Maricota lendo o jornal (no jornal anda todo o tempo)
Nove noites e dias cai do céu uma bigorna
E só no décimo atinge a terra —
Nove noites e dias cai da terra uma bigorna
E nem no décimo atinge o país.
Não havia nisso desvergonha nenhuma.
(Só nos interessa o que não é nosso
Hesíodo submerge bárbaro e nosso)
Fatalidade do primeiro branco aportado:
Povo e governo superam a sublevação
É só o general já ir com mão de ferro
Dominando a situação
O movimento subversivo declina,
Mas os estados já estão
Contra
O congresso declara a presidência vaga
No país da cobra grande —
Queremos uma garotada
Que comece a não se interessar
Por política
Que comece a aprender coisas que
Possam levar
A quem sabe
Ao espaço
No futuro
No futuro
Tão adiado tão baldado tão repetido tão perdido
Futuro —
A riqueza dos bailes das frases feitas.
Abra a cortina do passado
Deixe cantar de novo o aedo
A merencória luz da lua
Quem quiser vir
Aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade —
Agora: o país não pode ficar conhecido como paraíso.
O senhor presidente da república deixou a nação acéfala
Em hora gravíssima.
Os filhos
O pai engolia-os
Tão logo cada um do ventre da mãe descia aos joelhos:
A massa quer respeito à família
Estão proibidas as rinhas
De galo
E o uso do biquíni
Nos concursos de miss.
As mulheres
Não se pode deixa-las à rédea solta
Periga quererem governar-nos.
(Soldados sob o comando do grande mouro general sozinho com seu cachimbo se
Deslocam para depor o presidente.)
Sim, bem primeiro nasceu o pai e com a mão direita
Suja de petróleo
Disse-nos: o petróleo é nosso
Não poderá o nosso petróleo cair em mãos estrangeiras.
País de dores anônimas.
O filho com violência e mãos dominando-o
Logo o expulsaria da honra e reinaria entre imortais.
É o pau é a pedra é o fim do caminho
São cinquenta anos em cinco são cinco anos em cinquenta
E a família com deus pela liberdade
Econômica
De empreender
De concentrar
De repetir
Por fazer singular mercê.
Só a antropofagia nos une
Roubamos coisas dos hotéis roubamos o assento salva-vidas do avião
Achamos que saímos de casa e podemos carregar tudo.
Sabemos muita mentira dizer e símeis aos fatos.
Pela memória do coronel torturador estuprador — o pavor —
Pelo exército pelo país acima de tudo por deus acima de tudo
Pelos porões acima de tudo
Para preservar de esbulho criminoso o mandato que o povo lhe conferiu
É o fim do comunismo no país
Do bolchevismo cultural
Pela conservação do elemento servil
Hoje aspiração aclamada por todas as classes
Com admirável exemplo de comichão por parte dos proprietários —
O exército domina a situação e conclama o povo a manter-se em calma.
É só o capitão já ir com mão de ferro —
Não, com mão tão inábil
Por isso tão brutal —
É só o capitão já ir desmantelando o que há.
O que se quer — e já —
É um governo definitivo apartidário e democrata
No casamento a mulher é submissa ao homem — é uma questão de fé —
Pelo direito à sacrossanta violação
Por um país sem abortos:
E filhos os mais temíveis
Detestava-os o pai
Tão logo cada um deles nascia a todos ocultava.
Não podemos imaginar que os agitadores e os comunistas
Condescendam em ficar de braços cruzados aguardando que o congresso
Dê as condições para enfrentá-los dominá-los sodomizá-los
Abra a cortina do passado
Há só a promessa
Cessadas as operações militares
A calma volta a reinar no país
Aceitou o grande capitão de ofuscante fala e curvos feitos
A honrosa missão de governar
Neste período de grandes desafios de enorme esperança
Governar com vocês, elites vegetais, de maneira a esmagar o povo
De maneira a restaurar reerguer nossa pátria
Libertando-a
Definitivamente do jugo da corrupção
Ainda que as prestações de contas
Não reflitam a verdade do que efetivamente
Ocorreu em termos de gastos de recursos
Libertando-a
Definitivamente da criminalidade
Obliterando exterminando trucidando
E depois conspurcando os túmulos dos opositores
Da irresponsabilidade econômica
Prodigalizando milhões aliciando eventuais opositores
Da submissão ideológica
Ensinando o povo a moral da cegonha e a
Valorizar a família a respeitar as nossas religiões e
Nossa tradição conservando nossos valores
O país se desvencilhará das amarras ideológicas.
Fabulosa demonstração de repulsa ao comunismo –
Sim, bem primeiro nasceu o pai e com a mão esquerda
Com os dedos cinco menos um
Suja de petróleo
Disse-nos: eis o símbolo de nossa soberania.
Filho o mais terrível detestou o florescente pai.
País de dores anônimas.
