A MORTE USA CARTOLA
 
E asas: as asas gigantescas de um beija-flor que não repousa.
 
O olho esquerdo verde-negro não manda, manda o olho direito (glauco)
     que lhe vem de Deus.
 
Andrógina, tem o falo dos cavalos, coroa de espinhos na glande, firme flecha
     de sarça e cravos (formigas) ao penetrar,
     alcançar a medula em uma incursão
     (instantânea)  por toda a espinha dorsal.
 
Ferrados, levamos as mãos à cabeça, e o prometido céu? Ludíbrio das
     cinzas, dez unhas e quatro fios de cabelo
     crescendo um pouco.
 
E o boné? Perdido, perdido no vento, por conta de outro bocejo seu, e de
     algum desconjuntado espavento de sua
     mão direita em asa na cintura.
 
Um a um, e todos pela mesma argola, incompletos: entrevados mutilados
     histerectomizadas zarolhos peitoextirpadas, e os membros
     todos de minha seita isentos de prepúcio:
     damos menos de comer à Infatigável;
     come menos sua imperecível tropa de
     vermes.
 
Ovelhas, para o abate: vejam-na sacar a cartola e como, em meu caso,
     entre riscos e rasuras fica um borrão.
 

Tradução: Luiz Roberto Guedes e Claudio Daniel
 
 
 
LA MUERTE LLEVA CHAMBERGO
 
Y alas: las alas gigantescas de un zunzún que no reposa.
 
El ojo izquierdo verdinegro no manda, manda el ojo derecho (glauco)
     que le viene de Dios.
 
Andrógina, porta el falo de los caballos, corona de espinas en el bálano, firme saeta
     de zarza y clavos (hormigas) al penetrar,
     alcanzar la médula en un recorrido
     (instantáneo) por toda la espina dorsal.
 
Calimbados, nos llevamos las manos a la cabeza, ¿y el prometido cielo? Faramalla de la
     ceniza, diez uñas y cuatro pelos
     creciendo un rato.
 
¿Y la cachucha? Perdida, perdida en el viento, a resultas de otro bostezo suyo, y de
     algún desconyuntado aspaviento de su
     mano derecha en jarras a la cintura.
 
Uno a uno, y todos por el mismo aro, incompletos: tullidos mancos
     histerectomizadas tuertos pechiextirpadas, y los miembros
     todos de mi secta de prepucios exentos:
     menos le damos de comer a la Infatigable;
     menos come su imperecedera peonada de
     gusanos.
 
Borregos, a ñampearse tocan: vedla desabrocharse el chambego y cómo en mi caso
     queda entre borrones y tachaduras un chapón.
 
 
 
 
A MORTE SE REVOLVE EM SUA POCILGA DE OSTEOPOROSE
 
Em cada omoplata o ideograma que a prefigura.
No púbis uma rosácea de ouro em fibra de vidro.
No fêmur a rotação (mocho) das duas veletas.
Gema de ovo as falanges, tendões, rótulas.
O úmero puro padecimento do peixe boquiaberto
ao sol: chuva de estrelas meteoritos a coluna
vertebral ao se estrelarem as duas pupilas atônitas
contra a muralha do bastião: o grito cravado
de Ícaro na queda: parietal esfenóides arco
zigomático e vômer de súbito na pá de lixo.
Um escapulário. Um crucifixo. Hissope e cíngulo.
Mitra de cálcio e fósforo; capa fluvial de magnésio.
Útero de alumínio, tabela periódica o coração.
Num piscar de olhos com vaselina nos penetra (com)
seu vocabulário (exíguo) e uma ou outra frase-feita:
utópico, ilusório; esquece o tango e canta bolero.
O quadro, viva efeméride, é completado por um cavalo
matungo: anca que exibe o Santo Graal, anca que
exibe o selo chamejante do Averno: e justo no
meio o Unigênito ginete da foice.
 

Tradução: Claudio Daniel
 
 
 
SE REVUELCA LA MUERTE EN SU POCILGA DE OSTOPOROSIS
 
En cada omóplato el ideograma que la prefigura.
En el pubis un rosetón de oro en fibra de vidrio.
En el fémur la rotación (búho) de las dos veletas.
Yema de huevo las falanges, tendones, rótulas.
El húmero puro padecimiento del pez boquiabierto
al sol: lluvia de estrellas meteoritos la columna
vertebral al estrellarse las dos pupilas atónitas
contra la muralla del bastión: el grito acribillado
de Ícaro en la caída: parietal esfenoides arco
cigomático y vómer de golpe al recogedor.
Un escapulario. Un crucifijo. Hisopo y cíngulo.
Mitra de calcio y fósforo; capa fluvial de magnesio.
Útero de aluminio, tabla periódica el corazón.
Con queso nos la da con glicerina nos la encaja (con)
su vocabulario (exiguo) y alguna que otra frase hecha:
utópico, ilusorio; olvida el tango y canta bolero.
El cuadro, viva efeméride, lo completa un caballo
matalón: anca que exhibe el Santo Grial, anca que
exhibe el sello llamativo del Averno: y justo en
medio el Unigénito jinete de la guadaña.
 
