A gestação é o estado resultante da fecundação de um óvulo pelo espermatozoide, envolvendo também o subsequente desenvolvimento, no útero, do feto que foi gerado pela fecundação, encerrando-se na expulsão, chamada de "parto" ou "nascimento". Nos seres humanos, a gestação ocorre no período de nove meses. A barriga que carrega o feto cresce e adquire uma forma circular. O romance de estreia da autora potiguar Goimar Dantas, Aquele Mês de Abril, é uma gestação que se dá em apenas um mês e dialoga com triângulos pintados em quadros que nascem a partir de uma narrativa circular. O romance começa e termina com uma personagem "grávida de palavras".
Embora seja a primeira investida de Goimar Dantas no gênero romance, os leitores que a conhecem de outros livros e gêneros irão reconhecer, nesta gestação, o DNA da poeta criadora de imagens, da pesquisadora e da jornalista, que faz nascer a história de um triângulo amoroso composto por quatro personagens, vértices de uma trama que mistura lirismo com alguns tons de tragédia. O parto narrado em Aquele Mês de Abril é fermentado em uma barriga-livro que abriga quatro fetos em cinco pinturas separados por quase dois séculos.
O pano de fundo do triângulo de quatro vértices (poder-se-ia chamá-lo de um retângulo) são cinco telas do pintor José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899), ícone das artes plásticas do século 19, e tema de pesquisa de uma das personagens no romance. São as telas de Almeida Júnior que pautam os cinco capítulos em que o livro é dividido, e elas pintam as páginas que narram os encontros e desencontros entre a professora de artes Ana, casada com o cirurgião Pedro, a jornalista Helena e seu marido, o artista plástico Theo. Goimar, em constante intertextualidade entre literatura e artes plásticas, pinta as palavras em cinco capítulos, tendo em mãos uma aquarela que pincela dramas em uma tela que é a cidade de São Paulo.
O enredo tecido em Aquele Mês de Abril carrega o leitor por formas que vão se deformando no decorrer da narrativa. Trata-se de um romance geométrico, talvez trigonométrico, com ângulos retos e tortos. A forma predominante é o triângulo. Mas os triângulos todos do enredo estão inseridos na forma matriz da sua narrativa, que é o círculo: afinal, a história começa redonda e termina redonda, em uma barriga escrita com palavras grávidas, que iniciam e terminam, no mesmo ponto, a história, fechando um ciclo.
Um exemplo dessa narrativa que se forma deformando formas é o capítulo 3, "O Importuno", título também de um dos quadros de Almeida Júnior. Nele, vê-se uma pintura com imagens simétricas, cheias de duplos (dois tapetes, duas cadeiras, duas telas, duas pessoas), mas que são, na verdade, trios. Vale observar que uma tela retangular é composta de dois triângulos simétricos que se encaixam. Há, no quadro "O Importuno", a presença de um homem e de uma mulher que percebem a chegada de uma terceira pessoa (o tal "importuno" que dá título à pintura), que não aparece no quadro, mas é o tema da tela. O terceiro elemento é, portanto, uma presença sutil, um três escondido em uma face de dois lados. Goimar conduz sua narrativa com pinceladas que levam o leitor a enxergar dois lados em uma situação que esconde uma terceira possibilidade.
Embora o romance de Goimar seja construído com elementos que surpreendem o leitor, em alguns momentos, a narrativa se contradiz, justamente ao encarcerar o leitor por ser pintada com um certo excesso de didatismo. Nem tudo precisa ser explicado, o leitor pode ser deixado só, mergulhado na história, com algum ar para respirar por conta própria. Por exemplo, ao mencionar o Doutor House, personagem de um seriado, a narradora entrega para o leitor um desnecessário aposto, explicando a referência ao seriado de televisão. Em um romance que é construído justamente naquilo que está escondido, no sutil terceiro vértice de um triângulo que aparenta ter apenas dois lados, o leitor poderia lucrar com algumas pinceladas menos carregadas de informações óbvias. Esses pequenos deslizes, no entanto, não comprometem as rasteiras, tecidas na tela do livro, que o leitor menos atento pode levar com uma escrita que colore as páginas por meio de personagens com grande densidade psicológica.
Aquele Mês de Abril é um romance gestado no mês que marca o início da primavera no hemisfério norte, ou seja, o início de um florido ciclo. No entanto, a narrativa se passa em São Paulo, no seco, poluído e pouco confiável clima que só a capital paulista é capaz de conferir. Portanto, o leitor que se aventurar pelas páginas de Aquele Mês de Abril não deve se esquecer de usar uma máscara, pois a tinta da tela pode ser fatal.
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O livro: Goimar Dantas. Aquele mês de abril.
Guaratinguetá: Penalux, 2019, 164 págs.
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junho, 2019