Mas não há batalha antiquada
Nem tampouco disputa pelo ocorrido
Nem sequer pelo que há de vir
Há só esse momento empoçado
Há só a promessa
Da promessa
O presidente deseja
Partilhar o poder
Ministro dele ou é armamentista ou fica em silêncio —
As forças armadas destinam-se à defesa da pátria
À garantia dos poderes constitucionais e
Por iniciativa de qualquer destes
Da lei e da ordem.
O cidadão de bem merece dispor de meios para se defender.
(O grande mouro general sozinho divulga perfil prospectivo de um eventual
Governo só seu
E livre da indolência dos indígenas e da malandragem dos africanos)
Jabuticaba tão nossa
Bichinhos característicos interesse crocodiliano
Nunca tivemos gramáticas nem coleções de velhos vegetais
E com isto andamos tais e tão rijos e tão nédios
Que o não somos nós tanto com quanto trigo e legumes comemos –
O vigor e os brilhantes membros do príncipe cresciam.
Sempre fomos catequizados vivemos através de um direito sonâmbulo.
Do alto do pé de goiaba o deus anuncia:
Pelo direito de decidir quem vive
Só a promessa e a promessa da promessa
Só a maquinaria e o sangue muito
O retrocesso é só aparente
Porque assim também o avanço —
A riqueza das frases feitas —
Somos um povo atroz
Oriundo do estupro e do saque
Nosso coração de amianto é tão irascível
País de doutores anônimos.
Da tocaia o filho alcançou com a mão
Esquerda
Com a destra pegou a prodigiosa foice
Longa e dentada
E do pai o pênis
Ceifou com ímpeto e lançou-o a esmo
Para trás —
O ministério tem um rumo uma direção
Para trás
E quem não concorda, por favor, avise, que será tirado
Esse momento empoçado
Ai, que preguiça: ame-o de tal modo
Que tenha de amá-lo
Outra vez,
Esta é a tarefa.
Os unidos estados
Acompanham cuidadosamente e com preocupação
Bim bom
É só isso o baião
E não tem mais nada não
O resto é repetição
Esse momento empoçado
Ai, que preguiça et caetera per saecula saeculorum
Nove noites e dias cai do céu uma bigorna.
RGB (0,0,0) (ou Bandeira nova)
O país acima de tudo
Com peso de sangue
O ministro recomenda
Que se cante o hino
Que se espezinhe o
Cadáver do menino –
O país
Não há.
O país mudou-se de si
No lugar, a cova;
Ao lado, o monturo:
Alfabeto inane
— Os cadáveres autoproclamados
Atiram-se.
O país
Acima de todos
Jamais asilará velhos
Salvo se forem muito ricos
Os pretos são normalmente retirados das agências bancárias
À força
São normalmente estrangulados nos supermercados
Até à morte
As mulheres limpam a sujeira
E no remanso do lar podem ser
Violentadas defloradas espostejadas devoradas
Pelo pai onipotente
Absolutamente.
No país acima de todos
Com a boca podre abarrotada
O presidente de joelhos engrandece
O vigor do ditador pedófilo vizinho
O loiríssimo topete do untuoso generalíssimo do universo
Os ratos no cu de quem divirja.
(Os professores são incinerados na avenida.)
Oceano de sangue
Maremoto de chorume: a insulação do país
Acima de todos e
Fora do tempo.
O presidente tem prole como metástase
Os filhotes supuram pelos poros a mais fétida secreção —
Chamam-na opinião.
O país acima de todos
Pesa
Como a mão do deus do dilúvio
Tanto negócio tanto negociante —
Do arquipélago bacante a esbórnia é mais importante.
Tanta gente de bem cativa do vídeo amputado:
O sol raia laranja como lídimo calhambeque entre nuvens de glifosato —
O cadáver do menino normalmente sempre espezinhado.
MY BOOZE
Meu tio —
Você o conhece —
Atende por Mabuse
Rouba a própria mãe
Escarafuncha o porta-níqueis
O cesto de roupa suja
Cheira as ceroulas da velha
E lhe vende lavagem
E lhe vende câncer e tripas reviradas
E lhe vergasta o corpo de múmia saqueada.
Meu tio prostitui a própria mãe —
Cinquenta centavos e a velha deposita a dentadura em um copo com água —
Meu tio é o judeu do reich de mil anos meu tio
Conta mil anos de vida e ainda não se aposentou e se ressente do prepúcio
Meu tio esbraveja às gentes no mercado:
O führer quer apenas agitar as massas
Meu tio choraminga
Deseja um papaizinho über alles
Meu tio atende por Mabuse
Morreu mil vezes nas câmaras de gás.
(A noite tresanda: a memória
É a carniça aberta;
A luz corre e corre como cocaína
Sarjetas infartadas
A enxurrada desce como um fungo fundo —
Meu tio dança o bolero de Ravel no risca-faca.)
