O QUE HÁ NO TEMPO
o que há no tempo,
que se expressa
no teu movimento?
na forma que reage
às coisas que vê,
no jeito se mover?
é a tua calma
ou a tua alma
o que me convida
a caminhar contigo,
se resistir ao ritmo
frenético da vida?
o que carregará
teu nome e o meu
será nascido
do amor tranquilo
QUANDO ESTOU EM TI
quando estou em ti
somos um só:
alma e poesia
querendo calma
e afazia
e a vida é sonho,
e o amor é o real
o mundo dorme
e só nós acordados.
e amor não faz contas
nem tem mistério
mata a espera
é só aqui e agora
volto a ti
meu destino
é o teu coração
meu país,
o teu corpo
minha sorte,
o teu olhar.
DENTRO DE MIM NASCEU HÁ DIAS UM ANIMAL
dentro de mim nasceu há dias um animal
alimenta-se dos meus pensamentos e cresce
engole a palavra que eu guardei
para a mulher que vive no meu futuro
ele sacia sua gula comendo a palavra
que a ela eu direi sob céu do silêncio
o animal me faz esbanjar as horas
folheando calendários, relógios de corda
quer devorar o tempo que demora
para sair do peito quando for a hora
AOS MEUS OLHOS PERTENCE A CIDADE
aos meus olhos pertence a cidade
que nos acolheu,
que nos viu caminhar de mãos dadas
falando do amor depois do amor
a cidade me ensinou a ser
o homem pra te amar com a força do mar
e não há força maior que o mar
esta cidade conta as horas pra eu te rever,
mas ela sabe o quanto estamos juntos
atravessando a janela da pele dos dias
É COMO ESTAR DENTRO DE TI
QUANDO TE PENSO
Meu corpo é uma pira
Queimando lenha e tiras
Uma chama gira
Vibração e desarmonia
Flor do dia, fúcsia fantasia
Violetas, rosa magenta
Silêncio e alumbramento
aaaahhhh
O SONO COMPARTILHADO
não sou mais eu
— digo à mulher que desejo —
me transformei na vontade
de querer amanhecer com ela
vem ficar em silêncio comigo?
— digo à mulher que desejo —
descansaremos das palavras
o desejo se nutre no olhar
sem tentar nominar
o que nenhuma palavra
poderia descrever
o que a vida faz valer
e as palavras são tão generalizadas
DIA A DIA, VENCEMOS PALAVRAS
dia a dia, vencemos palavras
e inventamos a nossa duração
dia a dia, inventamos
o nascimento do amor
o acaso é a nossa condição
o tempo nos agarrou pela mão
nos fez rir, chorar... aguardamos
o tempo sempre foi um ladrão
mas um dia a poesia nos levou de trem
e descemos na mesma estação
O DESEJO NÃO É FEITO DE PALAVRAS
o desejo tem língua própria
língua que é açoite
lambendo orelha
e sem uma só palavra
escuta outro desejo
o desejo sabe esperar
numa sala de estar
numa mesa ou num sofá
quem sabe até
sob o céu de Marabá
de tanto desejar
não pode evitar
o gritar que sai do olhar
e se ouve um não,
deixa fingir o coração
chama para caminhar
sentir o vento
em noites da sexta-feira
como se fosse a mão da felicidade
nos tocando nossa face
e ainda que não compreenda
o coração adivinha:
não podia ser de outro jeito:
o desejo é a cor
que eu não conhecia
CRIEI CONTIGO UM DIA PURO
criei contigo
um dia puro
com o vento repetindo
as ondas do mar
do nosso desejo
florindo falas
e não era escura a noite
nem era mudo o dia
era só poesia
na maré da alma
era olhar e calma
era verde o dia,
ver-te,
o que eu queria
A CIDADE
a cidade
ouve a minha prece
o céu adormece
o sol me esquece
te penso
só você me aquece
ONDEAR MINHA MÃO NAS TUAS COSTAS
ondear minha mão nas tuas costas
no maramor do teu pescoço
e nos teus seios-mel : brancos lua-cheia
no ritmo da maré dos teus ais
o aroma doce dos teus mais e mais
e ais
te guardo feito talismã
nua e bela nas manhãs
no fundo do peito, protegida do tempo
ou do frio do sofrimento
janeiro, 2018
Vanderley Mendonça é poeta, tradutor e editor dos Selos Demônio Negro e Edith. Traduziu, entre outros livros, Poesia Vista, antologia bilíngue do poeta catalão Joan Brossa (Ateliê, 2005); Crimes Exemplares, de Max Aub (Amauta, 2003); Nunca aos Domingos, de Francisco Hinojosa (Amauta, 2005) e Greguerías, de Ramón Gómez de La Serna (Selo Demônio Negro, 2010). É autor do livro Iluminuras (Patuá. 2013).
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