Poema
inútil
Não sei o que fazer para chover-te as terras.
Nem sei, ao menos, amparar-te as dores.
Eu bem quisera serenar em tuas serras
e orvalhar-te inteiramente os vales.
Mas… a lágrima que tenho é pouca.
O meu coração nem sangra mais.
Se as minhas mãos fossem pétalas,
nelas eu guardaria para ti os doces rios.
Se fossem conchas, por ti guardaria os mares.
Mas… as minhas mãos são frágeis
e meus dedos enrijecidos e débeis.
Trêmulas, as minhas mãos só sabem versejar!
Mãos inúteis, essas minhas, que nunca souberam arar.
Ritual sagrado de vida e morte
Aqui e alí, eu continuo a nascer.
E vos convido a participar desse sagrado ritual,
onde efêmera e impermanentemente sou lua e sol.
E em que oníricas fadas rodopiam evanescentes.
Aqui não tem tempo. Nem muros de pedras.
Trazeis libertas as almas e serenos os corações.
E alguns perfumados incensos e raminhos de alecrim.
Se ao meu lado ficarem, untarei vossos corpos nus
com o óleo das rosas vermelhas do bosque.
Revelar-vos-ei os caminhos secretos das florestas,
e as grutas encantadas, abrigos de delicados morcegos.
Percorreremos rios que escondem serpentes aladas,
e mares que guardam gigantes cavalos-marinhos.
Sobre eles, seguiremos ao encontro de translúcidas medusas.
E comeremos verdes algas e beberemos o roxo vinho musgal.
Submersas, as conchas nos servirão de taças.
Saudaremos felizes os Nagas ressuscitados.
A viagem parecerá longa. Mas... não, nada demora.
Encantados, eis que renasceremos do fundo do mar!
De volta, encontraremos uma frágil criança chorando,
débil folha seca, pendurada nos braços da mãe faminta.
E na terra rachada, um velho sedento sugará o derradeiro cacto.
Nós, renascidos, seremos a chuva, o leite, o mel.
E juntos, despertos, choraremos a vida e a morte.
Até a última gota das nossas salgadas lágrimas.
Dentro de mim
O prazer de ter-te assim dentro de mim
É mais que a alegria de viver
É mais que ver o sol parindo o dia
dentro da lua a desaparecer.
O prazer de ter-te assim dentro de mim
É mais que o vôo livre do tiê
Mais que o casulo, enfim, desabrochando
Pra borboleta pousar em você.
O prazer de ter-te assim dentro de mim
É mais que a chegada em novas terras
Bem mais que receber um abraço amigo
Após as noites de longas esperas.
O prazer de ter-te assim dentro de mim
É mais que o frescor da adolescência
É muito mais que o doce do teu mel
Após gozar o amor em sua essência.
Por isso, eu eternizo o ato absoluto
Que une num só corpo o nosso ser
E faço a impermanência do minuto
virar eternidade até morrer.
A santa ceia
A mesa sempre farta
e a casa muito cheia.
O eterno ritual da santa ceia,
regado de luxúria e de prazer.
E eu, sem trono e sem coroa de rainha,
Reinando, absoluta, na cozinha.
Enquanto eles se matam de comer.
Mas qui país é esse, o meu país?
Mas qui país é esse, o meu país,
amada terra adonde eu nasci?
Aqui cresci, desabrochei, madureci,
e assuntei di amá um belo home.
Dei di casá, engravidei, pari.
E adesde antonce, como um bacuri,
bebi meu leite pra não passá fome!
Mas qui país é esse, o meu país,
adonde eu truxe ao mundo meus três filho?
Assunte, é tudo arte, tudo artista!
Dois macho criadô e tocadô,
qui canta como os anjo do Sinhô.
E uma competente palavrista,
qui lavra as letra como os inscritô.
Mas qui país é esse, o meu país,
qui nunca pára de arvorecê?
Adonde o vento baila vagarinho,
e uma montanha, grávida da lua,
se curva nua e deixa o sol nascê.
E um zabelê, voando bem mansinho,
faz o seu ninho dentro do meu sê.
Mas qui país é esse, o meu país,
di céu azul e sol vermelho em braza?
Di chão rachado e campo averdejante.
Uns tem palácio. Outros, nem tem casa!
São tantos rio correndo até o mar!
Florestas com Saci cambaleante,
desertos ressecando inté matá.
Mas qui país é esse, o meu país,
donde o povo já nasce na canção?
Donde se bebe pinga e sucupira,
e os forguedo atiça os coração.
Terra di moças linda e atrevida,
qui mostra os peito pra fazê a vida
com os home cortejado nos salão.
Mas qui país é esse, o meu país,
berço de tantas civilização?
Índio, africano e ôropeu feliz.
Macaco, bem-te-vi e vira-lata.
Preto com branca e loura com negão,
tingindo a natureza de mulata,
no mesmo pote de misturação.
Mas qui país é esse, o meu país,
qui diz qui faz o qui não faz, mas diz?
Qui deixa as criançada sem brinquedo
e os adolescente sem enredo.
Enquanto os mais antigo, a suspirá,
tem esperança di inda tê futuro,
e vai seguindo a vida ao Deus dará.
Mas qui país é esse, o meu país,
tão grande, tão garboso e tão servil?
Terra de povo bravo e inteligente,
di presidente herói e varonil.
É o paraíso adonde Adão e Eva,
nos gosto da serpente, fez a gente.
E um vingadô denominô Brasil!
Karma
Entre o nó na garganta e a dor no peito,
la vou eu, titubeante passageira.
Nau sem destino, pátria sem fronteira.
Inexplicavelmente, brasileira.
(Do
livro inédito, Fado brasileiro)