Apesar da importância de sua prosa ficcional, Adonias Filho não se destaca, como Guimarães Rosa, por exemplo, como autor de obra digna de abordagens da crítica. Não quero comprar os dois escritores, mas questionar a razão por que Adonias tem seu lugar ao sol tão ínfimo que, se fosse uma planta, teria morrido há muito.

Muitos já ouviram falar de seu nome, mas pouquíssimos lembram-se de uma obra sequer que tenha escrito — e aí entra um rol respeitável, como Corpo vivo e Memórias de Lázaro. Publicações esparsas de literatura brasileira citam sua obra e seu nome e, quando se pensa em trabalhos acadêmicos, o que sobra é a falta de referências a respeito de sua obra. Por que, então, mesmo apresentando semelhança de proposta estética com outros autores da mesma época (alguns que, como William Faulkner, ultrapassaram as fronteiras nacionais e terminaram por influenciar autores de outra raiz linguística) e tendo, como escritor, características estéticas e formais que o diferenciam dos demais de sua "geração", o autor baiano não apresenta fortuna crítica compatível com a sua dimensão literária? Em bom português: por que não se comenta a respeito da obra de Adonias Filho?

Em sua enciclopédica História da Literatura Brasileira, Carlos Nejar assinala que "há um injustificado silêncio sobre a ficção extraordinária de Adonias Filho". À primeira vista, os dados levam a supor que esse esquecimento teria sido ideologicamente forjado, já que, a partir da década de 1960, o autor baiano ocupou cargos administrativos na área cultural. Adonias Filho é um escritor esquecido, que se aproximou institucionalmente da Ditadura Militar e que teve sua imagem, e, por conseguinte sua obra, vinculada àquele governo repressor. Acabou reduzido a um escritor entre margens: nem definitivamente próximo da ditadura, mas certamente distante da crítica.

Vejamos: fazendo um inventário apressado, vemos que, em 1966, ele foi eleito vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa. No ano seguinte, foi nomeado membro do Conselho Federal de Cultura, sendo reconduzido ao mesmo cargo em 1969, 1971 e 1973. Também foi presidente da Associação Brasileira de Imprensa em 1972 e presidente do Conselho Federal de Cultura de 1977 até 1990, ano de sua morte.

Vê-se que permaneceu institucionalmente ligado ao aparelho de Estado, mesmo depois de encerrado o período ditatorial. Assim, sua manutenção em cargos executivos da cultura, mesmo após a instauração da chamada Nova República (1985), foi apagada, não abonando sua participação naqueles órgãos culturais quando o país era regido por um regime de exceção.

Pode-se supor que esse trajeto, para uma parte da crítica, teria atrelado política e ideologicamente o homem Adonias Filho às ações da Ditadura Militar (1964-1985), o que pode explicar o fato de que boa parte da crítica literária de então rechaçasse a possibilidade de que sua obra fosse objeto de análise.

Ainda devemos lembrar que aqui não cabe censura alguma àqueles estudiosos: tolice ou não, e julgamentos à parte, o país passava por um período conturbado, de quase guerra, e pouco afeito a perdões. Assim, a suposição da existência de uma relação entre a sua baixa fortuna crítica e sua participação institucional no aparelho do Estado de um regime de exceção, em paralelo com a grandeza de sua obra, vislumbrada, sobretudo na sua chamada "trilogia do cacau" (Os servos da morte, Memórias de Lázaro e Corpo vivo), foram os motivos que fizeram com que sua obra figurasse como assunto deste texto. Assim como já veio tardia a tal "Comissão da verdade", instituída por uma presidenta ex-guerrilheira e ex-torturada (existe isso?), igualmente está na hora de resgatarmos alguns escritores de qualidade que, supostamente por razões não literárias, encontram-se num limbo crítico.

São os Simonais da nossa literatura.

 

 

 

setembro, 2018

 

 

João Peçanha nasceu em Niterói/RJ há bastante tempo e escreve desde que se lembra, embora tenha tido problemas crescentes com a memória. Dirige a "Escola de Narradores" e é idealizador do coletivo de escritores Artes da Escrita. É membro da Liga de Escritores de Juiz de Fora. Autor de contos, peças e romances, é professor e doutor em Literatura Comparada (UFF).

 

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