Meu tio pesa mil quilos
E aos domingos faz churrasco de si mesmo
Meu tio é o negro bom e atende por Mabuse
Morreu mil vezes por portar um guarda-chuva
Meu tio é o melhor engraxate do Rio de Janeiro
Os soldados o procuram e enfiam-lhe os coturnos goela abaixo
Meu tio é o homem de bem
Dedura seus vizinhos negros — mas não negros como ele —
Meu tio bate palmas continência punheta
À foto do presidente presa no espelhinho do banheiro
Meu tio pesa mil quilos e o presidente lhe disse que ele não passa de sete arrobas
Meu tio tem mil filhos e o presidente lhe disse que ele não serve nem para procriador
O presidente disse que gasta mais de um bilhão com o meu tio,
Mas meu tio tem mil fomes,
Mas meu tio anda com um rato no cu,
Mas meu tio vende craque às mulheres grávidas —
Meu tio tem mil faces que as retinge na carvoaria.
É preciso mil milhões de litros de cachaça para que possamos engolir
O churrasco de domingo.
Meu tio:
Você o conhece — ele esfaqueou a mulher
E elegeu o presidente da família.
Pedro Moraleida, A Virgem e Seus Filhotes Verdes, Série Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina, subsérie Germânica. Acrílica sobre papel, 122 x 86 cm.
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Mitomania (Ou A micturição de ouro)
Mas
Quando o ciclope encheu o grande estômago
Após comer carne humana —
O chão fumegava com sangue —
Bradou brado estrambótico
E todos puderam sentir desde distâncias
O fartum o miasma o bafio
O bafo que tresandava a
Mais podre bosta:
Caso houvesse cidadão com arma regular
Dentro de escola regular,
Professor servente um policial militar
Aposentado — e nisso gargalhou
Com regougo de mil peidos e bem estouvado —
Ele poderia ter minimizado:
Vamos chorar os mortos — e nesse passo riu mais —
E o fracasso do malfadado
Estatuto
Tão bonitinho
As criancinhas
Todas
Alvejando
Com os dedinhos tão anafados —
Para enfrentar uns demônios armados desses
Só mesmo com instrumentos assemelhados
Se a legislação permitisse
O cidadão de bem prosseguiria na marcha da morte
E depois exporia
As degolas no museu
De antropologia — e aí gorgolhou com voz de mil bueiros
E regozijou com chuva de mil chuveiros
Dourados.
E continuou, o monstro:
Na mão
De cada cidadão
O varonil revólver o farto bacamarte o robusto trabuco
E está feito o jagunço:
O Estado que se estropie para lá
O presidente não há — é mito —
Não há isto mas há ismos e
Importados a mancheias
Não há analfabetismo bastante
E faz-se fascismo com tempero
Só nosso
O país fac-similar
Pelas musas comecemos a cantar
Assim emprestemos ao monstro voz loquaz decifrável
Em tudo inverossímil
Em favor do canto prestável:
Mas quando o ciclope aplicou empalhamento
Nos famélicos miseráveis
Reclamou muito grave:
Quero meu lanche sem molho
E se preciso for
Estourar-lhe-ei os miolos
A mulher tem não muito grande importância, mas tem
E está fazendo um trabalho excepcional.
No atual estágio da modernidade
Em que vivemos simples
Ligação telefônica ou mensagem instantânea são
Suficientes para permitir a ocultação
De grandes somas de dinheiro
De grandíssimo presunto prazenteiro ou mesmo
Para afamar o mítico aurífero
Chuveiro
E mais digo:
O país não é um terreno aberto onde
Pretendemos construir coisas para o povo
A lei é para bobos
Estou chocado com a leviandade
Quis a vontade de deus
Dois milagres:
A minha vida e a eleição —
A política de imigração é o muro e não há objeção
Quando estão abertas as fronteiras sem seleção
A todo tipo de refugiado
À maioria dos imigrantes mal-intencionados.
A democracia emana dos Unidos Estados
E é deus o realizador da geografia
É bem-vindo o conquistador peralvilho
Que pode ajudar a financiar nossas rodovias nossas cotovias
Nossos cotovelos nossas virilhas
Ir atrás de concessões de petróleo e gás
Nós vamos vender nós vamos rifar
Eu adoro
Coca-cola coca negra disneylândia adoro ratos usualmente:
Ditadores torturadores
Estupradores pedófilos zoófilos anglófilos coprófagos
E deus por cima de todos —
Ele conversa com o presidente e
Se o presidente quiser
Conversa comigo.
junho, 2019
Jefferson Dias, autor dos livros de poesia Último festim (Multifoco, 2013) e Silenciosa maneira (Medita, 2015). Tem poemas, contos, traduções e resenhas publicados em periódicos e portais de literatura, tais euOnça (editora Medita), Opiniães (USP), Caliban, Literatura & Fechadura, Ruído Manifesto, Ponto Virgulina, TriploV e Gazeta de Poesia Inédita. Trabalha na tradução do poema "Briggflatts", de Basil Bunting.
Mais Jefferson Dias na Germina
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