pena de (sua) morte

 

uma lágrima é a única luz
no nunca-mais desse túnel
sinalizando o milagre
de subviver
ao tempo multiplicado
no horizonte (alquebrado)
da ausência

desaguando na sombra
gerada nos confins dessa falta
repetem-se as perguntas
cujo eco é resposta:
por que a angústia se precipita
em franca delicadeza?

 

 

 

 

finito

 

Paisagem:
— ánima das pedras —
repouso da loucura

Tempo:
— tapete corroído —
pulsar dos sentidos

Dor:
— sentimento acrílico —
contorcionismo do olhar
punido

Amor:
— ser de vidro —
motriz da libido

eis a Vida:
blindagem da Morte...

não há estrelas
mitigando
o que virá

 

 

 

 

encontro

 

do mar diviso a identidade
fumegante
mistério azul
de a(pro)fundar
sanidades

cavalos, sereias, jangadas
notícias de sal e de algas
peixes brancos, róseas estrelas
a coreografia das águas bêbadas

ao mar, oferto rugas
e pontos nos pulsos
(mais não confesso
porque não posso
ou não sei
se devo)

 

 

 

 

cometa

 

rastros
entre estrelas
rasgando o longe
da madrugada
que te levou

 

 

 

 

poeminhas de medo

 

1.
tirando manhã
tarde, noite
e madrugada,
não tenho medo
de quase nada.


2.
é marca d'água
palavra dura
na pele mole
até que fura

 

 

 

 

proibido

 

talvez haja saudade corrosiva
nestas lacunas de vida

talvez a loucura aja no olhar
— e loucura em seu olhar há —
esta olhadela
sobre os ombros da utopia

(do presente doado
ao pecado
o futuro se insinua
passado).

 

 

 

 

condicional

 

quando voltares
se voltares
voltarei
a sentir os olhos

 

 

 

saidera

 

aos meus pés
retornam todas as mensagens
numa conspiração de marés

necrópole
estes mapas
sem minas

a esperança foi só mais um hit
para a dança das garrafas
no último verão

 

 

 

 

vende-se

 

a angústia
manufaturada em série
se expõe
na vitrine do desencanto

a angústia
a preço de ocasião
compra duas leva três
na seção do desencanto

a angústia
em liqüidação
prêt-à-porter
do desencanto

 

 

 

 

luxo

 

era uma senhora
tão vaidosa
que tinha pérolas
nos rins.

 

 

 

 

flash

 

abrindo valas
nas mãos duplas do sem sentido
transgredindo hábitos
obscurecidos...

ultrapassando o signo vermelho
na via do coração
e demolindo
o outro lado da ponte
que une as margens do trivial...

ela, raio, passa.

 

 

 

 

meu abril despedaçado...

 

não se pense o dia amanhecido
vislumbre-se antes a imensidão
do silêncio grosseiro
na madrugada abortada
pântano de amargo desamparo
alagado pela essência de agonias degeneradas
os ponteiros dos relógios interpelando medos retardatários
ali fervilhavam culpas que se entranhavam entre remorsos e ânsias
para imergirem no tempo
testemunhando a extinção de todas as âncoras

aquela era a estação onde pardais teciam ninhos condenados
cinderelas perderam todos os sapatos
na festa lotada de duendes mal-cheirosos
viam-se morcegos no varredouro do último raio
pouco antes da lua desistir em suicídio atemporal

ali era o lugar das velocidades ínfimas
aquele fora o dia dos estagnações.

moravam naquele fosso todas as penumbras
foram elas que inebriaram os renegados
quando o horizonte rasgou-se sobre as feridas
na doída estação do abandono e seus sentimentos menores
por que insistia o mundo em cair
sobre ombros que se sabiam tão frágeis?
por que se retomava a mesma ladainha,
se tudo já se afirmara e se negara
entre alarmes, inquietações, embustes, dissimulações, vagos lenitivos...
essas coisas que se deitam no impossível?

ali era o lugar da amplidão.
aquela fora a hora das infinitudes... e do dilaceramento.

todos os dias seguintes estavam lá os viciados em descontenteza
essa era a única certeza na alegoria do deserto intempestivo.
por intermináveis horas lá permaneceram meus ouvidos dependentes.
por meses, acordou naquela caverna minha alma noctívaga, imolada...

aquela foi a hora em ponto das solidões bruscas.
principiara ali um silêncio que jamais terminaria...

 

 

(imagem ©pete turner)

 

 
Camilo Rosa nasceu em Serra Negra do Norte-RN. É professor de Língua portuguesa na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente reside em João Pessoa-PB, onde ultima preparativos para a defesa de Tese de Doutorado em Lingüística pela Universidade Federal da Paraíba. Publicou o livro de crônicas Notas para uma Canção do Exílio (João Pessoa: Idéia, 2004). Sua produção poética pode ser visualizada no blog Papel-Passado.