O MESTRE DOS BARES I

 

jack à noite

 

no café-da-manhã

a promessa

solene e sóbria:

 

nunca mais

coloco uma gota

de água-de-coco na boca

juro foi aquele gelinho.

 

 

 

 

 

 

O MESTRE DOS BARES II

 

as vozes como urubus

em cima de mim

(embora quisessem meu bem)

 

meu bem, você não arredou

salve salve você

 

ele bebeu?

uma garrafa de uísque

 

salve salve disse a enfermeira

não tirando os olhos do primo

e do alexandre

 

em que mundo estamos, hem?

 

 

 

 

 

 

O MESTRE DOS BARES III

 

aninha, italo calvino

nasceu na itália

 

em cuba, leonel

 

se fosse assim

(argumento inatacável)

seria cúbalo calvino

 

não seria em santiago?

 

sim, ele é compatriota de

neftalí ricardo reyes basoalto

 

estou falando de las vegas

não do chile nem parral

 

então o cara é americano?

 

alguém, por gentileza

tira o jack daniels dele.

 

 

 

 

 

 

O MESTRE DOS BARES IV

 

xandóvsky meu amigo

o que será hoje à noite?

 

jack leonel jack leonel

 

esse mantra me agrada

e muito

 

com pedrinhas de gelo

feitas de água-de-coco

 

feito.

 

 

 

 

 

 

O MESTRE DOS BARES V

 

de todo efeito colateral

de toda dor do dia seguinte

(transformada em risos, oxalá!)

 

o que mais me dói

foi o susto que dei na ia

 

financiado em um terço

por seu marido.

 

 
 

 

 

Diálogo do homem morto com as larvas de seu novo habitat

 

 

a eternidade não é tão longa assim, é?

pobre mortal, é curta, terrivelmente curta.

 

 

era objeto de consumo ou de desejo?

há diferença?

sutil.

qual?

bem, se levarmos em conta que a finalidade do consumo é criar desejos, e os desejos nada mais são do que objetos que queremos possuir, o resíduo diferencial é bem tênue.

papo-furado.

não é não, são pensamentos fundamentados.

não deixa de ser papo-furado.

afinal, era consumo ou desejo?

pelo que vejo aqui, os doutores-pensantes são vocês, vocês que respondam.

tudo bem, nos diga quais eram seus reais desejos.

quase tudo que ela me sugeria.

ah, você ia ao shopping!

não, nunca fui.

internet?

não responderei a perguntas pessoais.

se os seus desejos vinham de fora, não eram realmente seus, não eram legítimos, eram? que absurdo, claro que eram legítimos.

olhares incrédulos e superiores, seguidos de um breve silêncio sepulcral.

o que que é aquilo ali em cima?

apenas uma placa de aviso escrito silêncio.

não ali, naquele canto direito.

ah, uma câmera.

câmera?

sim.

a aqui somos vigiados?

somos um programa de tevê.

um programa de tevê?

é, por que o espanto?

que horas passa?

à meia-noite, como convém.

todos os dias?

todas as noites.

legal isso!

mais um breve silêncio na casa dos mortos entre olhares excitados e abodegados.

você compreendia os eventos do mundo?

of course.

plenamente?

plenamente.

mesmo trancado todos os anos da sua vida?

aquilo não era uma prisão.

não?

não. a minha relação com o mundo através da tevê era consciente.

sem alienação?

existe não alienação?

uau, até que você não ficou tão… digamos assim

tolo?

isso, tolinho.

obrigado.

mas você gostava do super pop?

bem mais do mick.

você tem senso de humor, isso é bom.

puf.

sabemos também que gostava do gugu e do faustão.

quem disse essa blasfêmia?

gostava ou não gostava?

relativamente.

como assim?

dependia dos fenômenos atmosféricos, previsão do tempo, coisas assim.

interessante.

muito, mas quem revelou este meu segredo a vocês?

você tem vergonha do seu passado?

foi o escritor, não foi?

foi.

ah, poderia ter sido esta anta mesmo, este cara é um desqualificado, que às escondidas dança a dança do pintinho amarelinho.

NMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNMNM

NMNMUUUUUUUUUUUMNMNMNMNMMMMMMU.

o que foi esse estrondo?

o cara em cima surtou.

não lhe disse, é um desclassificado, um fofoqueiro, não tolera a mínima verdade.

ele lhe jurou de morte.

que diferença faz, não estou morto e enterrado?

está.

ele se acalmou.

ele sempre se acalma, ou pára de escrever e sai andando a esmo por , um idiota!

mas aquela história da tevê ter sido…

tudo mentira desse covarde.

mentira?

tudo invenção, esse cara é um tremendo de um impostor, rouba pirulito de criança, faz visitas a asilos para passar a mão na bunda das velhinhas, um descarado de um psicopata que abusa da boa-fé das pobres senhoras e chama isso de boa ação, um pé-de-cana sem igual, isso sim.

uma pausa desnecessária para que voltemos a assuntos de interesses das larvas e não importunemos mais o escritor, pessoa insigne, distinta, do bem e de boa psique, deixemos-no fora dessa pálrea. depois de alguns minutos de pausa desnecessária e ânimos mitigados, uma das milhares de larvas famintas de conhecimento retoma as rédeas do colóquio: qual a necessidade do mercado hoje?

que pergunta besta! sei , estou aquitanto tempo.

não faz tanto tempo assim.

parece uma eternidade.

você ainda nem se decompôs inteiramente.