 
 

A MORTE SE VESTE DE CORAL
 
Desce dois degraus de cimento.
E logo outros dois degraus de limo.
Refulge em redor seu dente de ouro.
Por um motete antigo, sei que é ruiva.
Senta-se em seu trono de cipó, pousa a planta dos pés em uma esteira de palma-real.
É imutável o trono, indestrutível a palma-real.
Exige as Vésperas marianas de Monteverdi, solícitos executam-nas.
Aplaude, aplaude bêbada, golpeia-se nas coxas, pó de ossos derramam.
Majestosa, ajusta a peruca ruiva em um espelho oval de brilho impenetrável.
Ei-la aí, toda de coral, na verdade do azougue.
 

Tradução: Claudio Daniel e Luiz Roberto Guedes
 
 
 
LA MUERTE SE VISTE DE CORAL
 
Desciende dos peldaños de cemento.
Baja otros dos peldaños de limo.
Refulge en derredor su diente de oro.
Me entero por un motete antiguo que es pelirroja.
Se sienta en su trono de bejuco, posa la planta de los pies en una estera de yagua.
Es inmutable el trono, indestructible la yagua.
Exige las Vísperas marianas de Monteverdi, solícitos las ejecutan.
Aplaude, aplaude beoda, se golpea los muslos, polvo óseo derraman.
Majestuosa, se ajusta la roja peluca en un espejo oval de brillo impenetrable.
Hela ahí, toda de coral, en la verdad del azogue.
 
 
 

A MORTE RETIRA A MÁSCARA, A CARA,
O CRÂNIO, O NADA, E SURGE O BOM DEUS
 
Entrego-lhe
a moeda
de cobre
que trago
debaixo da
língua.
O Bom
Deus
põe-se
a rir e
me tira
a folharada
que tenho
na cabeça,
umas lianas
no olhar,
um resto
de barro
na fronte,
o esterno,
e dos
mamilos
aos lábios.
 

Tradução: Luiz Roberto Guedes e Claudio Daniel
 
 
 
LA MUERTE SE QUITA LA CARETA, LA CARA
EL CRÁNEO, LA NADA, Y APARECE EL BUEN DIOS
 
Le entrego
la moneda
de cobre
que traigo
debajo de
la lengua.
El Buen
Dios se
echa a
reír y
me quita la
hojarasca
que tengo
en la cabeza,
unas lianas
en la mirada,
un resto
de barro
en la frente,
el esternón,
y de las
tetillas a
los labios.
 
 
 

A SENDA DO MENDICANTE
 
Imperceptíveis estrépitos da semente (campânulas) amadurecendo nos arrozais.
 
A talha reconfortando o côncavo na escudela de buxo (cinzel) entre as mãos do
     mendicante.
 
E claro está, o bosque: a inaudível mandala, o movimento apenas dos lábios
     (uníssono, ulterior): e ao fundo
 
uníssona recordação (apenas) de vazio (o olhar semicerrado às miríades) (fulgor, de
     vazio) ímpeto último
 
os címbalos.
 

Tradução: Claudio Daniel
 
 
 
LA SENDA DEL MENDICANTE
 
Imperceptibles estrépitos del grano (campanillas) madurando en los arrozales.
 
La talla reconfortando lo cóncavo en la escudilla de boj (cincel) entre las manos del
     mendicante.
 
Y claro está, el bosque: la inaudible mandala, el movimiento apenas de los labios
     (unísono, ulterior): y al fondo
 
unísona rememoración (apenas) de vacío (la mirada entornada a las miríadas) (fulgor, de
     vacío) ímpetu último
 
los címbalos.
 
