©todd davidson
  
                                                                     
  

 

A voz da crítica pode não assumir a crítica da voz. E quando isso acontece, espelha-se nas águas de uma vaidade sintomática. Eu, por exemplo, que me dirijo ao espelho como um "panapleu" —  o que quer dizer habitante de nada, neologicamente —  recolhi alguns fragmentos de textos escritos sobre pares escribas. Qual a razão? Muitas vezes, sirvo-me de autocrítica, uso de ironia comigo mesmo, mas não deixo de exercer a certeza de que escrever é a única satisfação após uma leitura prazerosa.

 

Certamente, as impressões dos textos — sim, impressões, por que não? —  imprescindíveis em resenhas e similares, distanciam-se do academicismo rebuscado, exaustivo e muitas vezes ininteligível. Se no olho do furacão dá-se uma verborragia silenciosa é porque há algo válido na floresta de palavras invadida. A retórica é um prato algumas vezes principal.

 

Portanto, catei algumas pérolas entre meus escritos, dos meus avessos de punhal. E aqui repasso, dividindo esse pasto, como a relembrar alguns nomes queridos ou positivamente criticados. Ei-los:

 

1. Não pela modelagem de um jogo verbal repleto de intertextualidade ou mesmo pelo pastiche, mas muito mais pela forma de seduzir o leitor com os artifícios da prosa poética; ou pela construção de torneios metonímicos, em que pequenos indícios revelam atitudes plenas, ou vice-versa; ou, ainda, pela maneira opressora de realçar comparações e validar metáforas, Leonardo Vieira de Almeida surpreende. Sua escrita é forte, massacrante, cruel, e ao mesmo tempo fluida e sensível.

 

2. Assim se constroem textos obtusos: com vestígios de neurose, com desequilíbrio, com insensatez, com fúria. Esses pássaros metafóricos, esse tempo que se perpetua no "calor de um janeiro vingativo" ou em um domingo sem luz, portanto, frio, sugerem vários pedidos de perdão com lágrimas de sangue a serem aprisionadas pela dor. Altair Martins sabe preencher o silêncio.

 

3. Fabulista na pós-modernidade, Dimas Carvalho é, ao mesmo tempo, um borgiano enciclopedista ou um inter/inventor à Uilcon Pereira —  autor de Ruidurbano e A educação pela pedra; além de posicionar-se ele mesmo, reconstruindo-se, a partir da sua visão irônica de mundo. Em alguns momentos, o autor parece reproduzir a ironia de outro contista cearense, Nilto Maciel.

 

4. Roldan-Roldan, ao investir na linguagem corrente, tanto se aproxima da consciência modernista, quanto do exílio caótico da pós-modernidade, para onde tantos escritores se dão como destino. Porém, diferenças fundamentais podem ser encontradas nos arranjos da sua narrativa: a simplicidade com que a trama é urdida e a possibilidade dos vários efeitos produzidos. E mais, a reiterada reflexão, geradora de um discurso aberto, e os limites dos paradoxos que tendem a revelar a eterna busca entre o real e o ficcional, o trivial e o metafísico, o referencial e o poético —, completam os vazios da sua singular ficção.

 

5. Retomando idéias e reminiscências, Carlos Herculano Lopes provoca no leitor um fastio existencial. O mundo real é apenas uma representação inconsciente de antigos desejos e, a partir disso, uma tentativa de exorcismo. O homem é impotente, inclusive em alguns arroubos de satisfação pessoal. Por isso, sempre um dinossauro à espreita, a dor de uma amputação sempre viva. Parece que o autor desconfia dessas evidências, ao revolver a memória e seus motivos em busca de uma questão, proposta no conto "Por quê": "Por que fiz amizade com os peixes mas não consegui passar entre os seus dentes sem manchar o rio de sangue?"

 

6. Por escrever também textos para teatro, Luciano Bonfim não abandona a fórmula e envolve suas narrativas com uma outra linguagem. Há cortes, cenas rápidas, silêncios, pisadas fortes fora do palco. O resultado não nos livra da ambigüidade desconcertante: o texto é para ser lido ou falado? O que se anuncia são aforismos ou uma série de ações à cata de um desfecho? Talvez seja por conta da dúvida, que nunca se possa erigir uma catedral com nuvens. Luciano Bonfim, ele próprio, talvez sinta a necessidade de verdades incompletas. Ou talvez seja mesmo o personagem ou o narrador que necessitam disso para se firmarem. Ou mesmo, seja um caso de desejo do próprio leitor.

 

7. Paulo Sandrini gosta de interceptar o caminho do leitor com uma barreira de metáforas e faz-nos estancar, amuados, perplexos diante delas, como se as apresentasse em forma de outras realidades cruas e naturais; mas ao erigi-las, estranhamente possíveis aos olhos comuns, desconcerta-nos e preenche-nos com momentos de fantasias e de pesadelos.

 

8. Veronica Stigger é uma escritora supostamente hiper-realista; diriam outros, maldita. Mas não finquemos esta pecha: se há algum esboço de hiper-realismo, não é o consensual, mas aquele hiper-realismo que dessacraliza qualquer condição, como a de ser mulher, por exemplo; se houver necessidade de um enquadramento entre pares malditos, esqueçamos, pois ela assim deve agir apenas para declarar o hálito do mundo como se fosse o de uma imensa cloaca, ou para denunciar a bizarria da vida, ou para fazer do ser humano uma irônica marionete de sua própria e ridícula condição. Se não é nada disso, tudo não passa de uma grande comédia, e nós, tragicamente somos engolidos pelo nosso erro.

 

9. (...)

 

São poucos nomes nesse universo de encantos. Talvez não volte a este assunto, mas poderia incluir também nomes mais midiáticos. Não vem ao caso. Tudo isso para mostrar que dizer é abrir a possibilidade para a descoberta ou para a lembrança. Tanto faz. A condição é não ter condição.

 

Enfim, exposto ao tempo, o que outrora pensei transformou-se em volúveis palavras de satisfação. Basta.

 

 

 

agosto, 2006

 

 

 

 

 

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