(LÁ) DENTRO
em ti retinam sombras
e a luz-espaço
entre a
razão já deslocada
a um deslugar onde há
esperas todas
desarrumadas esperas
ilícitas azuis
faustas esperas burilando
outras
esperas desmesuradas e
ásperas assim
assim
esperas
EXISTIR
séquito de naus (súbitas
naus) de rizes esporadas a pro-
mover o arresto
inapelável
arresto malgrado todo zêlo
e o orbitar da coleção de
coisas
despiciendas
ANTES DO APOCALIPSE
ao que de dentro da névoa
retorquiu
mínimo
impenetrável
o Afogado:
"já não me
cripta mais
o que te acende num meio dia de sombras
devastadas
onde plantavas simetrias da Verdade
e eu
lívido
arauto das estrelas frias
fixas ancestrais orava incréu ao vento
peregrino:
ensina-me a passar
ensina-me a passar"
RIGOR SECRETO
fiel depositário das horas malsãs
em que me
perco e me perdendo tudo esqueço
vou sonegando à vida o vil e
injusto preço
que de pagar um dia revelou-me as cãs
um chá amargo e frio acende meus sentidos
e cava
no fundo de mim que não tem fundo
um outro abismo onde erram os
meus passos de chumbo
nos ázimos dias tão cálidos dias
perdidos
quantas estrelas se apagaram nesse abismo
que do
mar aziago era o limite impuro
a linha indiscernível traço mais
escuro
e nos espaços do soneto em que sofismo
resvalo
pelo vício imponho a cerca bruta
da qual o rigor e o som nenhum
ouvido escuta
INVENTÁRIO DAS PERDAS
meus versos
são banais e eu negocio
um prazo a mais, um sentimento
urgente
mesmo que vá ficar inadimplente
e este meu coração
reste vazio.
acreditavam ser a terra plana
acabar este mar de
forma abrupta
e novas ilusões que a vida oculta
na palavra que
salva e na que engana
(a palavra rejeita a força bruta
o capital, o
mercado e outras delícias
que o olho vê e o coração
perscruta)
ando correndo atrás do prejuízo e
não sei ainda
de fato o que preciso:
de vinho, de ambrosia ou de cicuta?
DA DISSIMULAÇÃO
escrevo, é certo, mais para ocultar
faço sonetos
não sei bem por que
coloco em versos o que ninguém vê
ou
sequer sente, nem quer escutar;
desloco este Parnaso até o inferno
onde vou me
danar sem alforria
persigo — cego — o rastro da Poesia
e o que
de mim pudera ser eterno;
me oculto no soneto, essa façanha
de todas a
menor, a mais estranha
e até ao pensar o faço em
decassílabos;
este meu coração que à alma empresto
a ela
contamina e, assim, de resto
não chove nem faz sol e a hora é
incerta.
CARNE DE PESCOÇO
me ancoro na Virtude, amo o Vício
e o Caminho já
não me captura.
Perdi o senso e ainda que sentisse
o mal na
pele ao largo da Ventura
contra a Natura e em franco
desespero
barganharia um tácito armistício.
Largo a Fortuna, a
previsão, o esmero
e ando sorrindo aos cravos do suplício.
De fato em nada mais eu acredito
e assim
destilo, em gotas, a ironia
quer no lato sentido quer no
estrito;
recolho as armas, ponho o meu pijama
e vou
sonhar com a Musa, essa vadia
que (há muito tempo já) não mais me
engana.
INTRAVENOSA
eu odeio sonetos e à mão cheia
despejo mais
sonetos por aí
não sei que praga é essa em minha veia
não sei
e se soubera me esqueci
vim de apagar-me: o palco é um insulto
a uma
alma que habita no sereno
mas o que nego a mim em mim avulto
e
ainda que morra afogo-me em veneno
eu vivo em tese e em tese me abandono
me nego e
me apago no soneto
como este que me dá ainda mais sono
não sei se escrevo já o que o olho inventa
ou o
que a vida trouxer reinterpreto:
qual a palavra que me
representa?
O NOME DO JOGO
...e eis que sigo
pistas falsas entre abismos
labirintos de névoas esculpidas como
fossem cadafalsos
e caio no breu sem trégua o breu que
arranha
o cais bem mais que a água impura onde afundei
meus
pés atrás de sombras baças
toca-me então o lábio frio e
invado inquieto
salas escuras de pedra antúrio e pedra
nácar e
pedra onde dormem
os sonhos que larguei na
primavera
sucumbe agora em mim um vago ardor que amava
tanto
e amplia os vastos territórios onde a lua
na luz negra
de um destino (cruel?) me iluminava
extenso amor sem
sombras nem lembranças
que o presente nunca remunera