.........Os joelhos se encontrando embaixo da mesa já é o suficiente. Nada de beijos, de carícias, de finalizações ansiosas. Só quero ter a certeza de que o seu joelho e o meu joelho, parte humana das mais frágeis, se encostem, transfiram uma certa voltagem.
.........O singelo amor entre joelhos me basta. O resto do meu corpo já foi maculado em outras oportunidades. Já desgastei minha pele e meus pulmões, já sobrecarreguei as veias. Meus olhos já viram e reviram, o que passou por uma orelha, saiu pela outra. Ou pela boca, do enjôo que me provoca a falta de sentido.
.........Neste momento meu corpo todo é só joelho, parte humana das mais nobres e estranhas. Possa eu assim controlar tudo, não ter medo algum. Porque se estou encostando e você está ficando é porque gosta. Nada é mais fácil do que desviar o joelho do encontro com outro joelho, não desejado. Se você está ficando é porque gosta. Um joelho é frágil demais para mentir. Além disso, a verdadeira devoção do joelho não é no ato de ajoelhar, quando cartilagens e peles ficam esmagadas, mas sim quando está assim, na posição de gente sentada. A pele fica lisinha e molda seu verdadeiro formato. Por isso nada é mais valioso, nem promessa de noivado, nem juras de casamento, do que aquilo que entrego a você debaixo da mesa. Ofereço-lhe a estrutura do meu joelho.
.........Cansei de prometer com os olhos, com a voz, com os gestos, prometer sem nem bem saber o que prometia. Agora é diferente. Só o que posso dedicar, meu único objetivo é o toque sagrado, na tenda que forma a toalha xadrez. Não como um começo, mas como um fim em si mesmo.
.........Algo me ocorreu: os joelhos pouco ralados das crianças, os joelhos operados dos esportistas. Mais do que aquela batidinha de médico, são eles que revelam como estão os reflexos dos seres humanos. Rápidos demais. Que bom que o seu joelho não se moveu involuntariamente e preferiu seguir parado, lento, encostado ao meu.
.........Quando eu levantar daqui, levando apenas os resquícios da fricção, estarei aliviada que disso não resultou nenhuma marca, nenhuma dor. O joelho tem a flexibilidade da articulação, só o que precisa é se encostar com outro, transmitir e receber uma certa voltagem. Pronto. A cartilagem porosa já está saciada. Já retém por instinto o amor e a paixão.
adriana calabró
de joelhos por você
Adriana Calabró Orabona, 34 anos, vive e convive em São Paulo entre livros, anúncios, danças, sonhos, responsabilidades, contas a pagar e a receber, verdades e mentiras. Atualmente, tem uma agência de comunicação. E por falar nisso, acredita na comunicação por palavras, por sons, por telepatia e por sutilezas: desde a mais tenra idade descobri a maciez das palavras. A leitura de Vacas Voadoras, Barões Vermelhos e Aladins pareciam vir bem a calhar para a minha mente desassossegada. Depois, as cartas. Escrevia para as amigas, para o irmão e muitas para a minha madrinha, justamente porque ela as expunha todas na cristaleira (minhas primeiras publicações na vitrine!). Na adolescência, a escrita passou a ser a minha releitura. Escrevia e me lia, escrevia e me lia, quando enjoava, escrevia diferente e fazia a revisão. Escrevia textos encomendados também. Redações dissertativas e narrativas. Assim, de todas as notas no colégio, as de português eram sempre as mais coerentes. As que faziam sentido. Na idade adulta, foram diversos os livros escritos, todos editados em folhas sulfite, nas prateleiras de meus armários. Dois infantis, um de contos, um de poesia e um romance. Ainda não era o tempo de aparecerem. Agora, em pleno ano de 2003, sairá o primeiro livro para o mundo: DezAmores, em parceria com mais nove escritores maravilhosos. Que bom. Deve ser porque agora o texto está realmente pronto.