 
 

O MENDICANTE
 
E gritava, sou feliz, não tenho nada, uma tanga cobre minha nudez
     já está aqui a escudela de arroz cozido,
     logo irei pedir um pouco de molho de
     soja, talvez uma fruta, qual (dentre todas),
     pediria talvez uns cobres; sou feliz sob
     a figueira de Bengala, fico sob sua sombra,
     na intempérie fico, de cócoras, sombras
     de uma centenária ceiba, sombras do zebu que
     aí vem se saciar, na postura de lótus
     me sento, sombras de um pomar cheio de
     árvores frutíferas, sombras de um vocabulário:
     não caibo em mim de contente, mastigo sombras
     e me choco contra um rio, duas estreitas
     ribeiras o meandro de minha sombra; um gongo
     golpeiam na desembocadura, acorro (não era
     a fonte no alto das águas?), me humilho
     ante o Soberano, eu sou sua sombra, alço a
     vista pela terceira vênia, ouço minha voz gritar,
     sou feliz sou feliz não tenho nada: e me sento
     sobre o trono de palissandra, visto minha
     nudez com a túnica açafrão de seda,
     sinto a canela sinto de ilhota em ilhota as
     águas aromáticas do desjejum, com seu ponto de
     mel silvestre, seca flor de jasmim: chegam
     em fileira com barbas de três dias, eu sou
     lampinho; se prostram e ouço a série de
     reencarnações: já acabei, jalde feliz, trama
     revés esfolamento, jalde flor que desponta nos
     alvéolos: flor de tutano, braçada florida
     de reses, ruminante respiração seus
     ramalhetes enchem os púcaros de estanho
     nas abóbadas do salão: flor imperial os
     salões; outro aposento e outro, cortinas
     escarlate de veludo, o leito matrimonial
     sobre o estrado: tarimba e tálamo, a meus pés
     colocam a Lampinha, meu alento rarefeito
     roça suas faces, farejo no odor de sua
     cútis:  onde estamos? Frutais estatuetas,
     caudal; estojos e arquitraves, caudais:
     resvala pela pura farinha do ar a espiga a
     uma configuração de pães, tortas de azeite;
     e as águas resvalam (rosa) (erva-doce)
     (camomila) à redondez sem asas  de um
     jarro: uma xícara me queima as mãos, ouço
     verter, vejo minha cicatriz, ouço crepitar
     a queimação em minhas impressões digitais. Aperto
     as polpas dos dedos contra as coxas,
     estou tatuado: e em sua contemplação vejo cair
     tição sobre minhas coxas, inquieta desembocadura
     do ar dos arrozais. A este sinto, aí
     sinto; entre minhas pernas, o receptáculo,
     revestimento de reses: e grito, sou feliz sou
     feliz não tenho nada, em minha própria rapinagem me
     atropelo, trunco a gama, entre minhas pernas
     recolho a escudela de minhas mãos, ouço verter,
     verter a mosca sua fuligem, a ninfa seus
     parasitas desígnios de transformação, ouço
     cessar minhas evoluções: e calo ave, calo
     rama e flor de seu bico, ia estender outra
     vez a mão, abrir a boca, ouvir os
     encadeamentos abreviados de minha voz, e me
     subtraí, flor de lótus sob uma árvore abri
     a branca sombrinha hexagonal de seda, tiara,
     orlas insonoras do vento.
 

Tradução: Claudio Daniel
 
 
 
