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Não sei bem quando começou. Talvez no final da adolescência. Um final de semana fora significava afastar-me da mesmice cotidiana, religiosa e familiar, era um tempo exclusivamente meu. Posteriormente, meses de pequenos exílios, beirando outros oceanos, se transformariam em referências dos momentos mais felizes.

 

Viajar. Armazenadas,  em casa,  mais de sete mochilas, três malas e algumas sacolas, todas prontas para embarcar. Lanternas, canivete suíço, travesseiro inflável, protetores auriculares, venda para os olhos, cobertor de emergência, bússola e cantil. Jaquetas que cabem num bolso, tolhas que não pesam nada e meias que secam em minutos. Começo a perceber que, no apartamento onde vivo, tudo já está a meio caminho de se mudar. Baús ao invés de armários, caixotes no lugar de estantes, roupas ensacadas nos cabides. Como transformers japoneses, as almofadas viram cobertores, colchões saem das paredes e o chão é também uma grande mesa.

 

 

Alfajor

 

em São Paulo, resolvo curar a fadiga da Índia em Buenos Aires. Conheço-a bem, mas me perco na tarde ensolarada daquela quinta-feira. Minha admiração pela Argentina conta. Há uma formalidade necessária ali que não encontro no calor dos brasileiros e nem na curiosidade informal dos indianos. Dizem que só em Buenos Aires há mais livrarias do que em todo o Brasil. Pudera, os cafés antigos, com instalações charmosas e de madeira, convidam ao ócio e à leitura. Apesar de ser uma grande metrópole, geneticamente reconheço-a somente como uma cidade de férias, de cinemas vespertinos, gente bacana, almoços demorados, amigos devotados e alfajores verdadeiros. E tudo isso a um preço, no momento, bastante acessível.

 

 

Bodas

 

Chego de surpresa. A noiva, amiga de uma década, descrente. Afinal, não confirmei e nem declinei o convite. Um abraço latino e apertado. Votos de felicidade. Quis fazer deste momento um presente entre irmãos que se reconhecem, independentemente da nacionalidade, língua ou cor da pele. Parece que sou o único estrangeiro ali, mas de maneira alguma  me sinto  assim. A simpática festa privilegia a música brasileira. Meu cabelo e compleição logo me estigmatizam — de maneira elogiosa, me tomam por um Caetano Veloso dos anos 70. Saio dali decidido, vou direto ao barbeiro mais próximo e volto a ser eu mesmo até o final da viagem.

 

 

As Meninas

 

Encontro-o num metrô. A farda verde, ares de pouca inteligência. Obeso, não é  jovem. Chama-me a atenção o crachá que sempre acompanha os oficiais das forças armadas: Velásquez. Peter Greenaway deu vida a As Meninas em um de seus filmes, tenho agora aqui o pintor encarnado. Gosto de pensar ter conhecido Velásquez. Contaria  ao Dirceu Villa. Desço, contabilizando as obras de arte que um soldado com este nome pode dizimar numa só batalha.

 

 

El Gran Hermano

 

Gordinha, de meia idade. Pretensa loira. Através dos óculos, vê-se penteando no espelho em frente. A escova, que tirou da bolsa, arruma a franja, que se esforça em seu ofício de deixá-la mais jovem. Age naturalmente, como se estivesse num banheiro privado. Finjo, ao lado, não notar tamanha espontaneidade numa cabine telefônica. O que ela conversa com seu interlocutor não importa. Visualmente, compõe um retrato do seu meio social. Instigante e decadente.

 

 

Café Teerã

 

Hoje é aniversário do maior atentado a uma embaixada de Israel na América Latina. Buenos Aires, quinze anos passados. Atentados são covardes, injustos e desonestos. Evocadas as vítimas, cobrança aos governantes, punição incerta. A comunidade judaica daqui culpa o Irã. O motorista do táxi, ao me perceber, não teve dúvidas: revelou que eu parecia ser de raça iraniana.

 

 

Bom Ar

 

Descrente, percebo que não se pode mais fumar em recintos fechados em Buenos Aires. Em algum inverno passado, eu julgava insano meter-se num café desses com aquecedores ligados e argentinos fumantes. O tabaco também era parte, embora insalubre, da atmosfera portenha. Hoje é lei. Flagrado o fumante, o estabelecimento paga uma multa altíssima. Os simpáticos garçons são os primeiros a censurar algum desavisado.

 

 

Dicas

 

§         Como em qualquer aeroporto, não troque seu dinheiro na primeira casa de câmbio que aparecer. A mais honesta ali é a do Banco de la Nación Argentina. Se você não conhece a cidade, é melhor sair dali com um táxi (ou remis) contratado nos balcões do aeroporto. Pode-se pagar com cartão de crédito.

 

§         Compre nas bancas de jornal um guia de ruas (El guia T de bolsillo — o melhor e mais barato guia de bolso) e aventure-se nos ônibus e metrôs. Os táxis são  acessíveis, mais do que aqueles com ar condicionado do aeroporto, e custam quase um terço do que custariam em São Paulo. As ruas são organizadas, em quadras simétricas, e é muito fácil de se locomover a pé também.

 

§         Come-se bem no país das parillas, mesmo sendo vegetariano. O argentino é bom garfo, farto à mesa, imbatível nos doces.

 

§         Há shows de tango  em vários teatros e restaurantes. Alguns são só para turista ver, mas sempre vale a pena. O Tanguera é um dos mais famosos, num teatro da Avenida Corrientes, e conta toda a história do tango.

 

§         Leve um livro, algumas comidinhas e passe uma tarde na Plaza San Martin.

 

§         Para brasileiros fanáticos por futebol, há uma visita guiada ao estádio do Boca Juniors, do imortal Dieguito.

 

§         Há várias ruas só para pedestres, com a inevitável dobradinha compras/comida. Vá pela Calle (rua) Florida e descubra esquinas que não estão nos roteiros. Engorde.

 

 

Serviço

 

§         Site escrito por e para viajantes, muito útil: http://www.ruta0.com

 

§         Todos os cds, nacionais e importados: Zivals – Av. Callao, 395 >  www.tangostore.com

 

§         Quadrinhos, na terra do Quino e Mafalda: Punto de Fuga – Calle Montevideo, 157 >  puntodefuga@speedy.com.ar

 

§         Tudo da Welleda: Farmacia Homeopatica Cangallo – Calle Juan D. Perón, 1670 > www.homeocangallo.com

 

§         Comida boa e vegetariana, para um almoço tardio no domingo: Bio – Calle Humboldt, 2199 > www.biorestaurant.com.ar

 

§         Para mochileiros, bem localizado, mas precisa agendar com muita antecedência no verão: Backpacker's Hostel – Av. Rivadavia, 1587 > www.hostelkm0.com.ar

 

§         Yoga, que a  Índia a  gente  leva  para  onde  quer  que  se  vá  –  Centro  de  Eutonia  y 

      Yogaterapia Filial Lonavla Yoga Institute (India) – Entre Laprida e Beruti.

 

 

 

 

abril, 2007