pêlos
Macia selva que o teu corpo
tapeteia.
Fina ramagem onde o toque se aveluda.
Vaivém de
vento que penteia e despenteia.
Sensível manta que te cobre e
te desnuda.
Pouso de face — a tua face — em minha
face,
passando, aos poucos, a carinhos circulares.
Corta o
silêncio abafadiço roçar: dá-se
a sinfonia dos murmúrios
capilares.
Miro a penugem que recobre a tua
orelha,
e os meus ouvidos, feito dedos, passam leves.
Cílio
teus cílios, sobrancelho a sobrancelha,
e um humm e um ai e um
ai e um humm sussurram breves.
Plumagens raras — tua
nuca envolta em rama.
O meu pescoço quer o teu e tu mo
encostas.
Tu te declinas à maneira de quem chama.
Nas mãos
reversas sei da relva em tuas costas.
O que me é
tátil à minha boca ora transfiro,
visto que assim, se sei do
toque, sei do gosto.
E mais eu sei se pela boca te
respiro,
pois menos sei qual do teu pêlo me é
posto.
Pêlos que eu gosto: os que cercam teus
mamilos,
onde em percursos labiais circunavego.
Tal o prazer
tê-los assim, assim senti-los,
que a minha boca no teu seio às
vezes nego.
Pêlos que eu amo: os da barriga, feito
seta,
que a boca assanha indo e vindo ao teu umbigo.
Como
uma onda, o teu quadril se me projeta,
surfo teu ventre e nos
teus pêlos eu prossigo.
Pêlos que eu quero: os teus
pêlos inguinais,
onde, bem sei, se me demoro, tu te
adias.
Desses eu passo a outros pêlos, capitais,
e em tais
arranho a minha barba de dois dias.
shampoo
bastaria o movimento dos
quadris
face à minha face
os teus joelhos abertos
tuas
mãos em meus cabelos
bastaria sentir o teu sabor
mais íntimo
o ir e vir e o vir e ir
da perfeita sincronia
desencontrada
dos meus
lábios
nos teus lábios
bastaria o postergar do
ápice
o ver o transformar do teu
sorriso
em outros risos que adoro, amo e quero
mas não
tinhas que vir com teus
cabelos ainda úmidos
saídos da banheira a pétalas
preparada
e tinhas que fazer dos fios — pura maldade —
o
carrossel a girar em todo o rosto meu
: cheiro esse em que ainda
permaneço.
missa
Vapor de incenso rente aos
góticos das naves.
Uma mulher se abeira ao genuflexório.
Ao
latinório o órgão junta os sons mais graves
e em contraponto
ela inicia um responsório.
Em meio a preces a cerviz
cede e se encurva,
e a fronte deita na rudez da mão
constrita.
De vez em quando o seu pescoço se
recurva,
mostrando a face lagrimada e mais contrita.
A impressão é de quem traz
todo o pecado,
e de quem é a filha amada da desdita.
O choro
e a reza em contubérnio consumado:
ao mesmo tempo que é perdão,
lembra a vindita...
Mesmo de costas, no retábulo
percebo
aquela imagem que em trejeitos se revolve
(um gosto
amargo vem no vinho quando eu bebo,
e em minha mão o pão
sagrado se dissolve...).
Do Altar-Mor desço os
granitos da escada,
num sentimento que de culpa mais
parece.
Chego ao transepto e o meu verbo não diz nada,
ela,
surpresa, quer falar, mas se emudece.
Cessa do choro, cala a prece
e se levanta,
e vindo a mim, ato contínuo, se
ajoelha,
(olhos azuis, a pele branca, a tez de santa...)
e a
minha mão ousa tocar sua guedelha.
Com o polegar enxugo as
lágrimas do rosto,
e um arrepio me tomava e eu tinha
medo...
Só pelo tato e pelo olhar senti seu gosto,
ao ver
seus lábios à procura do meu dedo...
Me valho à prece enquanto
toco a sua boca,
e nela eu faço a marcação da Cruz
Sagrada,
quanto mais rezo, mais a fé de mim se apouca
(meu
corpo em pé e a minha alma ajoelhada...).
A minha mão decai da boca ao
seu pescoço,
quero parar, mas o pecado me prossegue.
Cedo ao
instinto e da razão nada mais ouço,
o olhar cerrado, quer
abrir, mas não consegue...
Um forte impulso ao seu
encontro me impele.
Eu me ajoelho e fico à altura dos seus
olhos.
Minha vontade é me queimar na sua pele.
Unto seus
ombros derramando os Santos Óleos...
Eu desamarro o seu justilho,
incontinente,
e as minhas vestes de ofício eu rasgo ao
meio.
O óleo segue a deslizar, suavemente,
nas ogivais
lactescentes dos seus seios...
Lembro da hóstia e uma força
me sustém.
Não sei de mim, tanto desejo me treslouca...
em
seus cabelos os meus dedos se detêm
(sagrado é o trigo que eu
ponho em sua boca...).
As suas mãos eu levo à pia
batismal,
sem esperar que alguma prece me concentre.
Me
dessedento em meu pecado gutural,
bebendo o vinho do Sacrário
do seu ventre...
Qual Pentecostes, misturei
minh'alma à sua,
eu sussurrando as Ladainhas mais insanas,
e
ela em responsos de suor da carne nua,
gemendo em gozo cada
"Oh, Glória..." das
Hosanas...