nada
Esta palavra não assalta,
espreita. Nenhum poema suporta ou existe sem sua matéria.
propugnar
A Denise
Barbosa
Aluna pergunta por que
propugnar. E ao invés de defender, a palavra ataca. A mim, que
nada tenho a propugnar, senão a sobrevida de alguns vocábulos às margens
do Letes lexical.
Esta palavra tem flechas, lanças,
granadas?
Ainda pugna esta palavra — respondo, quase sem
respirar.
torre*
Considerando que o
labirinto seja a vertigem da geometria, o éden bárbaro, e a pirâmide, a
domesticação desse abismo horizontal; considerando que o labirinto
faz-se e desfaz-se em horizontes e a pirâmide se impõe como único
horizonte, a ponto de negá-lo com sua matemática inumana; considerando
que o labirinto nos habita antes de o habitarmos e a pirâmide nos coloca
à distância; então, a torre aniquila qualquer geometria, qualquer curva,
qualquer reta, para afirmar-se como ponto de vigia. A torre não dialoga
nem com o horizonte nem com a mãe-pirâmide. A torre é monológica,
intransitiva, inabitável para quem tem olhos. A torre é uma forma que só
interessa quando abolida. Assim será digna das cártulas que um dia lhe
dediquei:
Foi tua ruína
o olho
ubíquo que pretendias.
*
Apenas antecipastes o
tempo
em que as testemunhas
se tornaram réus.
*
Nerval, Brueghel,
Kafka:
esses souberam a altura que te faltava.
*Excerto de uma carta do
arquiteto fantasista Joseph-Ferdinand Cheval, "le facteur d'Hauterives",
escrita ao editor da revista Magasin pittoresque, referindo-se aos
postulados que nortearam a construção, em fins do século XIX, da Tour de
Barbarie na fachada sul do Palais Idéal.
(Do livro
Dicionário Mínimo — Poemas em Prosa)
(imagens ©regina saura)
FERNANDO Fábio FIORESE Furtado nasceu em Pirapetinga, Zona da Mata Mineira, no dia 21 de março
de 1963. Residindo em Juiz de Fora (MG) desde 1972, participou do grupo
de poetas, escritores, artistas plásticos e fotógrafos que, durante a
década de 1980, editou o folheto de poesia Abre Alas e a revista d'lira.
Poeta e contista, publicou em 1982 Leia, não é
cartomante, ao qual seguiram-se Exercícios de vertigem
& outros poemas (1985) e Ossário do mito
(1990), todos de poesia. Em parceria com Edimilson de Almeida Pereira e
Iacyr Anderson Freitas, publicou ainda Dançar o nome
(2000), antologia bilíngüe (português/castelhano) acompanhada de um CD
com a leitura dos textos pelos próprios autores. Dois anos depois,
reuniu no volume Corpo portátil (São Paulo: Escrituras,
2002) toda a sua produção poética do período entre 1986 e 2000. Em 2003,
publicou Dicionário mínimo: poemas em prosa (São
Paulo/Juiz de Fora: Nankin/Funalfa) e Murilo na cidade: os
horizontes portáteis do mito (ensaio, Blumenau: Edifurb).
Doutor em Semiologia pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e professor da Faculdade de Comunicação Social e do
Mestrado em Teoria da Literatura da Universidade Federal de Juiz de
Fora, colabora regularmente em coletâneas de ensaios e revistas
especializadas. Participou da edição trilíngüe
(português/inglês/húngaro) da coletânea de poetas brasileiros
Pérolas do Brasil — Pearls of Brazil — Brazilia
Gyöngyei, organizada e traduzida pela escritora Lívia Paulini
(1993). E integrou ainda a obra Baú de letras:
antologia poética de Juiz de Fora (org. José Alberto Pinho Neves),
editada em 2000. Foi incluído por Assis Brasil na antologia A
poesia mineira no século XX (1998), enquanto o poeta Amadeu
Baptista fez publicar um conto de sua autoria no livro Quanta
terra!!! — Poesia e prosa brasileira contemporânea, coletânea
lançada em Portugal (2001). Participou também da Antologia da
poesia brasileira/Antologia de la poesía brasileña, organizada
por Xosé Lois Gacía e publicada na Espanha em 2001, e da coletânea
Poesia em movimento, editada em 2002 sob a coordenação
de Jorge Sanglard. Mais Na Berlinda.