A AMPUTAÇÃO ADIADA DA
MÃO DIREITA
DO POETA TARDIO — I



Eram
Les Focs de San Joan.
O mesmo Julho do Dous,
embora vinte e quatro.

Tudo alegria
no interior da Bahia.
A Festa do Fogo, anunciando
— Oropa França Bahia —
a Luz se aproximando.

Licores — jenipapo, laranja, maracujá.
A safra de milho — assado, sob canjica, cozido.

Melhor calar sobre
— bandeirolas
(ah!, Volpi, por ti só todos os maltratos aos nordestinos declaro lavados!)
— fogos e fogueiras
— o remeleixo do forró
— a hiperssocialização profetizada por Teilhard de Chardin.

Eram assim,
lá estavam,
Les Focs de San Joan.

...E revivo-vos,
trinta anos depois,
na Barceloneta de Barça.

O fio da meada?
O fogo!

Esse mesmo, o tal,
incendiou o pavio
da bomba de mil
que acesa segurava.

Não via nem ouvia,
mas houve!

E vi-te a ti,
mão direita,
sangrada, inchada,
quase destroçada.

Nada que a perícia do
Doutor Gerardo De Magalhães
não recompusesse,
permitindo-me escrever
este poema tardio.

Barra do Jacuípe, Bahia, 24/7/1999

CACETINHOS VOADORES

Sua-se na madrugada.
Apressa-se o fim do lusco-fusco.
Achas e mais achas,
atiça-se o fogo no forno.

Fermenta-se.
Incha-se.
Coze-se.
Saca-se.
Morna-se.

O vidro quebrado
permite
o vôo pela janela.

Atordoado,
se pelos golpes
ou extremo carinho,
acordo e como,
quentinhos,
os cacetinhos voadores
de Vovô Barreto, padeiro.

Itaparica — Ipiaú, 1965 / 1998 AD

joão augusto sampaio
MaracuJá!

Subitamente olho para cima e Vejo:
pendes todo verde e perfeitamente esférico sobre minha cabeça
amadureces e transformas
carbono morto em células vivas.

Calmante
verdeamarelo
passiflora
flor da paixão.

Quase na barca do Mordomia, 9/9/1996 AD

A FACE OCULTA
DA MATÉRIA EVIDENTE



Depois de Deus ter morado,
também na matéria todo o Sagrado.

Um Deus de cabelos e carnes,
sorria, suava, fedia, amava.

Lavada de toda a culpa,
reluz enfim a matéria.

Sem pêlos, magros ou flácidos,
gastos e mancos, vistas turvas,
tudo isso brumas a nos afastar
dos nossos auto-retratos.

Mas vemos, nos movemos e somos
na matéria e pela matéria,
que "No Teu Dia",
e só então, será etérea.

E vemos fundo e raso:
na pele sinais do ocaso;
o além nos dentros dos corpos
da Nova Jerusalém.

Ainda moramos na terra,
nem anjos somos.
Temos corpos de carne
e neles nos re-conhecemos.

Perfurando a pele com o olhar,
e mesmo vendo além,
enquanto na carne
sejamos gratos

Precisamos dos nossos retratos!

Na Cidade do Salvador, segundo milênio da Encarnaçam.

João Augusto Sampaio é fluminense na acepção da bandeira de Ipiaú — Vi Flvminis — da Bahia com hagá, onde viu a luz pela primeira vez. Cresceu entre rios: Contas e Água Branca, desde sempre e até hoje poluídos. Teve a graça de vir morar na Cidade do Salvador, onde encontrou água em profusão, o pôr-do-sol do Porto da Barra e a Baía de Todos os Santos, útero do Brasil, e de onde nunca mais saiu. Nauta, pratica wind-body no Mar Baiano, sendo periodicamente visto boiando entre suas ilhas, sem qualquer registro na Marinha do Brasil. Como ainda não pode viver da Poesia, ganha o pão de cada dia suando o rosto com a Engenharia Ambiental. No papel estreou no "Anuário 1997" do Grupo Cultural Pórtico. Participou também das Antologias Poéticas "Hermanos", do Grupo Pórtico e "Poesía de Brasil", reunindo poetas do Brasil e de Cuba. Recebeu Menção Honrosa no I Concurso da Academia de Letras de Jequié, Bahia, 1998. É membro fundador do Amanho — Grupo Cultural.