EL MENDICANTE
 
Y gritaba, soy feliz, no tengo nada, una tela cubre mis desnudeces,
     ya está aquí la escudilla de arroz hervido,
     pronto iré a pedir unas gotas de salsa de
     soja, quizá una fruta, cuál (de entre todas),
     pediría tal vez unos cobres; soy feliz bajo
     la higuera de Bengala, quepo bajo su sombra,
     en la intemperie quepo, me acuclillo, sombras
     de una centenaria ceiba, sombras del cebú que
     ahí viene a abrevar, en la postura del loto
     me siento, sombras de una huerta llena de
     árboles frutales, sombras de un vocabulario:
     no quepo en mí de contento, mastico sombras
     y me golpeo contra un río, dos estrechas
     riberas el meandro de mi sombra; un batintín
     golpean en la desembocadura, acudo (¿no era
     la fuente en alto de las aguas?), me humillo
     ante el Soberano, yo soy su sombra, alzo la
     vista a la tercera venia, oigo mi voz gritar,
     soy feliz soy feliz no tengo nada: y me siento
     sobre el trono de palisandro, visto mis
     desnudeces con la túnica azafrán de seda,
     huelo la canela huelo de islote en islote las
     aguas aromáticas del desayuno, con su punto de
     miel milflores, seca flor de jazmín: llegan
     en hilera con barbas de tres días, yo soy
     lampiño; se postran y oigo la retahíla de las
     reencarnaciones: ya acabé, gualda feliz, trama
     revés desolladura, gualda flor que repunta en
     los alvéolos: flor de tuétano, brazada florida
     de las reses, rumiante respiración sus
     ramilletes llenan los búcaros de estaño en
     las hornacinas del salón: flor imperial los
     salones; otro aposento y otro, cortinas
     escarlata de terciopelo, el lecho matrimonial
     sobre la tarima: tarima y tálamo, a mis pies
     colocan a la Lampiña, mi aliento enrarecido
     roza sus mejillas, husmeo en la hez de su
     cutis: ¿adónde estamos? Fruteros estatuillas,
     raudal; estuches y arquitrabes, raudales:
     resbala por el candeal del aire la espiga a
     una configuración de panes, tortas de aceite;
     y las aguas resbalan (rosa) (hinojos)
     (manzanilla) a la redondez sin alas  de un
     jarro: una taza me quema las manos, oigo
     verter, veo mi cicatriz, oigo chisporrotear
     la quemazón en mis huellas digitales. Aprieto
     las yemas de los dedos contra los muslos,
     estoy tatuado: y en su contemplación veo caer
     tizón sobre mis muslos, inquieta desembocadura
     del aire de los arrozales. A eso huelo, ahí
     huelo; entre mis piernas, el receptáculo,
     revestimiento de reses: y grito, soy feliz soy
     feliz no tengo nada, en mi propia rapiña me
     atropello, trunco la gama, entre mis piernas
     recojo el cuenco de mis manos, oigo verter,
     verter la mosca sus hollines, la ninfa sus
     parásitos designios de transformación, oigo
     cesar mis evoluciones: y callo urraca, callo
     rama y flor de su pico, iba a extender otra
     vez la mano, abrir la boca, oír los
     encadenamientos abreviados de mi voz, y me
     sustraje, flor de loto bajo un árbol abrí
     la blanca sombrilla hexagonal de seda, tiara,
     orlas insonoras del viento.
 
 
 

TRANSUBSTANCIAÇÃO
 
A semente amplia o território de sua pupila a toda a carne da pêra.
 
Uma lâmpada negra é Buda.
 
Sustenta as constelações momentos antes do fulgor.
 
Negra raiz do esplendor é Buda.
 
Se disfarça de moribundo, mocho, lótus, rubi entre os enxames.
 
Apesar de a Morte não ter remédio (saibam) apesar de.
 
Esplendor de Buda a fome, a inenarrável configuração da pêra.
 
Abro a boca a seus pés (calvo) me estendo: noite de constelações, ingiro.
 
Orfeu guia as manadas à saída dos jardins do Rei, se aproximam, nenhum animal de sua
     condição se retrata.
 
Ordem do fulgor a pereira florida, e ordem do esplendor a boca saciando-se (saciando-se)
     da pêra (Buda) indene.
 
Estendido entre os pés do Amado em Amada transformado escuto (debaixo) a segregação
     do escaravelho, escuto o nascimento do mel
     no abdome da abelha: aí, a flor; e aí os
     aí os onagros sujeitos à sua insaciável condição.
 
Escuto (eu mesmo flor semovente) fúria do lodo (debaixo) Buda (ou eu) ao seu destino
     (flora, semovente) do lodo.
 

Tradução: Claudio Daniel
 
 
 
TRANSUBSTACIACIÓN
 
La semilla extiende el territorio de su pupila a toda la carne de la pera.
 
Una lámpara negra es Buda.
 
Sostiene las constelaciones momentos antes del fulgor.
 
Negra raíz del esplendor es Buda.
 
Se disfraza de moribundo, búho, loto, rubí entre los enjambres.
 
A su pesar la Muerte no tiene cotejo (sépase) a su pesar.
 
Esplendor de Buda el hambre, la inenarrable configuración de la pera.
 
Abro la boca a sus pies (calvo) me tiendo: noche de constelaciones, ingiero.
 
Guía Orfeo las manadas a la salida de los jardines del Rey, se acercan, ningún animal de   
 
  su condición se retracta.
 
Orden del fulgor el peral florido, y orden del esplendor la boca saciando (saciando) de la
     pera (Buda) indemne.
 
Tendido entre los pies del Amado en Amada transformado escucho (debajo) la  segregación
     del escarabajo, escucho el nacimiento de la miel
     en el abdomen de la abeja: ahí, la flor; y ahí los
     onagros atenidos a su insaciable condición.
 
Escucho (yo mismo flor semoviente) furia del fango (debajo) Buda (o yo) a su destino
     (flora, semoviente) del fango.