E a Casa das Rosas? 10.06.2004 | Fechada pelo Governo, a Casa das Rosas, que era uma mistura eficaz e dinâmica de museu e centro de cultura, sob a direção do artista plástico José Roberto Aguilar, está esperando, suponho, a virada do século para abrir novamente — se é que não vai virar um aparelho burocrático, tão mais importante. Muito curiosa é a decisão de fechar um dos poucos lugares que efetivamente funcionavam em termos de arte e cultura, que abrigou mostras e exposições importantes (a exposição de Arte Concreta; Rosas Rosa; Iconoclastias Culturais; O mundo de Mário Schenberg), que possuía um acervo vivo de arte na internet (desativado), que revelou muitos artistas jovens (a exposição dos Monitores, as entrevistas da CR37), que organizava debates instigantes sobre poesia (como o evento o novo?). Muito curiosa essa decisão, deve ter partido de alguém muito inteligente e culto. Uma das prioridades políticas é sempre a cultura.
Vem bem a calhar num discurso. Guevara e Vermeer 26.06.2004 | Coincidentemente, personagens não-ficcionais notórios que acabaram de virar obra ficcional. O filme de Walter Salles é excepcional como filme; sem nenhum receio de dizê-lo, porque ninguém que me conheça lembrará de mim como um fã de Salles. Tudo o que era a fragilidade de seus filmes anteriores (até do bom Abril Despedaçado) desaparece: não há recurso a sentimentalismo piegas, não há a tentativa de explicar o Brasil (ou, no caso, a América Latina), não há diálogos pobres. A parte puramente discursiva não existe, não é um filme declarativo, mas um filme feito de coisas: do momento em que Guevara sobe em La Poderosa até o momento em que mergulha no rio o que há é uma trajetória intensa como o melhor romance de formação; não é possível imaginar ninguém melhor que Gael García Bernal e Rodrigo de La Serna em seus papéis; o apuro estético de Salles, que sempre existiu, está no seu melhor até hoje. Esse filme forte, comovente e sem discurso é o melhor discurso sobre a América Latina, e até Cannes sabe que Salles merecia a Palma. Já no caso de Jan Vermeer (personagem coadjuvante em A
Moça com Brinco de Pérola) não se trata
de um filme excepcional como filme, mas há o que
se ressaltar. A direção de arte, de que se falou bastante,
é espantosa por um detalhe que fica muito gritante se comparamos
esse filme a Frida: a pintora mexicana teve suas obras transportadas
para o cinema na forma de tableaux vivants, em situações
até, digamos, oportunas dentro do enredo; mas na Moça,
a pintura de Vermeer não surge destacada artificialmente
para pequenos momentos de contemplação e reconhecimento,
porque a direção de arte, num trabalho muito delicado,
fez com que cada fotograma pudesse parecer um quadro do pintor holandês.
O emprego da luz, dos contrastes de cor, dos meticulosos objetos
de cena (incluindo o figurino) e dos enquadramentos produzem, para
quem conhece a obra pictórica, a curiosa sensação
de que estamos num filme pintado por Vermeer. E há a interpretação
de Scarlett Johansson, uma pérola.
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