leio-te com lágrimas aos olhos
como a adolescente ingênua
que chega ao final de um romance

cada folha que desvendo é um desfecho
cada fecho que desfolho é uma venda
recomeço, fim, cegueira, obsessão

passaste em minha vida tão impune
que não pude deixar de ver as linhas
de expressão a marcar dias em meu rosto
como prisioneiras perpétuas desta cela
que encarcera a mim dentro de mim

sempre diante de minhas janelas
sempre em incondicional silêncio
sempre indizível, e ainda assim revelação

soma-te assim a outros medos tantos
meus, que habitam a curva de teus ombros
quando dobras as esquinas te tornando
ainda mais presente.

tantas pessoas navegam sem rumo
o leito dos dias liqüefeitos que circundam
a linha da vida em minha mão canhota...

onde a apatia se esconde
senão no rastro das asas da andorinha
que teima em anunciar a vinda do verão
que nunca chegará?

espectros

girassóis errantes rodopiando noites
e noites adentro a procura de dias
escondidos atrás das cortinas
que existem e não estão lá
quando resolves passar

sigo a ler-te, dia após dia
diário sem tinta que apenas me conta
o que nunca deveria ser dito, mas sentido
sussurrando nas próprias orelhas
o que não quer ouvir

e eu aqui, colecionando notas
da melodia muda que teus passos tocam
pelas partituras, ruas sinuosas
que se perdem e acham nas esquinas cegas
linhas enigmáticas da minha mão.
colecionando partituras
anderson santos
dealers do sistema
Vinte passos para frente
— "Dá-se sonhos de futuro"
Vinte passos para trás
— "Vendo sonhos imediatos"

Um menino na esquina
de chinelo em dia frio
entre a sedução da vida
e a real ilusão.
©marie oudkerk
Anderson Santos, nascido em 1977, num janeiro do Rio de Janeiro, foi criado seguro no Porto Alegre do Rio Grande do Sul. Leitor desde novo. Escrevinhador há pouco mais de quatro anos. No coração, Matemático, mas leva tempo até o diploma. Dos reflexos e reflexões em verso e reverso que escreveu, alguns ganharam asas. Selecionado no Concurso "Poemas no Ônibus" da Secretaria de Cultura de Porto Alegre nos anos de 2000 e 2002; 3º lugar no Concurso Internacional de Poesia "Cantinho do Poeta II"; selecionado no concurso nacional "Mar e Amor" do site Mar de Poesia, convidado a fazer parte de coletâneas de amigos (Cantinho do Poeta) e de quem se tornou amigo ("Coleção Verso e Prosa Volume 1" — Sociedade de Escritores de Blumenau), selecionado no I Prêmio Literário Livraria Asabeça em 2002. Escreve por que transpira, não versos, mas trabalho.
dúvidas primárias (e secundárias)
Se eu te desse todo o meu azul
o que farias? Com quantas cores
tu compensarias minha falta
de horizontes? Serias capaz
de me mostrar verdes e violetas?
Quais seriam os limites dados
se me restassem os amarelos
e os vermelhos? Qual a cor do mar
que me guiaria até meus portos?
Se eu te desse todo o meu azul
suportarias? Suportarias
saber-me dias quentes, enquanto
a ti restaria apenas frio?