ernesto diniz
 
 
 
 
 

 

 

Metade do que se tem eterno

 

Minha eternidade começou no dia em que lavei minhas mãos na pia da casa da minha avó, era ainda muito cedo. Não lembro bem o que se seguiu para entender-me numa espécie de iniciação da coisa eterna, mas soube, naquele momento, que algo muito longo havia começado. Eu deveria ter uns nove anos e não sabia direito ainda o que era uma quantidade de tempo eterno. Eu sabia sem saber que a lua era fixada no céu. Na verdade eu pensava que ela me seguia. Passei noites mal dormidas por conta disso achando que a espreita iria resultar em algum fechamento obscuro e feroz, mas, depois, com o passar do tempo e os nove anos alcançados, troquei meu punhado de poesia sobre a lua pelos fatos: a lua lá em cima fixada no céu, passando de crescente a cheia e de cheia a minguante. Não sei se fiquei feliz, o óbvio seria me entristecer e acho que, sim, me entristeci. Acho que a barganha não foi lucrativa, trocar uma espécie de predador-guardião, que estava sempre a me vigiar, por um fato quase científico de senso comum. Como o senso comum me irritava, mesmo antes dos meus nove anos! No entanto, mesmo com essas preocupações internas, quando fechei a torneira e levei a mão à toalha branca de algodão, pensei comigo que a partir dali começaria a minha eternidade. Meio que decidi e senti essa coisa ao mesmo tempo. Pensei isso sem entender direito o que estava pensando. Como pensar era um ato muito natural a mim e que não me causava dor alguma (eu achava que os burros sentiam dores quando pensavam, por isso escolhiam não pensar), pensei que ali então havia começado minha eternidade. Fiquei parado com as mãos espalmadas sobre a pia de pedra amarelada, respirando fundo, sentindo o frio da superfície roubando minha energia e queria sentir a sensação de, finalmente, ser eterno. Será mesmo que a minha eternidade me traria uma vida sem fim? Não soube justificar essa diferença, eu era muito novo e era hora de ir tomar café. Tranquei a porta do banheiro com medo. Sentei no vaso sanitário, por cima da tampa. Dei uma descarga para poder ofuscar as pessoas lá fora. Desci junto com a água para fora da casa, da cidade, dos olhares, mas sabia que a lua estaria lá em cima ainda me olhando, mesmo depois da água renovada voltar ao vaso, esperando novo impulso. Contei até três, até seis, até nove e disse que ali começara minha eternidade. Eu não sabia. Acho que, no mesmo momento que quase consegui me dar conta da mudança, bateram na porta. Era hora de sair dali, eterno, e junto com minha vida sem fim tomar meu café. Estava atrasado para o trabalho e meus trinta e três anos já começavam a pesar nos ombros.

 

 
 

 

 

Pelas mãos 

 

Eu precisava de alguma ventania distante

Que me soldasse as asas e dissesse

Isolado

Levanta que sobre os muros altos de

Grandes palmas viradas para cima

Sobra amortizado

Sozinho

Um grande ponto de luz translada ao sul

 

E que a superfície fosse irregular e verde

Talvez de um vermelho emblemático

Consanguíneo

Na velocidade da luz

Que me velasse calado as fraquezas todas

E assim soubesse sem saber

Do gesto original

Repleto

A distância enumerada do meu verso até o seu

 

Eu teria defendido minha tese

De que as carnes soltas

E ferventes

Escondem parte da maior dúvida dissonal

Entre os dentes

Vingativos

Um bem de querer

Em silêncio

Fogueira

E ritual.

 

 
 
 
 

 

 

Desterro

 

Fica difícil

Entre o cigarro e a copa

Dizer quem me traz de volta

Do túmulo que moro, cedo

 

Fico entre cruz, espada

Cinzeiro

Deixado para traz feito mágoa

Que vez por outra,

Entre pôr-de-sol e lua cheia,

Lembrada a ressalva do orgulho ferido,

Volta à memória velada

 

Guardo então o sal no bolso

E teimoso baforo longe

Velho, mentiroso,

Uma desculpa que me sinto

De certo bem mais traído por

Mim mesmo

Que fosse a fumaça imaginar

 

Fico marítmo

Divido por mar e amor

Dizer que dor sem dor, velorioso,

Me faz então menos perigo.

 

 

 

 

(imagens ©marcel snow)

 

 

 

 
 

Ernesto Diniz é graduando em Letras pela Universidade Federal da Bahia, mas graduado na vida. Fundador do projeto Selva, já colaborou com outras sendas, mas agora quer ser selvagem de vez. Escreve em seu blogue pessoal Sonhos&Cartas e, junto com outros selvagens, no Brutti, Sporchi e Cattivi todas as quintas-feiras.