*

 

o próximo passo pode ser o da

terra que desaba. no seu compromisso,

dia quinze de abril, não

esqueça do amuleto, alho, colete

salva-vidas. nem do combate. decora

o golpe do filme chinês. carrega

uma adaga debaixo da língua.

o vermelho deixe por conta da framboesa,

do corante morango. neste sentido

a tarde está especial para a morte de

pandas, ursos polares, leões-marinhos

e toda forma de vida sub-austral. neste

sentido, dois quarteirões a mais, depois,

direita, esquerda, mais uma vez, uma luz.

mas não se deixe atrair por ela. o

próximo passo, pode ser o que a terra desaba.

 

 

 

 

 

*

 

dezesseis e quarenta. ainda movimento

nenhum. ao menos adiante-se a feira,

os abacates e as folhagens tenras

que farão a alegria de uns, um asco

dos outros. em casa gostamos de

viver perigosamente, quando se atrasa

a tarifa de luz, só pelo propósito

de correr e correr e correr. só pela

idéia nenhuma observe os pés entre

os sapatos lustrosos e outros descolados.

o que me diz dos pés? cecília se

arma, toma medicamentos que aliviam

o medo de voltar. antes do café, após

o jantar. este é o período da sua alegria.

nos últimos vinte anos nunca fizera tanto

calor como agora nesta cidade.

não que eu lembre.

 

 

 

 

 

*

 

eu espero alguém para conversar. alguém

para dizer: fiat lux. que todas as coisas

funcionem, que todas as pessoas não saiam

de casa com perfume tão doce, a mordiscar

 

meu estômago frio, frio.  como relembro

agora a tia negra e gorda, seus badulaques

de orelhas, dedos, um lenço densamente

lisérgico cobrindo o cabelo ralo duro

encaracolado de branco agigantando-se de

ternura, livre-arbítrio e presentinhos baratos.

agora teimo entre o oceano, que poderia

me levar até um lugar

com nome: Praia, e a irrisória decisão

entre ser deus ou um técnico de eletrodo-

mésticos, ao passo em que, entre senhor

das desgraças, de todas elas, opto por

algum dia, quando for, que seja, tornar

à vida este liquidificador surrado e seus pares.

que todas as coisas funcionem.

 

 

 

 

 

*

 

os operários estão no sinal. são

duas avenidas largas, a perder

de vista cada. e marcam faixas

para os pés. uma máquina

parece fatiar a placa. como pode?

e temo algumas coisas imperfeitas.

algumas coisas se desdobram, imper

feitas. vermelho e verde. adeus. amanhã

as coisas estarão resolvidas entre as

duas avenidas largas, o chão fatiado,

os homens trabalhando do outro lado do

mundo. mas ainda sentirei alguma coisa

falha. debaixo dos pés o chão conspira.

como num outro poema. e rumina

o funcionário da companhia telefônica

e os serviços patéticos e luminosos

que não dão conta do mundo real, da vida

real, nem de nós, seres de um conto de

fadas monótono alimentando-nos de besouros,

coleópteros, larvas, esperanças enlatadas.

muito boa-noite, a todos vocês de casa.


 

 

 
 

*

 

antes que o caminhão despejasse os

engradados da cerveja mexicana para

logo mais furtar a doce embriaguez

de rapazes desajeitados e simulando

o jeito másculo a delimitação de

territórios em ruínas e corpos bem

modelados ela te abraça, diz de

como cheiro de casa, o cheiro do

corpo, a nossa cegueira e o mundo

um resíduo, um nada e nenhum.

você saberá que o mundo não vai ser

igual. seja bem-vinda, fique à vontade,

enquanto lhe despeja o olhar como se

quisesse guardar você, um tempo, aquilo

que nunca foi de verdade, mas está.

mesmo assim concentre-se nos projetos

futuros, as festas de fim de ano e

a comovente caridade entorpecendo o

calendário, carrinhos, bonecas baratas,

os alimentos comprados a quilo como

seu coração, a quilo, em tiras,

como após retirar os olhos do estacionamento

e ver partir o veículo com placa

de um outro lugar. distância,

distância, algo que muda ou se vai.

você saberá que o mundo não vai ser igual.

 

 

 

 

 

 

*

 

dizem que sua passagem explosiva

vai carregar de cor. mancha de óleo repousando

costas e oceano.

outras formas não se contentam.

preservo tanto o silêncio

que a poucas pessoas disse que casei.

alguns animais apenas seguem

o outro. olfato? penas? fezes?

nunca entendi as maçãs na

estufa de pães e doces. um curioso

instinto por um motivo particular

das coisas. passagem explosiva.

cor. óleo. segue adiantado do

expediente ordinário. olho a estufa

de pães, alguns envelhecem, alguns

polvilhados, doces e amargos. sabor

e ervas.

nenhum coração está completo. coração

polvilhado. come-se quente, melhor.

quente, com manteiga e café.

 

 

 

 

 

 

*

 

parece que o chão quer rachar em

honolulu. há um estado insular dos

estados unidos. no norte. e aqui invejo

uma palavra cruzada que você devora.

enquanto falo, falo. você esfinge.

um advérbio, sinônimo imperfeito,

o rei da frança com nome de sol,

as iniciais e a capital da burquina

faso. o antigo nome de mianmar.

e tenho vícios na fala, mal soletro

este poema do século dezoito. cada nome descoberto

importa mais que o havaí. que os estados unidos.

ou o poema do século dezoito.

não vá para longe. volte. quando

eu crescer, eu quero. cinco

letras. anda sobre as águas.

não, não é um sujeito, aquele

que você pensa. cinco letras.

anda sobre as águas.

 
 
(imagens ©wild)
 

 

 
 

 

Carlos Augusto Lima (Fortaleza/CE, 1973) escreve alguns poemas, tem artigos publicados em revistas e jornais de vários lugares. Publicou uma pequena plaquete chamada Objetos (8 poemas), em 2002, que não existe mais. Há um livro por vir (Vinte e sete de janeiro, Lumme Editor), além de outras coisas por fazer. Fez mestrado em Literatura Brasileira pela UFC ( Universidade Federal do Ceará), onde defendeu dissertação sobre a poesia do Cacaso. No momento, espera por Valentina.