©laura makabresku
 
 
 
 
 
 
 

Dia branco

 

 

Uma escuridão

Aqui dentro e os espíritos brincam

Brincam e escondem as verdades

As gretas suaves de luz

Não deixam passar a cena

O mundo ignora

Suspenso

Esse inevitável tumulto

E muitas vozes

Que você tenta não ouvir.

 

 

 

 

 

 

Cerne

 

 

Esta é a fase mais aguda

A transfiguração do momento

Da vida que você dizia levar

Tão bem

Não me tenha com essa culpa

Nem me atravesse com julgamentos prontos

Conservadores

A carne de hoje já está deveras contaminada.

 

 

 

 

 

 

Eu quero ouvir as vozes

 

 

Dos meus fantasmas

a solidão me deixou muito perto

destas coisas vis.

Não me recordo do meu outro nome ou

de como eu costumava ser.

Depois da cegueira

depois da ternura

nada restou.

O amor pode ser um

equívoco dos deuses.

 

 

 

 

 

 

Ponto

 

 

Aquele ponto que nos toca fingindo

Não ser nada

 

Que nos divide

Sem saber

 

Atravessa o tempo

Coloca a vida nossa em risco

Em xeque

 

Em setas

Em abismos.

 

 

 

 

 

 

História

 

 

O capítulo penúltimo da promessa

em vão

o castigo e o cansaço.

Não mais te escutam os anos

nem essa voz desconexa.

Não há uma alma

ou qualquer reprise

canal apagado e quase irreal

do que era um legado.

DNA controverso de nunca aceitar

o tempo

as teias da casa

o desaparecimento

do amor.

 

 

 

 

 

 

Lugar imperfeito

 

 

Qual ponto seria o de agora

Exatamente

Instantâneos

Coração metáfora

 

Tenho os dedos roxos esta manhã

E pássaros às minhas costas

Partes do dia que desordenam

O feio o triste o desespero.

 

 

 

 

 

 

Final da tarde

 

 

Das coisas repetidas do final da tarde encerro

algo tão apressado em mim, em círculos

dos mosquitos, destas faltas tão óbvias

tudo sem final aparente.

 

Ele me diz tão sinceramente: não mate as aranhas da casa

elas tão leves, insistentes

belas desenhadas contra parede

penso repetidamente

em trocar de lugar

vantagem de permanecer imóvel

em teias.

 

 

 

 

 

 

Um novelo desenrola-se conforme o tempo,

 

 

alguém se move com descuido,

na sua maneira de agir, a de não amar. Não tem nenhuma lógica onde pisamos, nem há garantias nas suposições exatas. Poderíamos ser aquele pássaro indefinido errante e, quem sabe, distante de tudo, em algum momento, por merecimento. Os meus segredos residem nas entrelinhas de qualquer nota. O dia transforma-se em interminável.

 

 

 

 

 

 

Por capricho

 

 

Enrolei meus dedos nas linhas do sol

quis ser o oposto

lunar e calma, dissidente de alguma política torpe

encarei alguns medos, mas não quis seguir teus rastros

a paralisia molda meus pelos poucos

incapazes infinitos

indeléveis.

 

 

 

 

 

 

 

Abandono

 

 

A estante torta da casa

o peso ausente do seu olhar

: portal para outra vida

paralela secundária

 guardada no interior.

Vidas marcadas

por onipotências surdas

 e inevitáveis

noventa e nove por cento.

 

 

 

 

 

 

Início

 

 

Tudo que eu poderia dizer: eu só desejo descanso.

Os pés descalços.

Atravessar tudo como num raio de uma vida. Secreta vida.

Um alento, as contas pagas.

Os olhos bons, o sono em dia.

Nem tudo debaixo do tapete

da opressão também.

Somos todos suicidas. Desprovidos de controle.

Apenas descobrir um último endereço de encalço.

 

 

 

 

 

 

Outra história

 

 

Ele fala comigo

percebo que conversa apenas com ele.

Não distingo a dor

dos seus cotovelos afundados no sofá

braços avarandados.

Outra história pairando no ar

entre nós.

Distraídos estamos

e tão desatentos a esta voz.

 

 

setembro, 2018

 

 

Leila Lopes de Andrade é graduada em Letras Vernáculas e Comunicação Social. Participou da Antologia Meditações sobre o fim — os últimos poemas (Portugal: Editora Hariemuj/ Portugal). Tem poemas publicados em várias revistas eletrônicas. Edita mensalmente a Revista Cultural Diversos Afins.

 

 

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