Anteprojeto

 

carrego n'alma

um domingo com a filha que terei

a velhice na cama dividida

o horizonte concluído da janela

 

mas um escorpião tem medo de fogo

em meu sangue

dança e derruba sua peçonha de 4 patas

que me põe de pé quando sou homem

 

e eu sou mais veneno

que paisagem

 

 

 

 

 

 

Duelo

 

meu fim de mundo

tem duas opções

e meio purgatório

me equilíbrio

 

Guiam-me com o olhar

de seus retratos.

 

Visto o sobretudo de Eliot,

britânica é a sombra

que bate ponto do

lado direito

do silêncio

 

como um paciente em coma

meu coração é uma terra desolada.

 

Fumo com Rimbaud

a última baga

de haxixe,

o lado esquerdo de meu

riso repete o dele

meu coração

é uma estação no inferno

 

 

 

 

 

 

Cartilha

 

cortar,

se for à própria veia.

Desvios não vêm em ditado,

infinitos saíram de série.

 

Cada viagem

com seu abismo,

cada artista

um suicídio.

Meu tempo é multidão.

 

O pior cego é o que não usa os seus olhos.

O que me dói tem duração.

Minha maldição não cabe em linhas,

departamentos, nem barulhos.

 

Minha ordem

é o desarrumo.

 

 

 

 

 

 

Cordial folhetim do encontro entre demo e o diabo

na cabeça de glauber e  no corpo de othon

 

Para Rômulo e Nêumanne

 

meu corpo coube ser palco,

embora precário e pouco

o desespero vestia

sua armadura de couro.

Meu corpo coube ser palco

para este drama barroco

 

duas vozes possuindo

o meu provisório corpo.

eu sou eu e minhas mortes,

o mestre em minh' alma acoito.

eu sou eu e minhas mortes.

eu sou Corisco e sou outro.

 

lampião acende o sol

que transfigura o  meu rosto.

minha alma segue a ordem

f(l)echada por um caboclo.

nas caatingas de minh'alma

guia-me a voz desse encosto.

 

A chispa que nos deu nome

é do mesmo e escasso sopro.

o meu mundo é reduzido

a um elemento: o fogo.

o golpe de sua ida

acima do meu pescoço

 

atingiu-me — facão cego

fez dois o diabo loiro.

as duas somas das partes

serão menores que o todo.

não vejo outra saída,

agora é olho por olho:

 

duas cabeças suspensas

só pela sombra de um morto.

 

 

 

 

Álbum

 

nenhuma imagem

salvou meu rosto

 

 

 

 

 

 

Lugar

 

onde o

desespero

escava um

nó exato.

Uma verdadeira

solidão

não seu relato,

o vazio mais intacto.

Descobrir um

caminho

e apagar os

rastros

 

 

 

 

 

 

Diante de uma tela de word

 

incompleta a obra in vitro lateja língua como de cobra

o branco      sobre o branco

 

       disparo de culatra nem arma havendo o cursor em coronha

dá de frente iluminando minha insônia de que todos os sonhos já foram sonha

 

  -dos. Procuro em fontes o que me esgota, os tipos que rejunto sorriem amarelos djavistos

 

que digito.

 

    ainda não me perguntaram nada, mas tudo já foi dito

 

 

 

 

 

 

Instalação para um suicídio

 

o sol entala

uma fome ao avesso

com gosto de paris

e de cereja.

 

Um faroeste

em tua fala.

Um caminho a ruir

a escavar:

câncer e música.

 

Seguir adiante,

mesmo que o deserto

nunca acabe

e permaneça

 

a dois finais

e uma sombra

 

 

 

 

 

 

Meu perfil

 

biruta

o vento me

preenche

de direções

 

tudo o

que eu aponto

é vazio

 

 

 

 

 

 

 

(Anti)go

 

solitário

como uma descoberta

diante

dos olhos

e do óbvio

 

prefiro

pão e água

 

ao pouco

partido

das panelas

 

nos livros

não dou

ouvidos às orelhas

 

e pinta um van gogh

no meu desespero

 

 

 

 

 

 

Dois ponto um

 

não inventamos nosso futuro

que sem nome e longe

se ultrapassa

sem saber para onde.

 

Preferimos não ter perguntas,

nem erros, mas,

velhos de photoshop,

retocamos a morte,

o sonho, a sorte,

o never more

e o nosso retrato

é um extra

 

sem filme próprio

 

 

 

 

 

 

Para lars von trier

 

pelo que falta, pelo risco, opta-

se. Ironia de contrários prova

que enquanto com nãos se faz um dogma

outro dogma, em dolby, em the end, em oscar

 

fica à mostra. A imagem como digital do não.

Um círculo de giz, uma narrativa: chão.

A verdade como outra maneira de ilusão.

O dedo de artistóteles, não o de platão.

 

 

 

(imagem ©van gogh)

 

 

 

 

 

 

Astier Basílio é pernambucano de Campina Grande, mora atualmente em João Pessoa. É repórter do caderno Vida e Arte do Jornal da Paraíba e editor do suplemento Augusto, desse mesmo jornal. Já publicou 5 livros e renega quase todos, exceto Searas do sol (Editora Idéia, 2001). Mantém no ar o blogue Eu sou mais veneno que paisagem, onde faz o exercício da confecção de seu próximo livro. Já publicou seus poemas em revistas como Poesia Sempre, Zunái, Cronópios, Bestiário e Correio das Artes.