CINCO PEQUENOS POEMAS PARA
EMOLDURAR PAISAGENS
1. FERTILIZAÇÃO
Aproxima-se o temporal.
O odor das árvores no cio.
2. CORO
Eucaliptos são árvores canoras.
Só precisam que o vento lhes dê o tom.
3. VERMELHO-SANGUE
Com os pulsos cortados,
a tarde se deita no horizonte. Faz-se noite.
4. UM BRINDE AO SOL
A noite derrama seu licor
sobre a toalha de mais um entardecer.
5. GARÇAS
Anoitece.
As árvores recolhem
suas asas.
TIJOLOS
Meu pai: pedreiro;
eu, escritor.
Ele lida com tijolos, cimento;
eu, com palavras, pensamento.
Muros ele ergueu,
Muitas casas reformou,
Tantas outras construiu.
E eu
o que ergui,
o que reformei,
o que já construí
com esses tijolos de vento?
PONTO FINAL
A morte é um bonde
que não tem hora para passar.
A vida,
todos já sabem,
é passageira.
FORMIGUEIRO
Queria parar de escrever,
construir minha obra
em torno do silêncio,
mas as palavras
são formigas insaciáveis:
de migalha em migalha
carregam meu silêncio
para fora de mim —
e fazem dele matéria-prima e alimento
para o que escrevo.
XADREZ
Enquanto os grandes mexem suas peças
derrubando torres
manipulando bispos
enforcando reis
entre cavalos e peões
os pequenos movem suas vidas
cada um no seu quadrado.
SILÊNCIO DE PEDRA
Soltei uma palavra
e o vento levou.
Outras palavras
foram soltas
e levadas pelo vento.
Calei-me, então.
Meu silêncio o vento não leva.
LER: VOAR
o pássaro
agarrado ao galho
o sol
empoleirado no horizonte
o livro
pousado na mão
DE REPENTE O VOO
e o pássaro
permanece no galho
e o sol
desaparece no horizonte
enquanto tombam sobre a terra
as pálpebras da noite
SOBRE AS PÁGINAS
PLANAM OS OLHOS
O VOO DA LEITURA
1964
Em terra de cego
quem descobre a cura da
cegueira
misteriosamente
fica mudo.
Em terra de cego
não adianta clamar por justiça.
O rei tem um olho,
realmente,
mas é surdo.
CHAGA
O Homem
é a chaga de Deus.
"Veja, Tomé!
Se ainda não crê, toque-a".
A chaga sangra.
Deus nos lambe como um cão.
"MÃE, ONDE ESTÁ A MINHA MEIA?"
De tanto dobrar as semanas
e guardá-las desatentamente
nas gavetas da memória
nunca sei onde encontro
as lembranças mais felizes...
e me visto assim de trapos apertados
ou me mantenho nu
sobre a pilha dos dias
que amontoo ao largo de mim.
_O VÁCUO______Pensamos o tempo
______________como se fosse uma escada:
____________a certeza do amanhã
__________como um degrau
________à nossa espera.
______Ilusão. A vida é um arame
____estendido no vazio.
__Um passo em falso
_e despencamos para
o NADA.
NÃO ESCRITO
Compus um poema com todos os meus silêncios.
Ainda não o escrevi. Temo que soe como um grito.
POESIA AFIADA
Nada contra os poemas-adereço
em oferta nas vitrines do agora:
eles enfeitam a vida por um instante
como um par de brincos num baile.
Raro é o poema que nos despe
ante a nudez do mundo:
espelho ou tatuagem
que nos marca profundamente.
A FELICIDADE É UMA LIBÉLULA
e a compaixão, um anzol
mergulhado num rio
caudaloso e profundo.
Se me descuido,
qualquer dor alheia
me arrasta para o fundo.
março, 2019
Wilson Gorj lançou-se como escritor em 2007, com o livro Sem contos longos. Em 2009, deu os primeiros passos para tornar-se editor de livros e, à frente do "Selo 3x4: microficções", publicou em 2010 a obra Prometo ser breve, também de cunho minimalista. O terceiro, pelo mesmo selo, veio em 2012: Histórias para ninar dragões (minicontos). Foi nesse o ano que nasceu a Penalux, editora que fundou em sociedade com o poeta e editor Tonho França. Desde então tem se dedicado quase que integralmente às atividades editoriais. Nesses dez anos como editor, participou da edição e publicação de mais de 700 títulos. Orgulha-se muito disso, mas seu orgulho maior é ser pai da Marina (inegavelmente, sua melhor obra).
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