Embrulho
"Se devíamos
chorar quando os palhaços começam a folia,
Se devíamos pinotear
quando os músicos se põem a tocar,
O tempo nada dirá mais eu o
preveni".
W. H. Auden
na festa
esgar de
assopros
incineram
os fogos.
apagado
sorrio
(de lado)
fria a
vela
o desejo retorna ao
estado
de
espera.
Eu
espero.
Eu estou de
parabéns.
IIdéia de família
Não herdei de meu
pai,
as neuroses de família.
Mas via na colher de
pau,
à espera do vinho
que toda noite ele bebia,
o pouco
que seria.
Era mais que uma
colher,
sua primeira função foi ser
palmatória para meu
avô.
Meu pai
achava
que assim beberia
um pouco de suas mãos.
Para mim a colher
voltara,
como
castigo.
Quando meu pai
morreu,
agarrado à colher de pau,
não deixou o seu
sangue.
Já fora tarde,
e
tudo aquilo tornara-se
vinagre.
Nunca Entendi
eu nunca
entendi
sempre fora atéia
e pediu que lá fora
atrás do rio
meu
pai construísse uma capela e
um oratório
nunca fora santa,
mas meu pai construiu
e as frestas das
cortinas
ejaculavam sol e
silêncio
eu nunca
entendi
sempre fora atéia
e os santos eram
seus
espetáculo e platéia.
Foi Presente
Para Lílian
Aquino
Isso fora
antes
de meu filho morrer
e antes mesmo
da
barriga
ou
antes ainda.
Naquela época
acreditava
em cegonha e no amor
e disseram-me, é
presente
embrulhe:
na barriga, no
útero
oito meses apressados
pelo chá das folhas
verdes
da
urtiga.
Cheguei mesmo a
cantá-lo
como sendo uma cantiga
mas isso depois de
noites
e noites rezando um terço
— Sobre o
berço
um travesseiro —
Até depois eu
mesma
disse quando
desta sua morte triste
:
embrulhe
foi
presente.
Outro Extremo
O vizinho mudou de
lugar
a caixa do correio,
como se mudam cardumes
de
peixes no meio
do mar.
/ quando há
pesca
fora de época /
Conto isso porque o
garoto
nunca mais fisgou, como
se contorcem as
minhocas,
pelas frestas do portão,
cartas de amor, numa
primeira
literatura, nem mesmo a conta
da
água.
/ Depois
pensaria
que se cortasse os dedos
e os desse
de isca
aos peixes (os segredos
em mãos que
não sabiam
escrever) enviaria cartas
a quem nunca
mais
o escreveu.
/
Elipse
Um tipo
medo
típico
irônico/erótico:
como o homem
que
propõe
à sua
mulher assistir nua
a um filme erótico
e
depois se vira na
cama.
/ A noite com
ciúmes, a noite
e um vazio /
Os chinelos se
arrastam pelo corredor.
Numa
noite
pálida, a geladeira
com o leite
azedo
Outros quatro ou
cinco
medos ou sonhos de menino
— na geladeira
—
Mas neste tempo a
boca
ensangüentada de
chocolate, apenas a toca
de
palavras bobas,
inocentes, não o
instrumento do beijo
ou
da dúvida (— Mas? Por que? Ou?
Onde? Como?)
O filho chora no
quarto — se ouve
da cozinha — se chega no quarto
o
filho corre para a geladeira, vai
crescer
também.
Festim
Jogou copos
contra
paredes
Mudou de letra
com
caligrafia e sessões
terapêuticas, dando-
se firmeza
às mãos
Rabiscou
espelhos
não sendo ele
a própria letra.
Lençóis amassados
e
marcas de unhas
nas costas.
Cheiro de
cigarros
embebido suor
e incenso.
— os poucos
amigos,
dispersos,
juravam que
vivia
em festa. —