prólogo menor
para W. J. e S.
mandar à merda
às favas, já mandei
tanta gente, tanta pessoa
burra ou chata já mandei se foder.
agora, vou deitar os botões da camisa
sob o travesseiro. boa noite.
"O grande romancista André Gide disse certa vez: cada coisa que possuo se torna opaca para mim". W. Benjamin
0
vide o vazio do vidro
: colossal e indolor
até que em corte nos separe.
1
ali aonde chegam os homens
as mulheres
as crianças
ali onde a mesa aposta numa frase boa
numa conversa longa
numa prosa só
por um momento ouça:
vide o vazio
onde a cegueira se perde de
vista
numa infame
bruma
nebular.
2
vide o vazio e todo o seu aspecto
de nuvem
de frio.
o vazio da nuvem
incomoda
os olhos.
o vazio
da nuvem vazia
corta os olhos
como o frio
corta o
interstício.
3
resiliência carrega
em si o
vazio
de todas as outras palavras
ao esmo
resistência
carrega
em si o vazio
como qualquer outra palavra
preenchida de palavra.
eu não vivi para ver o tanto se contrapunham
pelos ombros opostos
logo eu:
porquinho-da-índia recheado
ao molho burjoá.
4
é assim a vida — vide o seu vazio
que às vezes se enche de merda.
vide o vazio, disse
esperando que setembro devorasse
outubro.
vide o vazio, pensou
pra sustentar a fala
quando a chuva inundava os corações
(pudera comovidos por novelas).
vide o vazio
com seu aspecto
ocioso. onde pode
um homem ser
e se sentir homem
onde pode uma mulher
deixar o tempo tocar
as histórias sussurradas
em seus ouvidos pra
serem esquecidas.
vide o vazio
e seu aspecto
de penúria e saudade.
no vazio
pode
fica
esvai.
5
veja a vã vaidade
: ante tudo isso
lhe resta o silêncio de tola
ironia
6
além disso, uma coleção casual pode definir
— e se isso define alguém —
o q todo mundo sabe.
7
esta camada não te mostra
o insensato
da dúvida. não venha
com bobagens e mentiras
programadas.
ó captain my captain, nossa
tenebrosa viagem
não acabou.
um pouco
de espaço
de folga
brio nos olhos
quando lhe refletir
o vazio avistado.
vide o vazio e seu palco de associações livres pelas tabelas
como aquela noite em que pegou seus cães pela madrugada
e resolveu soltar sua merda cidade adentro.
[do livro menas, no prelo]
junho, 2019
miguel jubé é natural de Goiânia (1987). Concentra seus estudos em poesia luso-brasileira, estética e processos editoriais integrados à impressão. É doutor em Estudos literários (UFG) e editor pela martelo casa editorial. É autor de poemas de minimemórias (Porto: Calendário de Letras, 2015/Goiânia: Caminhos, 2015) e eugênio obliterado (Editora da UFG, 2017). Ganhou o Prêmio Literário AICL Açorianidade (2014) e o Troféu Goyazes Leodegária de Jesus (2018).
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