é, ainda não, o mínimo ainda mexe, vejam .

pura ilusão.

pode ser, mas estou falando com vocês, não estou?

está.

estou ouvindo vocês, não estou?

é o que parece.

fazemos parte de uma espécie de reality show, não fazemos?

isso é fato.

convenhamos, é um fato absurdo, muito mais absurdo do que o meu mindinho mexer, não é?

é e não é, mas não vamos nos alongar em retóricas metafísicas e existenciais, que não nos levarão a nada, a lugar nenhum.

de repente, uma nuvem de , do meio desta e da multidão de larvas, surge uma larvinha corcunda e barbuda, impacientemente, abrindo caminho a bengaladas: retomando o retomado, ou seja, a partir da pausa desnecessária, a pergunta era: qual a necessidade do mercado hoje?

dessa maneira vocês me obrigam a ser pleonasticamente tautológico, me desculpe vovô, mas que pergunta apalermada!

o corcunda barbudo sem se dar por vencido, persiste: mas você não acha que o mercado aprofunda a desigualdade, que ele não realiza o que promete, a liberdade e a igualdade.

num tô entendendo esse papo maluco a esta altura do campeonato. vocês são o quê, hem? larvas marxistas? ora bolas, era o que me faltava!

larvas utópicas.

utópicas?

na verdade...

utópicos não são aqueles seres com cara de sabonete que ficam desenhando o mundo ideal em suas escrivaninhas?

não somos nada disso, somos apenas larvas, simplesmente larvas, nada mais do que larvas, o que queremos é entender um pouco o processo de cima, afinal são sempre vocês que chegam aqui com esses papos estrambóticos.

nós apenas queremos nos orientar para nossa possível emancipação com certa consciência crítica, ou não, como diria caetano, ou como diriam que diria caetano.

emancipação?

sim, para quando chegarmos .

lá?

em cima.

sei, em cima?

tudo é possível, meu caro! tudo é possível, percebe?

estou perplexo!

breve pausa necessária.

o caetano a quem se referem é o…?

as larvas alvoroçadas, em uma azáfama , se reúnem em círculo, flutuantes e disformes, ensaiam uma coreografia estranha, e, cantam: "queria querer gritar setecentas mil vezes, como são lindos, como são lindos os burgueses e os japoneses, mas tudo é muito mais". uma larvazinha de auditório com uma vocecita de taquara rachada, em um falsete esganiçado, grita bem no nariz do nosso herói: qual é a músicaaaaaaaaaaaaa? diante da estupefação e da palidez deste, agora suando frio em bicas, as larvas resolvem voltar ao interrogatório, que mais parece argumentação de tese sociológica.

você sente saudades das imagens?

estou me sentindo gelado.

isso é normal. sente saudades das imagens?

sabem de uma coisa?

o quê?

já não sinto tanto, estou começando a me acostumar com esse cheiro de podre.

de fato vocês são extremamente adaptáveis.

respire fundo que esse cheiro corpulento e nutrido, assaz acre, lhe fará bem.

de qualquer maneira eu havia desacostumado de minha subjetividade.

bela frase feita!

se as frases forem desfeitas, o que que sobra?

decomposição, meu caro, decomposição.

putrescência.

pois então.

pois.

não me olhem assim, com essas caras lavadas, eu entendi a mensagem.

tudo bem.

eu consigo me comunicar, não consigo?

com ruídos quase imperceptíveis.

e vou conseguir mesmo quando .

será uma façanha e tanto.

será mesmo.

sem dúvida.

eu vou, ok?

ok.

está retornando a ela?

a quem?

a sua subjetividade.

foda-se a minha subjetividade, se ela não me valeu em vida, valerá agora?

quem sabe.

eu sei.

sabe?

sei, pois não estou morrendo?

não.

não?

não. sua situação não é gerúndica, é definitiva e pretérita.

ah.

cai sobre o esquife um silêncio caliginoso, os silêncios são abundantes neste estágio da vida.

você não está com saudades do espetáculo, está?

agora sou parte dele, não é seus putos!

está com saudades ou não?

more or less.

o império ainda impera?

o que acham?

como nunca.

talvez.

ainda há resistentes?

creio que não, não sei direito, o que sei é que resisti oitenta e oito anos.

cinqüenta e oito e três dias.

quer ver minha certidão?

o escritor

já disse, esse sujeito não merece crédito, é um mentiroso de marca maior, um salafrário, um desocupado de carteirinha.

as larvas riem das rabugens do nosso herói.

você sabe qual é o superlativo da superficialidade?

vão tomar no cu!

as larvas, serem pudicos que são, tataranhadas engolem o riso. você poderia ser mais polido.

fodam-se, larvas polidas, odeio larvas polidas!

sem a polidez seríamos um bando de larvas selvagens, perdidas, sem rumo e sem destino, elucida a lúcida e corcunda de barbas brancas e bengala.

balela.

 

um mês e meio depois:

 

estou com medo dessa escuridão, não me deixem .

fique tranqüilo.

ficaremos até o fim.

a eternidade não é tão longa assim, é?

pobre mortal, é curta, terrivelmente curta.

 

a eternidade segue adiante:

 

até que ele era um cara legal.

um babaca como todos os humanos.

eu me simpatizei com ele.

você se simpatiza com todos.

posso cheirar este restinho de ?

 

(imagem ©bruno cals)
 
 
 
 
 
Leonel Delalana Júnior tem poemas publicados na Agenda da Tribo 2004, 2005, 2007 e 2008, no Jornal de Poesia e na Conexão Maringá. O resto é fazimento constante.
 
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