aorta

 

note

que o exímio perpétuo das flores

não carece o suplício

de um café mal tomado

 

recalcado:

trata-se da filosofia do absurdo

que remete a solilóquios barrocos

de vinhos baratos tomados

em tavernas decadentes

 

o ranço do poeta:

sentimental quanto um javali

com desarranjo mental

tudo que toca apedreja

tudo que vislumbra inveja

e destrói

 

vento insosso:

levanta peles descoladas

e é um casulo de seda

um bicho de pau

entre as veias e os vãos

 

dependesse de mim

e tudo seria lua

sempre fria e estática

e cinza capilar


mas não há pulmões para tal

e ali deitamos nossas raízes

ressequidas pós-viços

e já não há regadores que suplantem

e já não há mudas que perpetuem

uma natureza morta

uma extinta — vida — opaca

 

 

 

 

 

 

der blaue engel

 

 

agonizo    gastrites

 

                   entre as pernas de

 

                            marlene

                                               lola-lola

 

 

                   um (me)

                   sal ve

 

 

                   aos anos mortos

                   um a) deus  (a                  de

 

 

                            ju (

                            vir) ven(

                            tu

                            de)

                            de

 

                   u m c r e m e – b e i j o

                   um lânguido         agudo

          vão             e n t r e

          pernas    -de-    marlene

 

 

 

                   derramo-me

                   semente entre

                   as pernas de marlene

 

 

                   sou criança

                   nos peitos de lola

                   a voz que foge

                   gramofônica

 

 

                   hipnose nos o(l)vidos

                                 u

                   anos 20 ou 30 ou sempre

                   um século (de) aos gozos

 

                   e n t r e

    – p e r n a s – d e – m a r l e n e

 

 

 

 

 

 

sem título

 

clitóris

   ponta

         de lança

 

carne letal

 

         broa de sangue

 

banquete barato

         forca

 

e toda libido

intrínseca

 

num só

silêncio

 

 

 

 

 

CORPOCÁRCERE

 

derme de plumas, úmida

suculenta

morfou-se vulva de pedra

glácea

 

                   suspiro que seja bélico

                   suspeito que seja eclipse

 

som surdo:

         música em seu corpo

         sem partitura,

         gentil veneno sem bula

         faca de dois beijos

         lânguida lâmina

         de pelos e plasmas

        

túnel de lava faminta

cercada de seixos pudicos

amianto de fogo prata

na sólida disciplina de algoz

 

prisioneiro de sua pele seda: sou

 

enforco-me no casulo letal

da mel retina em sua guarda

 

os emblemas do vício

                  

açoitam a ausência

                  

 

deslizar de dedos

por quilômetros intensos

de tensão insaciável

de repulsa violenta

carnal

 

trombetas de mil pontas

dilaceram a libido

e tocam a balada

mordaz de um faminto

que se farta

de agonia

 

derme de plumas, úmida

suculenta

banquete de orgias gregas

petisco da imagem

só, projetada em vídeo

céfalovirtual

 

alquimia    letal

de ouro e cicuta

fuligem       nos

escombros    do

b     e      l     o

 

 

derramo-me tórrido

no unicorpus: nós

 

 

 
 

 

quatro ventos

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

contratempos

gerados por baixa arte

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

rifar-se

ao lance de alheia sorte

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

implodir-se

às sobras, às tão migalhas

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

linchar-se a si

e a si punir-se

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

mentir-se

e aos outros, tal qual

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

calar-se

amordaçando a alma

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

fingir de conta

que fosse assim

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

nada é concreto.

é frívolo, efêmero

 

cansada de dar-se

aos quatro ventos

beijar em vão,

suicidar

 

castrada de dar-se

aos quatro ventres

sucumbir,

e ao zero voltar-se

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira 13

 

                   para frederico barbosa

 

 

os francos

entretantas fra (n) quezas

forçam

 

             e querem-no à forca

 

dejetam embuste-vómito

         em tablóides

germinam hienas

              porentre colunas

                      malescritas

 

o rabo que outrora

in                                 sultara

a sua cadeira — aquela que é sua —

masturba-se a seco

              em mentiras avulsas

a laia prefere a guilhotina

   servida no cancro da di fama

ação

 

a eles rendamos nossos

    risos cínicos nos cantos

 dos lábios

e deixemos nossas costas

             dizerem-lhes:

 

AMÉM

 

 

 

 

 

 

 

filhos de dirce

 

no dia em que dirce deitou-se

com a besta,

choveram defuntos morados

no céu

 

o diabo marcou no

corpo a luxúria

e dirce adormeceu

 

no último dia de chuva

as árvores choraram

vermes

 

 

 

 

 

 

hentai

 

puta

de olhos enormes,

cabelos roxos,

cona ideograna

pedofilia é

a arma do negócio

 

orientais

trajando colegial,

transadas nas

correntes da tókio

soturna

 

putas

são fatais quando

o harakiri-falo

se engasga no túnel

demi virgem

de gueixa

 

kabuke vesgo

de teatro nô

sense

um robe de seda

espalha ikebanas

num corpo

infantil profanado

 

butterfly de feras

das terras

onde reina o obsceno

tio sam

 

engolem as virgens

ao som eletrônico

de luminosos karaokês

e games hipnóticos:

ninfetas de luxo

um gole letal

de saquê

 

um gosto de esperma

e ódio

um vaso bonsai

partido

 

sobre o corpo nissei

decadente

desababa o peso

ocidente

godzila by u.s.a.

 

 

 

 

 

cesare

 

encerrado nos lábios

do doutor, desperta

a profecia maldita

de um sonâmbulo

programado. infeliz,

não quer matar,

mas não pode deixar de

 

quer o amor

mas, eis que lhe escapa

por entre dedos

por entre cenários torcidos

retortos

 

arrasta-se em prantos internos

vencidos pelo peso da mulher

que cobiça

 

e, antes do tombo, tropeça

na denúncia da hora

de apagar-se no negro

de sua morada-caixão

 

 

 

 

 

 

 

a pirâmide invertida

 

sphincter lacrada

com cimento

sarcófago de libertinagem

esquecida

reina a tortura

reina o deboche

a troça de ter

mas não ter

de ver

sem tocar

 

a troca que traz

pesadelos de luxúria

e a culpa

sempre a culpa

 

um V de vácuo

maiúsculo como VÍCIO

e essa sempre síndrome

de impura abstinência

 

 

 

 

(imagens ©angelika vaca)

 

 

 
 

Donny Correia (26/04/1980, São Paulo-SP). Poeta e tradutor. Morou em Londres entre 2000 e 2003, onde editava uma coluna de entrevistas no jornal Brazilian News, voltado à comunidade brasileira na Inglaterra. Tem poemas publicados na Zunái e no Paralelos, dentre vários sítios de literatura na Internet. Publicou seu primeiro livro O eco do espelho, em 2005. Traduziu poemas de Liz Lochhead, John Masefield e William Sharp. Atualmente, é Coordenador Cultural da Casa das Rosas — Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, e vem estudando a fundo a poesia galesa antiga e contemporânea.