II
Por ti fui capaz das metáforas mais
exageradas,
fiz chover versos de gerânios sobre o reino
e bêbado
de paixão padeci na amurada do teu castelo
e tangi a lira numa
toada que resplandeceu
por todo reino durante uma década.
E as extravagâncias se sucederam:
arranquei todas
as pedras do reino com a boca
e levantei um altar para todos os
dias
agradecer aos deuses o presente
de contemplar tua face —
verônica do amor —
e sentir a vida transbordando de teu hálito.
III
És tanto e tudo e como dói a tua ausência.
IV
É certo que ainda comungaremos dos cânticos dos
êxtases,
está escrito na nossa história — os oráculos não se
enganam.
Então, vou caminhando pelos tempos
até o dia em que
minhas lágrimas encontrarão o teu sorriso.
Caramujos
Os caramujos da Ribeira do Traipu
mugem em um
tempo que se foi.
Os caramujos eram os bois da minha boiada.
Quando
os invocava era prontamente atendido,
mas eles tinham lá seus nomes
e matizes
(e ali já estava o poeta batizando as coisas):
e vinham Manjerona, Paixão, Diamantina,
Fachada,
Chuvisco, Carnaval, Meia-Noite,
e vinha toda a vacaria de
caramujos
encantar aqueles dias com seu leite de sonhos.
De repente, dava um redemoinho
na minha cabeça de
vento
e já era outra história:
Ivaldo, numa atitude inaugural,
— possível apenas
para quem goza
da sabedoria dos cinco anos —
bradava para que
fôssemos
ouvir o mar nos caramujos.
Dois momentos
Entrava no poema como quem entra num bar
e sai
bêbado caindo pela falta de chão.
A poesia era um buraco maior que
o buraco.
Entro no poema como quem come cuscuz
e sai dia
afora para encarar a existência.
A poesia lava os pés e as
lágrimas.
Fiat lux
Era uma vez o escuro,
e fez-se a luz,
a tênue luz de um candeeiro,
então questionei:
— Mal se divulga um vulto?
O candeeiro flamejou:
— Para quem está no
breu
qualquer lampejo é alumbramento.
Insônia
Em cima do telhado da infância
Tem um chato de um
pavão
Que não me deixa
dormir
assossegado.
Lajedo e lua
A pedra que piso diz do silêncio
e das águas que
molham as plantas dos pés
para que os arvoredos dos passos possam
brotar.
A pedra que olho diz do espelho
e da luz que
persigo a cada instante,
como palha que busca ser brasa da eterna
fogueira.
Lar
Sim, sinto o cheiro do ambiente:
terras torradas
pelas brasas do Sol.
Este é o lugar onde me conjugo.
No meio da tarde bato as asas,
saio por aí no vôo
de um concriz.
Dessas plagas sou semente e
fruto.