rasgou-se em proporções de medusa,
polvos gelatinosos flanaram de uma boca à outra,
pupilas como lanças espetavam a visão contrária,
o dia não amanhecia,
a noite não tinha importância,
nem os filhos,
nem os vizinhos,
quando
a gravura caiu da parede
estilhaçando o vidro:
os dois olharam para o lado
dos cacos,
e pararam de gritar,
deixando a discussão
para outro momento.
em busca da musa que goza
adeus, preciso rever minha musa,
cheirar os vasos em que unta palavras
com o prazer que das palavras obteve.
digam, os do coro que não a escutam,
aos deuses nunca se deve fazer visita;
não importa, preciso vê-la de fronte,
dizer o que não se diz com verbos,
mas de língua para língua.
não pensem, detrás dos róseos seios,
eu não tema a esfinge de rijas unhas,
capaz de apaziguar o sangue a dentes:
mas, sem a tensa volúpia do risco,
como fazer amor com a poesia?
o silêncio
¹
até hoje pensei
que o silêncio era
dentes sem mastigar,
grandes e francos,
do tamanho de
elefantes
metidos atrás
de gengivas malva:
luminárias
da troante avenida.
²
não um sem som de ar-
condicionado ou
o de carros e sirenes
em onipresente cortina:
vi um silêncio gerânio
parindo ressignificantes
nas sacadas do corpo
onde a terra é folha,
sem temer a si mesmo
ou fugir ao nascimento.
³
não um silêncio quedo
como o do colarinho
aberto na calçada
aguardando a ambulância
com os ouvidos atentos
dos transeuntes,
mas um que conversa
com o surdo-mudo
da casa de cegos
que também é cego.
⁴
um silêncio fundo
não aguarda lavras,
deu tudo o que tem
e também o que não:
dá o que não conhece,
flutua além do verbo,
não antes da bíblia.
quando nasce no ser
sequer rumoreja o mar
do silêncio que funda.
⁵
uma palavra se pode dar,
inclusive a palavra romã.
só o amor, precisamente,
funda o impronunciável:
não o que teme ser dito,
mas o que está além disto.
instrui um dentro-lugar
que jamais pode ser lido:
ultrapassa o impossível
ao dar o que não tem.
dezembro, 2017
Sidnei Schneider é poeta, ficcionista e tradutor em Porto Alegre. Publicou Andorinhas e outros enganos(Dahmer, 2012), Quichiligangues (Dahmer, 2008), Plano de Navegação (Dahmer, 1999), Versos Singelos/José Martí (SBS, 1997), Poemas 1987-1992 (Artesanal, 1992). Participa de Iris International (Ivanić Grad-Croácia: Tri Rijeke, 2015), Poesia Gaúcha Contemporânea (Assembleia Legislativa-RS, 2013), Moradas de Orfeu (Letras Contemporâneas, Florianópolis, 2011), Poesia Sempre (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2001) e outras antologias. Troféu Açorianos de Divulgação literária, Prefeitura de Porto Alegre, 2008. 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, UFRGS, 2003. 1º lugar em poesia no Concurso Talentos, UFSM, 1995. Membro da Associação Gaúcha de Escritores.
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