©joel simon
 
 
 
 
 
 
 
 
 

AnGer is an enerGy

      

Previsível. Índia, Gandhi, não-violência...

 

Há um estereótipo sobre a Índia que a apresenta  como um país místico, de plena paz e espiritualidade, mas é óbvio que  não é bem assim (leia do mesmo autor A Questão Islâmica). Aliás, a humanidade do mundo todo é violenta, seja no trânsito, nas filas de banco, nos restaurantes, em atos ou pensamentos. Reflita. Se soubéssemos a violência a qual são submetidos certos animais que insistimos em comer, é provável que repensaríamos nosso cardápio. Nike, IBM, Monsanto, Du Pont, Dow e outras tantas marcas de quem compramos ou apoiamos promovem (ou promoveram) a violência em seus mais variados aspectos. Sem dúvida, a violência faz parte do nosso currículo. Mas é mais confortável omitir esta graduação.

 

Fato verídico, nomes omitidos. Pois bem que num belo final de semana de abril, tranqüilo e sossegado, um  antigo desafeto reaparece com suas ações belicosas. De minha parte, agarrei bem com as mãos todas as pedras que podia, e não via o momento oportuno de derrubar o que na Índia antiga chamávamos  de rakshasa, ou demônio. Afinal, quem mais estaria com a razão do que eu próprio!?

 

Longe de mim querer tirar o lugar destes autores que ganham dinheiro escrevendo auto-ajuda. Confesso até que na adolescência li avidamente um destes, pioneiro talvez, o muito famoso e norte-americano Dale Carnegie. Fiquei tremendamente impressionado com os exercícios de auto-controle, auto-observação, tolerância e etc. que ele apresentava, inclusive algo que iria rever anos mais tarde nas próprias técnicas de yoga. Hoje não tenho mais interesse neste tipo de literatura, mas o que se segue, para meu demérito como escritor, bem que poderia ilustrar um destes livros.


O rakshasa não havia honrado o poder da palavra dada por ele, tão caro aos indianos. Pandit Garam, o furioso, angariava exércitos. Lembrou-se dos Pandavas, guerreiros do bem do grande épico Mahabharata. Arjuna, um dos cinco Pandavas, certa feita havia ganho sua esposa (?) num concurso de arco e flecha. Ao chegar em casa, apresentou-a à sua mãe, Kunti, que estava de costas, da seguinte maneira: "Veja o que ganhei no concurso, mãe!". E esta, sem virar, disse-lhe: "Divida com os seus irmãos". Uma vez tendo percebido o que havia dito, Kunti se desculpou humildemente com a nora, entretanto, já havia proferido sua sentença, e dado o poder da palavra, a moça teve uma vida um tanto agitada, podemos dizer.

 

Fui então, encontrar-me com o demônio. Na ânsia por aumentar o meu poderio, acabei chamando, por engano, Gandhi. Tenho andado lendo um pouco sobre esse senhor, e sem dúvida suas considerações sobre a não-violência (a qual chamamos de ahimsa) acabaram reverberando em mim naquele momento crucial.

 

Percebi que se quisesse um acordo, e se quisesse um pouco de sossego, deveria me livrar dos espectros bélicos que trazia na mochila.

 

Assim, um abraço inusitado, o saber ouvir e palavras de compreensão transformaram minha batalha num encontro de pessoas que ainda estão resolvendo seus karmas, e que vão continuar, mas cada um compreendendo a importância do outro em todo o processo. São estas as situações, das quais normalmente fugimos, que nos apresentam grandes possibilidades de crescimento interno. Não nos damos conta do poder de sabedoria de cada pessoa que cruza o nosso caminho, todos os dias. Há uma prática budista que honra cada ser que encontramos como um grande mestre. A nossa tarefa é descobrir a lição.

 

Pandit voltou pra casa leve, contente em haver descoberto que a não-violência, em todas as suas formas, seria a partir de então a sua grande arma. E pôde então, finalmente, dormir.

 

 

Ganges

 

O Ganga é o nosso rio, todos o conhecem. Escadarias imensas com gente em rituais matinais. Vida, cremações, purificação, sujeira e morte. O rio que serve pra tudo. Pois bem, relendo um poeta brasileiro já falecido, descobri que falamos línguas idênticas, não importa o rio, não importa o continente:

 

o rio corre; e assim viver para o rio

vale não só ser corrido pelo tempo:

o rio o corre; e pois que com sua água,

viver vale suicidar-se, todo o tempo.

 

João Cabral de Melo Neto, in A Educação pela Pedra

 

 

 

 

junho, 2005
 

panditgaram@yahoo.com.br