associated press 10.out.2000

um homem
palestino
empertigado ao
máximo

arremessa
o que tem
o que não tem nas
mãos
miolos

o pensamento
contra o céu
áspero cinza
até a
última
raiz

 

 

sermão para distribuição anárquica

não importa seja
este um espaço não
compartilhado do pensamento ou
isso pareça uma atitude nada humana
pouco importa

se todas as combinações
estão sendo rastreadas e
o meu silêncio dado como suspeito

faço questão de articular
cada vez mais essa matéria
impenetrável de pouco
ou nenhum valor
calórico

 

 

súbito estrangeiro

essa mulher de talhe
cinematográfico
digital que nem
sequer fala minha língua
úmida unida
a outros encostos

e são tantas as barreiras
o desvio a escassez
de me ver tal qual
homem

nem o mínimo esforço
para colher a gíria
o trato

que na dúvida
mais prático ignorar
que sonha

 


no circo

zanza lúcido
de fome
o tigre
irado

olho
vis-à-vis
cera
seu pasto
ali
a um
palmo

 

©suzanne opton
    
 
 
 
 

inventário

                                   tirante essas figuras que se sustentam com falso vigor nas fotografias, a morte já passou por todos, já aconteceu. e o que poderá ainda nos ocorrer, além de seu reflexo; ela que, agora, só pode ser imitada?

 


sono com motivo materno

                                  e sem garantir em que instante me acontece a vida, envolve-me uma atmosfera residual de todos os domicílios: estou de uma só vez onde existo e onde me imagino; só falto onde me percebo. se abrir os olhos, adormeço.

 


casa dos adivinhos

                                    sempre que avistavam a casa, o pai cobrava: anda mais naquele antro de augúrio. que um dia estarás só, com as mãos vazias e diante de um monarca indócil que te obrigará a ler suas insônias, interpretar eclipses e recensear o número de lêndeas de seu impoluto reino.

 

 

Cândido Rolim (1965, Várzea Alegre, CE). Livros publicados: Rios de Mim (1982), Arauto (1988), Exemplos Alados (1997), Pedra Habitada (2002) e Fragma (no prelo). Participação em revistas (Babel, Caos Portátil, Literatura, Cronópios, entre outras). Artigos sobre a poesia do autor: O Alvo Incerto da Pedra (Ronald Augusto, Jornal de Poesia-web), Mais poesia em tempo de pobreza (Ricardo Aleixo, Suplemento Cultural Diário do Nordeste — Cultura, 28/08/1988), Arauto: mensageiro da morte que vive (Márcio Almeida, Estado de Minas, 09/06/88), Os tempos de leitura da poesia (Ademir Demarchi, Rascunho, 24/10/2003), A Ressurreição da Pedra (Batista de Lima, O Povo, Fortaleza-CE 12/03/2004), Uma morada para o poema (Carlos Gildemar Pontes, Correio das Artes, João Pessoa, 8 e 9 de maio de 2004).