Um Ladrão de Livros Raros

22.05.2004 | Pegaram um estagiário de biblioteconomia roubando livros raros de bibliotecas públicas: esse ladrão certamente desconhecia critérios elementares de tal ocupação, que eu expliquei no meu Antifísio, ou Disparates. O principal é: não se rouba de lugares públicos, o que torna você um ladrão muito indigno. De qualquer forma, ele cometeu uma grande estupidez: roubou obras que valiam R$50 mil e vendeu por R$2 mil; numa feira de especialistas, para um especialista; do próprio país.

Evidentemente, não era um ladrão nobre, maligno e refinado como o Conde Libri, nem um malandro erudito de alta categoria, como o Lucas Corso do Clube Dumas, de Arturo Pérez-Reverte. Era um mané metido a espertalhão. Enfim, digamos que até nisso o nosso meio literário anda mal das pernas: não prestam nem os mercenários do livro.


The White Stripes & Sofia Coppola

20.05.2004 | The White Stripes, uma dupla de Detroit que resume o rock: há ecos de Led Zeppelin (na voz de Jack White, várias vezes lembrando a de Robert Plant; "We're Going to be Friends", que cita "Going to California"); de Black Sabbath (a guitarra de Tony Iommi ressoa em "Dead Leaves and the Dirty Ground", por exemplo); de Velvet Underground (na canção "In the Cold, Cold Night", cantada por Meg White); de Queen (em "There's no Home for You Here"); de The Kinks, etc. Já ouvi a palavra "derivativo" para defini-los, e de fato poderia até ser. Mas todas essas músicas, se de um lado têm elementos reconhecíveis de uma tradição do rock, são inevitavelmente, de outro, White Stripes. Há também muito de folk, blues, a guitarra de criatividade inesgotável de Jack White, as letras irônicas.

As letras irônicas. Muy bien, aí é que está: Sofia Coppola, cineasta jovem com dois ótimos filmes, As Virgens Suicidas e o impecável Lost in Translation — embora ainda esnobada por um ou outro jornalista cujo nome constará da lista do ridículo em alguns anos —, percebeu a coisa e resolveu explorar isso (a ironia) no vídeo da música "I Just don't Know what to do with Myself", que os Stripes tomaram de Burt Bacharach. Novamente, o que se tem é a simplicidade e a precisão: praticamente sem cenário, Kate Moss, seminua, surge deitada num canto do palco, levanta, dança como uma stripper sem muita convicção e vai se deitar do outro lado do palco. Coppola marca os desenvolvimentos da música com a iluminação, dá uns closes e aí está: um encontro que não poderia ter resultado melhor. Torça para vê-lo na programação da MTV. Extremamente recomendado.


Tróia

17.05.2004 | Filme kitsch e pomposo.

Vou listar alguns probleminhas encontrados: todos os gregos famosos se comportam como estadunidenses anônimos; a roupa dos troianos é um tie-dye hippie azul-branco; a invasão da praia troiana é uma cópia descarada do desembarque na Normandia, filmada por Spielberg; a batalha junto das muralhas de Tróia é uma cópia descarada da batalha do Abismo de Helm, filmada por Peter Jackson; câmera, portanto, sem nenhuma criatividade; a trilha sonora é insistente, apelativa e parece de desenho animado, concorrendo a canção do ano no Oscar; os personagens, bem consistentes na Ilíada, foram aplainados até se tornarem planícies ermas: não há nada entre Pátroclo e Aquiles (apaixonado por Briseide!), que quer apenas ser uma celebridade; o gigante Ájax morre no primeiro combate, não dá nenhum trabalho; Heitor é o bonzinho corajoso (embora tivesse seus momentos sinistros e até de covardia no poema); Agamêmnon é um velho covarde do mal (não entra na luta, embora fosse um dos melhores guerreiros no poema); Odysseus é um capacho tagarela de guerra (quando sabemos que ele sequer queria ir a Tróia); Enéas é um adolescente boçal; Páris, um chorão; e o pivô da confusão, Menelau, no filme apenas um velho beberrão e idiota, é extirpado da história antes da guerra começar (ou seja, o que seria um ponto final); os deuses são mais kitsch do que se tivessem dado o ar de suas graças na película: sempre mencionados com tanta falta de propriedade e convicção, tornam-se um badulaque ridículo nas bocas dos atores.

Homero ainda espera um cineasta que saiba compreender algo de sua obra.

Enfim, fica o nosso agradecimento a Wolfgang Petersen por ter ilustrado de modo inesquecível o que significa a expressão tão popular até os nossos dias: churrasco grego.


 


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